REDAÇÃO ESQUERDA WEB

O Marighella é o filme brasileiro mais assistido de 2021 com cerca de 100 mil espectadores em algumas semanas de bilheteria. O brasileiro médio quer saber quem é esse tal guerrilheiro, inimigo número um da ditadura que não está nos livros didáticos. 

Afinal, quem foi Carlos Marighella? Foi neto de escravos sudaneses na linha materna, filho de negra livre e empregada doméstica, seu pai era imigrante italiano e operário. Ele teve acesso à educação formal, ingressou no curso de engenharia da escola politécnica da Bahia, curso que abandonou quando mudou-se para o Rio de Janeiro para militar e construir o Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1934. Marighella se tornou poeta, militante político, deputado estadual pela Bahia, era homem de confiança de Carlos Prestes, teve seus livros traduzidos em diversas línguas e foi elogiado por Sartre pela sua perspicácia intelectual. 

Após o golpe militar, depois de ser baleado e preso por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) dentro de um cinema carioca em 1966, rompe com o PCB e opta pela luta armada, em 1967 é expulso do partido e em fevereiro de 1968, quase quatro anos após o golpe militar co-funda o grupo armado Ação Nacional Libertadora (ANL). Essa grande figura brasileira foi executada por agentes do DOPS em 4 de novembro de 1969. 

A cinebiografia baseada no livro de Mário Magalhães de 2012, “Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo”, ilustra primordialmente esse período de fevereiro de 1968 a novembro de 1969. O filme dirigido por Wagner Moura foi rodado em 2017 e teve sua estreia no festival de Berlim em fevereiro de 2019. A organização do longa-metragem enfrentou diversas barreiras político-burocráticas para liberação de verbas pela agência nacional de cinema (Ancine) e a chegada comercial às telas de cinema no Brasil acontece apenas no final de 2021. O atraso de quase um ano, anterior a pandemia de covid-19, aconteceu após censura dissimulada do governo Jair Bolsonaro por diferenças ideológicas com o cunho político da obra cinematográfica que retrata a atuação de Marighella frente aos primeiros anos de ditadura militar. 

Wagner Moura, que interpretou o Capitão Nascimento no filme Tropa de Elite, um anti-herói de relevância no imaginário brasileiro, faz um giro cultural importantíssimo por trás das câmeras ao dirigir Marighella. Apresenta um homem negro, militante político e revolucionário como um herói para o imaginário de milhares de brasileiros que carecem de inspiração para se levantar contra esse sistema que os explora, violenta, tortura e mata. 

A América Latina é um caldeirão de contradições que para não explodir em rebeldia necessita da brutal ação estatal burguesa para garantir a manutenção da ordem capitalista. No Brasil a situação não é diferente, na verdade é até mais grave do que em muitos países da região, pois a sociedade brasileira carrega em seu seio a herança de uma polícia militar – força repressiva racista e antioperária – que mantém a mesma estrutura da ditadua, com sua prática de perseguição, tortura e execussão de jovens negros, periféricos e empobrecidos. 

Para lutar pelo fim da opressão e exploração que só cresce em nosso país, é preciso reconstruir a memória político-histórica no Brasil que foi manipulada, espoliada e deformada pelo controle ideológico da imprensa, pela censura cultural e pela tortura física dos que lutaram – e lutam – contra a dominação do grande capital nacional e imperialista. 

Apesar de não ser uma obra prima estética e conter lacunas histórico-políticas, o filme Marighella de Wagner Moura, cumpre um papel importante em se comunicar com o jovem médio brasileiro através de sua linguagem policial e cheia de ação. Essa é uma obra que contribui para reconstituir o contexto da ditadura militar, o papel criminoso do estado semifascista, das forças repressivas e de seus colaboradores – todos eles responsáveis pelo desaparecimento, tortura e prisão de milhares de lutadores da classe trabalhadora por direitos democráticos. Podemos ter também um pequeno apanhado do difícil contexto político em que se desenvolveu o método da guerrilha – concordando ou não com essa tática naquele momento – desconectado do movimento de massas (tema que iremos aprofundar em outras notas). 

O filme cumpre um papel importante em alertar a juventude para os riscos que traz os golpes de estado, bem como a necessidade de derrotar pelas ruas com o movimento de massas, única forma efetiva, pois as saídas individuais ou por fora da mobilização coletiva da classe trabalhadora e dos oprimidos acabam em derrota ou processos burocráticos. O golpismo que foi estabelecido no Brasil desde de 2016 e que teve como resultado mais avançado até agora, a eleição de Bolsonaro, um neofascista que idolatra e quer impor o retorno da ditadura militar, deve ser parado. É urgente derrotar o golpismo instaurado, para que Bolsonaro, ou qualquer outro representante deste projeto de retrocessos políticos, econômicos e sociais não seja eleito em 2022. Para que a censura, as prisões e as execuções em massa não voltem a acontecer é preciso superar todos os entraves da burocracia, inclusive petista, para organizar um movimento de massas nas ruas, pela base, independente e que lute pelo Fora Bolsonaro e Mourão e pelas demandas mais urgentes dos trabalhadores e oprimidos.

 

Liberdade

Não ficarei tão só no campo da arte,

e, ânimo firme, sobranceiro e forte,

tudo farei por ti para exaltar-te,

serenamente, alheio à própria sorte.

Para que eu possa um dia contemplar-te

dominadora, em férvido transporte,

direi que és bela e pura em toda parte,

por maior risco em que essa audácia importe.

Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,

que não exista força humana alguma

que esta paixão embriagadora dome.

E que eu por ti, se torturado for,

possa feliz, indiferente à dor,

morrer sorrindo a murmurar teu nome”

(Carlos Marighella, São Paulo, Presídio Especial, 1939)