Incendiar as ruas contra o golpismo, a fome, o desemprego e a violência e construir uma saída política independente, democrática e anticapitalista!

Víctor Artavia 

No 11 de agosto foi comemorado o Dia do Estudante, uma data que teve sua origem em 1927, mas que tomou relevância após o assassinato pela polícia militar do estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto em 1968, durante uma manifestação contra o aumento do preço da comida em uma instituição de ensino no Rio de Janeiro, e em 1977, quando foi lida a carta em defesa da democracia num ato na Faculdade de Direito da USP, no qual se denunciou a ruptura da ordem constitucional pela ditadura. A atual conjuntura eleitoral e as ameaças golpistas de Bolsonaro, marcaram os atos deste ano, onde ficaram claras as diferentes estratégias – e seus limites – para afrontar o neofascismo.

A “Carta pela democracia” 2022: uma política conservadora e desmobilizadora 

Pela manhã foi lida a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito! na Faculdade de Direito da USP, uma tentativa de relembrar a leitura da Carta aos brasileiros de 1977. O documento foi assinado por um setor da burguesia – banqueiros e industriais -, professores, alunos, ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a burocracia sindical. Em um todo, mais de um milhão de pessoas assinaram a carta.

O conteúdo do documento é conservador, pois sua política é defender o Estado de direito ante o perigo golpista, quer dizer, embeleza a institucionalidade burguesa surgida após a Assembleia Constituinte de 1988, mas não dá conta da terrível situação social do Brasil, onde 33 milhões de pessoas passam fome e outras dezenas de milhões vivem em condições de insegurança alimentar e com salários miseráveis. Sem dúvida, a gestão de Bolsonaro acrescentou à crise económica e social, mas isso não é motivo para ignorar que já estava presente antes de seu governo, porque sua origem é a estrutura capitalista do país, onde a burguesia – nacional e estrangeira – acumula fortunas a partir da exploração da classe operária e da destruição da natureza pelo lucro individual.

Ante tudo isso, a carta não diz uma palavra; não explica por que as instituições do “Estado (burguês) social de direito” não fizeram coisa nenhuma por melhorar as condições de vida das enormes maiorias populacionais do país em três décadas. Por isso, é uma política que não dialoga com as enormes maiorias de pessoas exploradas e oprimidas no Brasil, as quais não tem nenhum apego ao modelo de país que as condenou à miséria.

Além disso, a carta tem o objetivo implícito apresentar como alternativa política a frente ampla construída em torno da candidatura de Lula, cuja estratégia é fechar mais acordos com a burguesia, como fez com Alckmin, e desmobilizar os setores operários, oprimidos e populares. Aliança política que lhes promete que tudo será melhor se Lula ganhar as eleições, embora tenha um programa burguês cada vez mais liberal e menos social e, se chegar à presidência, não vai acabar com a exploração e opressão no país: é um clássico exemplo de “mudar algo para que não mude nada”. Assim, a estratégia lulista é uma armadilha para os setores operários e populares que a cada dia se torna mais perigosa, pois ao abandonar as ruas não faz Bolsonaro e suas hordas neofascistas recuarem, contrário, estas avançam nas pesquisas eleitorais e tem um plano para ocupar as ruas no dia 7 de setembro.

Marcha na Paulista

Por outra parte, à noite se realizaram os atos convocados pela articulação “Povo na rua”, com a palavra de ordem “Defender a educação e impedir o golpe fascista”. Houve protestos em aproximadamente trinta cidades do país, compostos principalmente por estudantes e militantes das organizações da esquerda (da ordem e da radical).

Embora fosse uma jornada da vanguarda, teve um elemento progressivo, porque mobilizou nas ruas milhares de pessoas contra a ofensiva de Bolsonaro e dos setores neofascistas nas últimas semanas. Isso é um fato relevante, pois ante as ameaças golpistas da extrema direita, as organizações do movimento de massas e da esquerda não podem ficar passivas, pelo contrário, é preciso organizar um plano nacional de lutas e responder nas ruas as provocações neofascistas dos bolsonaristas.

Nós da Socialismo ou Barbárie (SoB) fizemos parte da marcha em São Paulo (que contou com aproximadamente cinco mil pessoas), onde contamos com uma jovem e combativa coluna da Bancada Anticapitalista e da corrente estudantil Já Basta! Na Paulista abrimos nossa faixa, a qual chamou atenção pela extensão, desenho e potente palavra de ordem: Incendiar as ruas contra o golpismo, a fome e a miséria! 

Essa consigna caracterizou nossa participação na mobilização, na qual agitamos pela necessidade de unificar a luta contra o golpismo de Bolsonaro com as reivindicações da classe operária e os setores explorados do país, uma tarefa que vai estar presente depois das eleições de outubro, ainda que seja Lula quem ganhe as votações. Para nós, a luta contra Bolsonaro não se pode separar da luta contra os ataques e a exploração da burguesia, com mais razão agora que um setor dos capitalistas brasileiros se posicionou em defesa da “democracia” (esse é o sentido da carta que impulsionou a Faculdade de Direito), quer dizer, são parte da frente ampla em torno a Lula.

Por isso mesmo, é uma política que também nos delimita da esquerda da ordem, do PSOL e das correntes de direita que dirigem esse partido – Primavera, Resistência etc.-, as quais capitularem às pressões pela frente ampla e, deixando de lado a independência de classe, agora são parte da chapa Lula-Alckmin; uma traição – que pode se fazer histórica uma vez que ao sair das ruas abre caminho para o crescimento de Bolsonaro nas pesquisas – em troca de ter alguns deputados nas próximas eleições.

Esse foi o sentido da fala que realizou Renato Assad, nosso cabeça de chapa da Bancada Anticapitalista, quem chamou a impulsionar a unidade da esquerda revolucionária nas ruas para lutar contra as ameaças golpistas de Bolsonaro e, além disso, preparar a resistência contra os ataques contra as condições de vida da população trabalhadora em um eventual governo Lula-Alckmin (assista a fala de Renato aqui).

Embora a esquerda da ordem tenha mobilizado uma coluna na Paulista, não dirigiu a marcha e ficou atrás da coluna estudantil e da esquerda independente. Isso foi um fato significativo, pois demonstrou que os setores de ordem não apostaram na mobilização, como fizeram para o ato institucional na parte da manhã.

Ademais, cada bloco marchou com seu programa e suas palavras de ordem, garantindo a independência política das organizações, uma premissa central para desenvolver a tática de unidade de ação nas ruas contra os neofascistas.[1]

A tarefa hoje é incendiar as ruas contra o golpismo!

As últimas pesquisas demonstram que Bolsonaro reduziu a diferença com Lula em vários Estados chave, particularmente em São Paulo e Minas Gerais. Isso deixa claro a indeterminação da conjuntura atual, e, também, demonstra que o bolsonarismo é uma força política que está na ofensiva, tanto no plano institucional com a aprovação da PEC 15 e o aumento do Auxílio Brasil, assim como no plano não institucional com seus ataques sistemáticos ao processo eleitoral. Então, a combinação das medidas populistas do governo com sua campanha golpista, seduz setores da população que buscam algo novo ante à crise do país.

Pelo contrário, Lula fica em uma posição defensiva, pois se apresenta como o retorno ao Brasil antes de Bolsonaro, quer dizer, promete uma volta à “normalidade”. Mas isso não é uma mensagem atrativa para amplos setores da população, os quais não querem voltar ou, melhor dito, continuar num país de fome e miséria. Por que Lula insiste nessa estratégia de campanha? Devido ao fato de que está dirigido pela sua estratégia política permanente que é se apoiar nos setores “democráticos” da burguesia e nas instituições do regime em detrimento da luta dos de baixo, com os quais ele tem acordo em “normalizar” de forma conservadora a situação nacional para que eles possam fazer negócios tranquilamente, quer dizer, explorar a classe operária num clima estável e com boas relações a nível internacional.

Nós da Bancada Anticapitalista, da juventude Já Basta e da SoB, chamamos a incendiar as ruas contra o golpismo, fome, o desemprego e a violência e para construir uma saída política democrática, independente e anticapitalista! É necessário que as organizações do Polo Socialista Revolucionário, da esquerda do PSOL e, em geral, as organizações independentes construam uma frente de esquerda para enfrentar o atual cenário com um plano de luta comum.

Além disso, de imediato devemos mobilizar e exigir que Lula, PT, PSOL, PCdoB, CUT, UNE, UBES, MST, MTST e todas as direções do movimento de massas organizem um ato massivo de unidade da ação para o 7 de setembro. Esse é o ponto de partida para virar o jogo ante as ameaças golpistas de Bolsonaro e dos neofascistas. Não podemos esperar a derrota de Bolsonaro nas urnas, é preciso derrotá-lo nas ruas, pois podemos perder a batalha contra o neofascismo se o movimento de massas não sair à luta já.

[1] Um caso especial é o sectarismo do MRT – parte da Fração Trotskista, corrente que impulsiona o PTS da Argentina -, a qual não participou da marcha na Paulista para, segundo eles, não misturar suas bandeiras com os banqueiros e setores burgueses que assinaram a carta pela democracia da Faculdade de Direito. Sem dúvida, é necessário manter a independência da classe em meio a um contexto eleitoral onde há uma enorme pressão pela frente ampla ao redor da chapa Lula-Alckmin. Mas é um erro completo não participar numa manifestação progressiva contra o golpismo pela presença de setores burgueses (os quais, dito seja, não estiveram). Trotsky escreveu dezenas de páginas sobre a unidade de ação contra o fascismo, onde destacou que era correto fazer acordos táticos com o “Diabo e sua avó”. Uma lição que, no caso do MRT, parece que esqueceram para esta conjuntura concreta, onde se destacam pelo sectarismo – disfarçado com um doutrinarismo vermelho – e pela auto marginalização.