Além de reafirmar a linha política mais geral da nossa corrente nessa nota, queremos fazer apontamentos sobre como a esquerda no Brasil tem encarado esse fato central da luta de classes hoje, com o objetivo de debater para melhorar nossas análises, estratégias, táticas e políticas para contribuir com a ampliação da luta em defesa do povo palestino, da sua classe trabalhadora e dos seus oprimidos.

ANTONIO SOLER

A partir da nossa corrente internacional Socialismo ou Barbárie, colocamo-nos desde o dia 7 de outubro – ataque do Hamas – diante da limpeza étnica sionista, da crise política e da construção de um movimento mundial em defesa do povo palestino, com algumas coordenadas de princípios, estratégias e táticas que consideramos fundamentais.[1]

A partir daí, pensamos que precisamos problematizar três posições políticas; uma abertamente reformista, a do PT e PSOL, e outras que estão no campo do socialismo revolucionário, mas que pecam por criar um terrível desequilíbrio entre duas coordenadas fundamentais de princípio, ou seja, a defesa incondicional do povo palestino e do seu direito de luta e a independência política em relação à sua direção, o Hamas. 

Nesse terreno, discutiremos com três posições:

1) uma política alinhada ao governo Lula que não consegue superar o horizonte do pacifismo e da saída dos dois Estados, o que é uma utopia já derrotada seguidas vezes durante esses mais de 75 anos de colonização sionista da Palestina;

2) outra que capitula diante da ofensiva ideológica burguesa e não hierarquiza a defesa incondicional do povo de Gaza e seu direito de luta, em relação a outro princípio: a independência política da sua direção, o Hamas, e, por último;

3) o erro oposto, que é ao defender o direito de defesa do povo palestino praticamente não se diferencia da sua direção política. Ambos os equívocos – amálgamas cada um a seu modo – de princípios políticos desarmam estratégica e taticamente para a luta.

Impacto na conjuntura política mundial

Quando fechamos essa nota para a edição da Revista Malagueta, estávamos há cerca de um mês e meio do início dos bombardeios e da ocupação militar de Israel que transformaram Gaza em um “Gueto de Varsóvia” do século XXI. Com a “desculpa” de que Hamas usa civis como escudos humanos, Israel coloca em prática um verdadeiro genocídio, uma limpeza étnica através de intensos bombardeios e ataques terrestres que já ceifaram a vida de mais de 13. 000 palestinos, dentre eles 40% são crianças, e procuram a desterritorialização de 2,3 milhões de pessoas.

Utilizando a sua supremacia militar – conseguida historicamente com o apoio do imperialismo e do stalinismo em sua fundação e depois por décadas de investimentos gigantescos em estrutura bélica da parte dos EUA – utiliza o método do terror massivo e da punição coletiva, da destruição da infraestrutura generalizada de Gaza e do deslocamento populacional para impor uma nova territorialidade. Porém, esse cenário de limpeza étnica, patrocinado diretamente pelo imperialismo estadunidense e europeu, que se soma à guerra na Ucrânia e às renovadas disputas geopolíticas, abriu um cenário de divisão e crise política internacional com potencial explosivo.

Com o passar das semanas, o discurso hegemônico de que “o Estado de Israel tem o direito de se defender” diante dos indiscriminados bombardeios israelenses sobre Gaza, que são vistos por todo o mundo em tempo real pelas redes sociais, perdeu força, o que fez surgir massivos atos contra os ataques israelenses. Inicialmente, nos países árabes e depois em várias partes do mundo, notadamente na Europa, que enfrentou diretamente a ordem de Macron para que não houvesse mobilizações em defesa da palestina, e da reação de judeus nos EUA, que ocuparam o Capitólio – não se pode falar nem em crime de guerra, mas diretamente de genocídio – a balança da opinião política internacional pende a favor da luta palestina.

Estamos assistindo um genocídio no século XXI, pelo qual Israel perde legitimidade e a defesa do povo palestino diante da catástrofe ganha apoio internacional. Mas, como afirmam nossas declarações internacionais, temos que ter cuidados com os prognósticos exagerados, porém o massacre na faixa de Gaza coloca no mundo um cenário mais polarizado, explosivo e mobilizador que se soma à guerra na Ucrânia e todas as crises planetárias que estamos vivendo.

A reação do governo e de sua base de apoio na esquerda da ordem

Como em todo mundo, no Brasil logo após o 7 de outubro, houve uma tremenda campanha da direita e extrema-direita – particularmente a bolsonarista no caso brasileiro – nos meios de comunicação e nas redes a partir da ideologia de que “Israel tem o direito de se defender”.

Quando começam os bombardeios e fica mais difícil mascarar que se trata de um massacre genocida perpetrado por um exército assassino, a percepção popular volta a um entendimento mais razoável dos fatos, ou seja, de que de um lado temos oprimidos (palestinos) e de outro opressores (Israel). Assim, a polarização e a crise política que se abriu com o terror dos bombardeios israelenses sobre Gaza, gerou um movimento pendular da direita para a esquerda.

Movimento em relação ao qual, com seus limites de governo burguês de conciliação de classes, Lula acompanhou-o politicamente. Mas, Lula e sua base de apoio na esquerda da ordem (PT e PSOL) o fizeram a partir de uma vergonhosa concessão para a direita e extrema direita, que é a de igualar a violência dos oprimidos com a dos opressores, ou seja, de abertamente não defender o direito incondicional de luta do povo palestino.

Cinco dias depois dos ataques, 12 de outubro, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil – enquanto o Brasil ainda estava na Presidência do Conselho de Segurança da ONU e tentava articular uma resolução que garantisse um cessar fogo humanitário (proposta que foi derrotada no dia 28 de outubro pelos EUA) -, posicionou-se afirmando que “no tocante à qualificação de entidades como terroristas, o Brasil aplica as determinações feitas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas”.[2]

A pressão sobre Lula teve efeito e no dia 20 de outubro, em uma cerimônia do Bolsa Família, disse que “fico lembrando que 1.500 crianças já morreram na Faixa de Gaza. Que não pediram para o Hamas fazer o ato de loucura que fez, de terrorismo, atacando Israel, mas também não pediram que Israel reagisse de forma insana e matassem eles”.

Com o balançar do pêndulo mais à esquerda, em 25 de outubro, Lula usa pela primeira vez a palavra “genocídio” para classificar os ataques de Israel contra Gaza. “Não é uma guerra, é um genocídio que já matou quase 2 mil crianças que não têm nada a ver com essa guerra, são vítimas dessa guerra”.

No dia 27 afirma que “Agora, o que nós temos é a insanidade do primeiro-ministro de Israel querendo acabar com a Faixa de Gaza, se esquecendo que lá não tem só soldado do Hamas, que lá tem mulheres e crianças, que são as grandes vítimas dessa guerra”. Em 15 de novembro, na recepção dos brasileiros repatriados, em discurso na pista de voo do aeroporto de Brasília ainda, Lula afirmou que “Se o Hamas cometeu um ato de terrorismo e fez o que fez, o Estado de Israel também está cometendo vários atos de terrorismo ao não levar em conta que as crianças não estão em guerra”.

Lula em estilo e estratégia política conciliadora de classe dá uma no cravo, outra na ferradura, pois assume que Hamas cometeu um ato terrorista e, ao mesmo tempo, questiona a reação israelense, colocando-os no mesmo patamar. Mas todos sabem que, quando em uma briga entre desiguais se toma uma posição neutra, acaba-se, na prática, do lado mais forte. E quando o conflito se trata de um genocídio essa equidistância é politicamente criminosa. O pior é que esse posicionamento não vem apenas do governo de conciliação de classes normalizador de Lula, mas de partidos políticos que dizem representar os interesses dos trabalhadores e dos oprimidos, como é o caso do PT e do PSOL, como veremos abaixo. 

Essa mesmíssima política de Lula de equidistância entre os ataques do Estado de Israel e a resposta do Hamas, entre opressor e oprimido, é acompanhada pela direção do PT e do PSOL – e pela sua principal figura pública, Guilherme Boulos… Em sua resolução política sobre a situação, o Diretório Nacional do PT diz que “condenamos os ataques inaceitáveis, assassinatos e sequestro de civis, cometidos tanto pelo Hamas quanto pelo Estado de Israel, que realiza, neste exato momento, um genocídio contra a população de Gaza, por meio de um conjunto de crimes de guerra”.[3]

O PSOL – confirmando a sua ida de malas e bagagens para a esquerda liberal, agora com uma prova inconteste no campo da política internacional – vai exatamente na mesma toada do governo Lula e do PT em sua resolução que “se por um lado condenamos os ataques a civis israelenses realizados no dia 7 de outubro pelo Hamas, por outro consideramos inaceitável o bombardeio indiscriminado a Gaza e a ofensiva terrestre com consequências devastadoras para dezenas ou centenas de milhares de civis.”[4] 

Vemos assim, que Lula, PT e PSOL igualam a resistência palestina – lembrando que defendemos incondicionalmente o povo palestino de Gaza e seu direito de resistência militar, mas não apoiamos politicamente a sua atual direção, que é o Hamas – e passam longe do certo progressismo que assumiu o governo boliviano ao romper relações diplomáticas com Israel. Sem falar que colocar a resistência palestina no mesmo patamar do genocídio histórico praticado pelo Estado de Israel é, no contexto de extrema desigualdade de forças que há, estabelecer uma equidistância que joga a favor do opressor.

Por outro lado, a defesa da proposta de dois Estados para solucionar a questão palestina, tem se demonstrado historicamente como uma utopia diante de um enclave imperialista armado até os dentes que está a serviço da opressão, exploração e espoliação de um povo e de seu território. Mais de 7 décadas demonstraram que, enquanto o imperialismo estiver enclavado na Palestina através de Israel, não é possível que se tenha paz entre “os dois povos”, ou melhor dizendo, entre as duas nações.

A esquerda socialista entre defesa tíbia do povo palestino e capitulação ao Hamas

Entre as correntes da esquerda socialista, apesar de suas assimetrias, têm basicamente o mesmo problema político: não conseguem estabelecer uma clara posição de princípio em relação ao direito incondicional do povo palestino de lutar e resistir, por um lado, e por outro, a independência política em relação ao Hamas.

Em sua nota editorial sobre o conflito, a Resistência afirma que a ação palestina do dia 7 “é parte da luta legítima desse povo oprimido” e que não se pode “equiparar ações violentas de um povo massacrado contra seus opressores”. Porém, não sustenta a sua independência política em relação ao Estado de Israel ao afirmar que não concordam com ataques a civis, “pois é utilizada por Israel para tentar deslegitimar a causa palestina”, o principal terrorismo é o “praticado há décadas pelo Estado sionista”.[5]

O MRT, que comete o mesmo erro que a sua organização irmã na Argentina, o PTS, pois não se posiciona de maneira muito diferente quando afirma em sua nota que “nós não compartilhamos a estratégia do Hamas, que vai na contramão da unidade entre es trabalhadores, jovens e oprimides, e seu programa de um Estado teocrático burguês.”, e depois fala que “a defesa intransigente do povo palestino não é negociável, isso passa justamente pela exigência da ruptura das relações com Israel, de forma independente do governo Lula-Alckmin”.[6] 

Essas duas passagens, deixam nítido que, essas organizações, não conseguem estabelecer uma relação entre a defesa incondicional do povo à luta diante do estado genocida de Israel, como eixo de princípio central de sua política, por um lado, com a independência política em relação a sua direção política, que é o Hamas, do outro.

Ambas as correntes -Resistência e o MRT- equivocadamente dão o mesmo peso para os dois elementos dessa coordenada política, o que para nós significa um desarme diante desse conflito histórico, principalmente desse movimento em que assistimos à intensificação do genocídio. Assim, a defesa incondicional do povo palestino, sua causa e direito a autodefesa é a coordenada central que deveria submeter as demais, mas infelizmente não é isso que vemos na elaboração dos companheiros. O que fazem com sua formulação é amalgamar dois planos políticos distintos: o da defesa incondicional do direito do povo palestino de lutar pela sua emancipação com a independência política em relação ao Hamas, seu programa e métodos. Com isso, a defesa que fazem do povo palestino fica na metade do caminho, isso porque perdem o equilíbrio necessário entre a defesa incondicional da luta do povo palestino e da necessária independência e diferenciação política com o Hamas.

Diante da catástrofe humanitária, limpeza étnica e crise política internacional com explosivas potencialidades, nossa corrente estabelece em primeiro lugar uma posição de princípio político que é o da defesa incondicional do povo palestino e de seu direito de resistência e luta diante do seu opressor: Israel. O que significa a defesa militar, política, humanitária de um povo oprimido diante de um opressor, independente de qual organização política o dirija. Guardando as devidíssimas proporções, é o mesmo que diante de uma greve operária, independente se é dirigida por pelegos ou uma direção independente, estamos sempre do lado ativo da defesa dos operários em greve e de suas reivindicações. Isso vale ainda mais quando se trata de um conflito que tem como pano de fundo um genocídio que pode marcar o século XXI.

Já o PSTU comete um erro oposto ao das organizações citadas acima. Em seu editorial de 12 de outubro coloca corretamente quem é o lado opressor nesse conflito – obviamente Israel – e o que significa esse processo de colonização para o povo palestino.  Coloca a defesa incondicional do povo palestino, mas quando passa para a necessária defesa incondicional do povo palestino e do seu direito à defesa militar, perde totalmente o equilíbrio – diferencia-se dizendo que essa é uma organização burguesa ligada ao fundamentalismo islâmico -, mas passa a dar apoio político ao Hamas quando afirma que “as ações do dia 7 não foram terrorismo; mas, sim, um ato de heroica resistência, fruto do direito de autodefesa. Trata-se de uma guerra assimétrica, de uma permanente agressão por parte de um dos exércitos mais poderoso do mundo, contra um povo sitiado em uma prisão a céu aberto.”[7]

Como se pode ver, existe aqui um desequilíbrio entre a defesa incondicional do povo palestino e a independência política. O PSTU amalgama o direito à defesa palestino com os métodos de sua direção; quer dizer, leva o apoio ao povo palestino ao apoio à sua direção política atual: o Hamas. Nesse sentido, a posição dos companheiros se parece muito com a posição do Partido Obrero da Argentina.[8] Pois confunde totalmente a defesa incondicional do povo palestino – uma questão de princípio fundamental – com o apoio político ao Hamas. 

O apoio incondicional do povo palestino, independentemente de sua direção, não significa o apoio político ao Hamas, por razões táticas e estratégicas. Ou seja, comete o erro inverso da linha das correntes que criticamos acima, pois a independência política de correntes burguesas ou burocráticas é outro princípio fundamental da política revolucionária. Do contrário, apoiamos a política burguesa e reacionária do Hamas que passa anos-luz de uma saída que interesse a classe trabalhadora e os oprimidos palestinos do ponto de vista estratégico. 

Esse erro do PSTU é uma consequência da teoria objetivista da revolução que reproduz o “morenismo” e boa parte do trotskismo. Segundo essa concepção, a da “revolução socialista objetiva”, toda luta democrática contra o imperialismo – ou neste caso, contra o colonialismo sionista de Israel – leva autimaticamente ao movimento socialista, independentemente da direção, da consciência políticas das massas ou das organizações que estão envolvidas na dinâmica. Assim, o PSTU, e outras correntes objetivistas, estabelece um automatismo – ou esquematismo – entre as causas estruturais que provocam um conflito com o desenvolvimento da luta rumo à superação do capitalismo, à construção de um Estado operário e ao socialismo – nada disso está previsto nos clássicos do marxismo ou foi demonstrado na história da luta de classes. Essa é uma fórmula em que a estratégia, o programa, a organização, a consciência da classe trabalhadora ou o caráter de classe da direção são substituídas pela pressão dos fatos objetivos da realidade. No caso da Palestina, isso se traduz em uma terrível falência de princípios – apoio acrítico do Hamas por parte do PSTU – de estratégia – não apostar na organização independente da luta das massas palestinas – e de programa – em sua linha política para o conflito sequer aparece a consigna de uma “Palestina socialista”.

Ao contrário do Hamas, somos pela mais absoluta independência de classe diante da burguesia, defendemos a mobilização das massas trabalhadoras, a autodeterminação e a construção de organizações revolucionárias como estratégias permanentes.  Mesmo do ponto de vista militar das táticas e técnicas militares, que são específicas, pensamos que devem estar subordinadas às necessidades, estratégias e programa de um movimento de massas em movimento pela sua libertação do jugo de Israel, do imperialismo e do capitalismo.

Em que pese que o Hamas foi uma escolha legítima da população de Gaza em 2006, pensamos que a saída estratégica passa pela luta comum – entre árabes, judeus, islâmicos – por uma Palestina única, livre, laica, democrática e socialista no contexto de um Oriente Médio laico e socialista. Sem essa orientação estratégica e a mobilização auto-organizada massiva do povo árabe-palestino a partir dos métodos da classe trabalhadora – inclusive com a necessária técnica militar para enfrentar o enclave imperialista que é Israel a serviço da luta independente das massas – a luta contra a opressão, o genocídio e a desterritorialização sistemática tem curto alcance. 

Do ponto de vista tático, pela configuração dos conflitos, pela correlação de forças concretas dos dois lados, é fundamental apresentar a defesa do povo palestino de forma que a conecte com a juventude e os trabalhadores do mundo todo, e não é defendendo a linha política de uma organização que defende um estado islâmico, o fundamentalismo e métodos que alijam a auto-organização dos explorados e oprimidos.

O PSTU com essa política acaba caindo em um bicampismo que desarma para a luta pelo cessar fogo imediato, pela reconstrução de Gaza e para a luta por um Estado palestino laico e socialista, única saída estratégica que pode colocar fim aos conflitos na Palestina. Os socialistas revolucionários não podem ceder ao bicampismo, isso sempre significou na história a mais absoluta perda de orientação política dos trabalhadores. Isso vale ainda mais quando estamos em um mundo cada vez mais polarizado entre campos imperialistas (velhos e novos) que disputam duramente direção das massas, é exatamente o que vemos no caso da guerra da Ucrânia onde temos um setor alinho com Rússia-China e outro com EUA-Zelensky.

O PSTU deixa mais claro qual é a sua saída estratégica para a questão palestina, “defendemos uma Palestina Laica, democrática e não racista, na qual os povos de todas as religiões possam conviver em paz.” Esse é um rebaixamento estratégico sem igual…É necessário ao mesmo tempo em que se luta na defesa incondicional do povo oprimido (palestinos) lutar pela construção de um campo (frente) que defenda a única saída estratégica viável para as massas palestinas, que a luta mobilização e auto-organização independente dos patrões para a construção de uma saída socialista.

Movimento de massas tem papel central na luta contra o genocídio 

Há décadas não tínhamos um movimento mundial, apesar dos diferentes matizes, por uma causa dos oprimidos como vemos agora. Em que pese a desproporcionalidade militar, a causa palestina está no centro da luta de classes e tende a ficar por um bom tempo.

Desde os ataques em 7 de outubro crescem os protestos massivos em defesa da Palestina. Depois de uma semana do início dos bombardeios, em 18 de outubro, milhares se juntaram na Cisjordânia, Líbano, Egito, Marrocos, Iêmen, Jordânia, Bahrein e Tunísia. Mobilizações que foram seguidas de importantes demonstrações de solidariedade na Europa e na América que se concentraram em frente a embaixadas do Estado de Israel e dos EUA.

Nos finas de semana de 28 e 29 de outubro surge uma onda de mobilizações em dezenas das principais cidades do mundo em defesa do povo palestino e rechaço à escalada genocida de Israel em Gaza. Em Londres, onde o governo de Rishi Sunak apoia o massacre à Gaza, reuniram-se cerca de 70 mil pessoas, fora as várias outras manifestações em outras cidades. Mas também houve manifestações em várias cidades da Europa, Oceania, América Latina e América Anglo-saxônica.

No Dia Mundial de Solidariedade ao Povo Palestino, 4, novembro, atos tomaram as ruas de diversas partes do mundo: Londres, Paris, Berlim, Cidade do Kuwait, Oslo, Joanesburgo e Washington. Nos Estados Unidos, cerca de 300.000 pessoas se manifestaram em frente à Casa Branca, em Washington, mas também ocorreram importantes manifestações em Nova Iorque, Seattle e San Francisco. No Brasil, atos foram realizados em diversas capitais. Em São Paulo, na Avenida Paulista, em que pese que as grandes centrais e sindicatos não colocaram peso algum na atividade, a manifestação atingiu cerca de 10.000 pessoas.

Além das manifestações de rua que reúnem ativistas de várias origens, direitos humanos, comunidade árabe e militantes de esquerda, tem crescido entre setores do movimento operário ações em defesa do povo palestino. Como exemplos importantes temos os trabalhadores dos do aeroporto de Lieja (Bélgica) e dos portos de Barcelona e Gênova que tomam ações para frear o envio de armas para Israel.

No cenário de tremenda desigualdade militar que temos – principalmente pela capitulação de todos os governos da região – e que a mobilização política das massas é a força material com a qual pode contar a causa palestina, estamos atuando nos países em que temos trabalho político com uma linha que se sustenta – como foi discutido acima –  em dois princípios básicos que se combinam: a defesa incondicional do povo palestino e seu direito a luta e a independência política e metodológica em relação ao Hamas.

A partir daí temos que construir um pequeno sistema de consignas que dê conta das tarefas mais imediatas às mais mediatas. Do ponto de vista tático temos que colocar como tarefa central a campanha pelo Cessar Fogo Imediato de Israel contra Gaza, hoje essa é a tarefa mais imediata. Essa é a que move o grosso das massas em todo o mundo e assim deve ser, as correntes que não hierarquizam o “cessar fogo” acabam totalmente desconectadas da realidade, pois, sem cair no etapismo, é dessa tarefa que decorre as demais.

Mas, em nosso sistema de consignas ela deve ser acompanhada da luta pelo Fim do Governo Assassino de Netanyahu; rompimento das relações diplomáticas com o Estado de Israel – no caso do Brasil que Lula saia das declarações humanitárias abstratas e tome de fato uma posição rompa imediatamente relações diplomáticas com o Estado assassino – e Por Uma Palestina Laica, Democrática e Socialista.  Essas são bandeiras intermediárias que a partir do cessar fogo colocam a luta política contra o Estado de Israel em um plano mais estratégico, em primeiro lugar explorando as contradições e pontos de apoio em defesa dos palestinos que existem no interior da própria população árabe-judaica de Israel, por um lado, e o ódio que Netanyahu alimenta das massas e dos setores progressistas em todo o mundo, por outro.

Por fim, com o genocídio que perpetra Israel, a tese de que a saída política para o conflito poderia ser a de dois Estados, ou seja, a divisão do território da Palestina com um estado colonizador, racista e assassino, demonstra-se, com os novos fatos, cabalmente utópica. Não defender a saída socialista estratégica, como fazem algumas correntes do trotskismo, é uma capitulação sem igual à burguesia da região que apenas ajuda a atrasar a solução para a causa palestina. Por essa razão, a defesa histórica que faz setores da esquerda revolucionária, de que é necessário destruir o Estado de Israel a partir da luta das massas e construir um Estado palestino, democrático, laico e socialista, demonstra-se cada vez mais correta como única saída viável e ganha cada vez mais legitimidade.

 

[1] “Cessar-fogo em Gaza já!” em https://esquerdaweb.com/cessar-fogo-em-gaza-ja/

[2] Esse posicionamento, que ainda se mantém formalmente, era uma resposta a um requerimento de parte da bancada bolsonarista na Câmara dos Deputados, que contou com assinaturas de 61 deputados do MDB, Republicanos, Podemos e PL, que pressionavam o governo para que reconhecesse o Hamas como “organização terrorista”. Vale lembrar que Lula tem em seu ministério figuras, como André Fufuca, Ministro dos Esportes que se colocam abertamente em defesa de Israel.

[3] “Resolução do Partido dos Trabalhadores sobre a situação na Palestina e Israel” em https://pt.org.br/resolucao-do-partido-dos-trabalhadores-sobre-a-situacao-na-palestina-e-israel/

[4] Nota do PSOL – Solidariedade ao povo palestino: contra o genocídio em Gaza!” em https://psol50.org.br/nota-do-psol-solidariedade-ao-povo-palestino-contra-o-genocidio-em-gaza/

[5] “Palestina: para haver paz, é preciso justiça!” em https://esquerdaonline.com.br/2023/10/11/palestina-para-haver-paz-e-preciso-justica/

[6] “Enfrentar a ofensiva israelense contra a Palestina é indispensável para uma esquerda revolucionária hoje” em https://www.esquerdadiario.com.br/Enfrentar-a-ofensiva-israelense-contra-a-Palestina-e-indispensavel-para-uma-esquerda-revolucionaria

[7] “A luta do povo palestino, o imperialismo e a vergonhosa posição de Lula” em https://www.pstu.org.br/editorial-a-luta-do-povo-palestino-o-imperialismo-e-a-vergonhosa-posicao-de-lula/

[8] “Los debates en la izquierda alrededor de la causa palestina y Hamas” em https://izquierdaweb.com/los-debates-en-la-izquierda-alrededor-de-la-causa-palestina-y-hamas/