Resoluções do DN do PSOL fazem soar sinal de alerta

É preciso combinar unidade na luta e alternativa ao lulismo

Socialismo ou Barbárie – tendência interna do PSOL

Nesta nota queremos fazer alguns apontamentos sobre a Resolução de Conjuntura do Diretório Nacional (DN) do PSOL de 25 de maio de 2019. Essa resolução, que traz a visão majoritária do DN, pelo teor nos causa muita preocupação pois a nosso ver enquadra a atual situação nacional e as tarefas do movimento e do partido frente a ela de forma extremamente parcial, economicista e desprovida de uma estratégica de diferenciação com o lulismo.   

Após dois dias de discussão foram tiradas duas Resoluções, uma sobre conjuntura¹ e outra sobre eleições municipais 2020². A reunião do DN foi realizada sob o impacto político causado pelas manifestações em defesa da educação do dia 15 de maio. Essa manifestação, junto com a manifestação do dia 30 de maio, coloca uma correlação de forças em mudança – mais favorável para os explorados e oprimidos e, a depender da organização da Greve Geral do dia 14 de junho, pode fazer com que o governo e a direita percam a hegemonia das ruas conquistada durante o processo de impeachment de Dilma – fundamental para as eleição de Bolsonaro -, de forma que possamos reverter a correlação de forças desfavorável com a eleição de Bolsonaro.

Nessa nota vamos tratar da primeira Resolução, que tem como ponto forte a convocação para a luta contra os ataques do governo apostando na mobilização de rua, apontar a crise política que passa Bolsonaro nos primeiros seis meses de governo: queda brusca na popularidade, escândalos de corrupção envolvendo o núcleo duro do governo e os conflitos na articulação com o conglomerado de partidos burgueses que se articulam como um bloco conhecido como “centrão”. Mas, infelizmente não há na leitura das correntes do partido que aprovaram essa Resolução uma clara orientação no sentido de derrotar Bolsonaro, apresentar uma saída política dos trabalhadores e dos oprimidos e construir uma alternativa ao lulismo.

No lugar, temos uma aposta vaga na mobilização sem nenhuma qualificação de como construí-las de forma ativa pelo movimento de massas, uma estratégia oportunista da frente única que perde o limite de classes e aponta abertamente para a construção de frentes para lá de amplas, abrangendo todo o arco de partidos da chamada “centro-esquerda”, e uma concepção política economicista que é acompanhada de um programa gradualista para a luta contra os ataques do governo que ignora os gritos de “Fora Bolsonaro” da massa estudantil que reverberam com força em todas as manifestações em defesa da educação.

Conjuntura exige redobrar mobilização nas ruas

Responder de forma concreta aos desafios, de maneira a atender às necessidades lançadas pelo 15M e continuadas no 30M, não parece estar no horizonte das Resoluções do DN. Na Resolução lemos que com as manifestações do 15 M melhorou o patamar de resistência diante da ofensiva do governo e do grande capital contra os direitos e foi emblemática para dimensionar a crise, pois expressou uma divisão nas elites dominantes (com especial destaque para os grandes grupos de mídia corporativa que apoiavam as manifestações), dividiu as classes médias e começou a deslocar setores para além da influência tradicional da esquerda na direção à oposição a Bolsonaro.”

Já vínhamos em um processo de baixa da popularidade do governo identificado em pesquisas de opinião pública, nessas pesquisas Bolsonaro aparece com a menor popularidade após três meses de governo. Mas, certamente, depois das manifestações de repúdio durante o Carnaval, as manifestações iniciadas no 15M demonstram um repúdio de massas ao governo para além da esquerda organizada em partidos, colocando de forma mais política a oportunidade de mudança na correlação de forças e a possibilidade concreta de derrotar o governo e suas contrarreformas.  

É claro que os sistemáticos ataques do governo ao Congresso, as polêmicas entre suas frações, a perda de popularidade e o isolamento trazem dificuldades para a aprovação da contrarreforma da Previdência, mas não podemos desconsiderar que o Congresso já ligou a máquina “reformista”, que só pode ser contida por ações extraparlamentares de massas. Assim, não devemos cair numa visão mecânica na qual o isolamento conjuntural do governo o levará gradualmente e inevitavelmente à derrota, isso seria cair no “facilismo político” e a ignorar que a divisão da classe dominante sobre Bolsonaro não se manifesta em relação à contrarreforma da Previdência, privatizações, cortes e toda política de “austeridade” do governo. Fatores esses que colocam o fato de que para derrotar Bolsonaro precisamos redobrar a nossa capacidade de mobilização e de enfrentamento com o governo e a classe dominante.

Outra forma de “facilismo” presente na Resolução do DN está na formulação de que o isolamento político de Bolsonaro, portanto, pode significar um crescente processo de isolamento também em relação aos setores do mercado que apoiaram sua eleição contra Fernando Haddad no segundo turno das eleições presidenciais. Com um governo com dificuldades em viabilizar as reforma ultraliberais que esses setores reclamam, cresce a pressão por uma espécie de “semi-parlamentarismo”, onde o presidente da Câmara, autêntico representante das elites econômicas, buscaria promover a aprovação de medidas como a reforma da previdência apesar dos constantes obstáculos criados pela fragilidade política do Palácio do Planalto.”

Afirmamos em análises anteriores que Bolsonaro quer a todo custo impor alguma forma de bonapartismo, que mais tende, se vitorioso for em sua estratégia, a um semi-bonapartismo, ao menos em um primeiro momento. Ou seja, um regime político baseado na imposição de Decretos Presidenciais, na submissão dos demais poderes e, principalmente, na repressão à organização e luta dos trabalhadores, principal conquista democrática dentro do atual regime político.

Não temos motivos para acreditar que Bolsonaro irá se mover no sentido de abrir mão de governar sem continuar sua tentativa de submeter os demais poderes, mesmo cedendo ao legislativo em alguns momentos. Para a atual conjuntura, apesar da crise econômica que volta a percorrer o noticiário, da queda de popularidade, do crescimento das mobilizações de massas contra os ataques do governo e do seu isolamento, a hipótese de “semi-parlamentarismo” da Resolução é inconsistente, pois essa saída política dependeria de uma derrota categórica do governo e da falta de capacidade em mostrar o mínimo de apoio popular. As demonstrações dadas pelos poderes do Estado de que estão articulados para a aprovação da contrarreforma da Previdência e outros ataques são um sinal claro para atender aos interesses dos de cima e acalmar os ânimos do mercado e o jogo político depende fundamentalmente disso.

Junto a isso tudo, mesmo com as manifestações do dia 26/5 não tendo demonstrado peso para estabelecer uma correlação de forças mais favorável para o governo com o Congresso, com o Judiciário e com as ruas, há uma base de apoio fiel que pode endurecer as suas ações nas ruas, ameaças a militantes e ativistas e se manter organizada na defesa incondicional ao governo. Dessa forma, mesmo com a queda crescente na popularidade, é possível e provável que Bolsonaro endureça na queda de braço com o Congresso Nacional.

O que está claro nesse momento é que, enquanto não derrotarmos esse governo nas ruas e suas reformas, esse é ponto chave de qualquer mudança significativa na correlação de forças, Bolsonaro irá se movimentar no sentido de atacar nossos direitos, impor uma correlação de forças estruturalmente desfavorável aos trabalhadores e oprimidos e formas cada vez mais autoritárias de governar. 

Explorados e oprimidos precisam de um programa anticapitalista

Outro tema que perpassa a nota é com qual programa enfrentar a crise econômica, o desemprego, o arrocho salarial e a piora generalizada das condições de vida, provocadas pelas políticas neoliberais de Bolsonaro, Temer e Dilma. Para o DN só será possível começar a resolver os problemas econômicos do país com uma profunda reforma tributária que taxe as grandes fortunas e os lucros exorbitantes das grandes empresas e bancos, com a redução de juros e auditoria da dívida pública, com um programa de geração de empregos, ampliação do investimento público, cobrança das dívidas bilionárias das grandes empresas com a previdência social e o combate aos privilégios.”

Obviamente que precisamos taxar as grandes fortunas e os lucros das grandes empresas e bancos, mas esse é um programa totalmente insuficiente, como tão bem demonstra toda experiência política em que partidos de “esquerda” estiveram/estão frente ao poder. Se não nos apoiarmos na mobilização direta para fazer avançar políticas como a redução da jornada de trabalho sem redução de salário, o não pagamento da dívida pública, reforma urbana e agrária sem indenização, a estatização e reestatização sob controle dos trabalhadores, e outras políticas que enfrentam a propriedade dos grandes capitalistas, não podemos resolver problema algum da classe trabalhadora, como tão bem demonstrado nos governos lulistas. Não adianta formular um programa que seja palatável para setores da “centro-esquerda”, mas que não pode de fato resolver as grandes questões nacionais. Ou seja, precisamos sim avançar para formas populares de apresentação do programa socialista, mas sem perder a radicalidade de seu conteúdo, como faz a Resolução do DN.

É hora de construír o “Fora Bolsonaro”

Em relação à necessidade de construir uma saída política para a atual conjuntura, a resolução do DN não supera o limite do economicismo, o que é um sério problema porque a classe dominante começa a embaralhar saídas politicas que podem passar pelo “semi-presidencialismo”, por um “semi-bonapartismo”, pela “normalização” do governo ou por qualquer outra saída que interesse a classe dominante. Ou seja, toda forma de economicismo político acaba por fragilizar a classe trabalhadora e os oprimidos ao deixá-los sem bandeiras que unifiquem a luta. 

Para iniciar essa questão, vamos tomar uma citação que não está diretamente na Resolução do DN mas que reflete bem o seu espírito economicista. Estamos falando das declarações de Juliano Medeiros, presidente do PSOL, sobre a possibilidade de abertura de um processo de impeachment. Para o presidente do PSOL “não é hora de tomarmos nenhuma iniciativa nesse sentido” (pedido de impeachment).³ Essa fala foi feita em contexto do “Fórum dos Partidos de Oposição” que vem reunindo dirigentes do PSB, PDT, PCdoB, PT e PSOL. Esses cinco partidos reunidos decidiram discutir a possibilidade de impeachment devido à grande pressão feita pelas bases, mas na leitura dos dirigentes não há motivo formal para tanto.

Já na Resolução do DN lemos que “nossa atuação combativa e intransigente em defesa das maiorias tem demonstrado que não há espaço para alimentar esperanças com os partidos da direita e centro-direita que atuam para arrancar concessões do governo e alimentar sua dinâmica fisiológica(…)Não aceitaremos saídas golpistas ou palacianas, de costas para o povo, que sejam arquitetadas nos bastidores do poder político e econômico. Ao povo brasileiro não interesse nem uma repactuação entre elites e governo para viabilizar a retirada de direitos, nem uma ruptura que abrevie o governo Bolsonaro para transferir o poder às velhas forças políticas de sempre e o aprofundamento do Estado autoritário.”

Aqui temos vários problemas. Primeiro, cabe a singela pergunta se podemos alimentar a esperança em partidos de “centro-esquerda”, como PT e outros, como alternativa para os trabalhadores e para os oprimidos apesar de toda experiência recente? A linha da maioria da direção – organizativa, programática e de táticas políticas – vai infelizmente no sentido de se posicionar afirmativamente à questão. Por outro lado, a Resolução também acompanha a linha política defendida pela direção do PT que é a de se colocar contra “Fora Bolsonaro”4, chegando a colocar para a militância a idéia absurda de que agitar a palavra de ordem “Fora Bolsonaro” significaria ser favorável ao vice-presidente, o General Mourão.

A classe dominante invariavelmente trabalha com alternativas globais, ou seja, de poder – a proposta de “semi-presidencialismo” diante das rusgas entre Executivo e Congresso vai nesse sentido. O que confere à sua atuação uma alternativa política, de unificação, como foi o caso do processo que desembocou no impeachment de Dilma. Assim, construir uma alternativa programática e política para a classe trabalhadora é basicamente o sentido de ser de todo partido socialista.

Nesse momento de crise, divisão burguesa e crescimento da luta de massas está claro que precisamos sair com uma alternativa política para fortalecer nossa luta, e essa alternativa passa pelo “Fora Bolsonaro” que está sendo, desde o 15M, agitado pelas massas juvenis. É fundamental unificar o movimento para impor uma derrota ao governo e todas as forças reacionárias, por isso é preciso apresentar uma palavra de ordem política que passa pela construção do Fora Bolsonaro e Mourão.

Dessa forma podemos ter uma alternativa ao governo, à contrarreforma da Previdência, aos cortes na educação e a uma série de medidas apresentadas diariamente por esse governo que só tem a nos oferecer a barbárie. A luta de classes está posta de maneira mais crua e brutal hoje. Enquanto partido não podemos, evidentemente, parar por aí, precisamos dar ao “Fora Bolsonaro e Mourão” uma alternativa que passa por “Eleições Gerais Democráticas”. A depender da dinâmica da luta, precisamos avançar também para outras propostas políticas, tais como: assembleia constituinte organizada desde baixo, por exemplo.

Unidade e diferenciação não se desconectam

Por fim, seria importante discutir com a maioria do DN a linha apresentada na Resolução sobre a questão de como atuar em unidade de ação e frente única.  A Resolução apresenta uma formulação que tem sido motivo de várias discussões no interior do partido e que peca por uma terrível unilateralidade, pois afirma que “seguiremos trabalhando – na ação das frentes sociais, no parlamento, no movimento sindical e estudantil, na articulação do fórum de presidentes de partidos de oposição – em defesa da unidade. Essa unidade, obviamente, não anula importantes diferenças que temos com os demais partidos e forças sociais de oposição. Mas consideramos que nesse momento devemos trabalhar para unir forças com todos e todas que defendem os direitos e a democracia.”

A prioridade número um, evidentemente, é derrotar as contrarreformas, daí a importância das táticas de unidade de ação e de frente única construídas para unificar os trabalhadores e todos os lutadores contra os ataques do governo, pois só assim temos chances reais de derrotá-lo. Mas, a Resolução cria uma absurda dicotomia entre unidade para lutar contra as contrarreformas e todo o reacionarismo de Bolsonaro e a necessidade constante de apresentar a diferenciação com o lulismo e o conjunto da burocracia. Na verdade, essa formulação retira de forma mecânica e oportunista da tática de frente única o seu aspecto crítico à burocracia com o argumento de que qualquer diferenciação é “sectarismo”. Nada mais absurdo. 

Superar o lulismo, mesmo em condições históricas adversas, é uma das razões de ser do PSOL quando nasceu da ruptura à esquerda com o PT diante da contrarreforma da Previdência imposta pelo governo Lula em 2003. Abandonar essa perspectiva significa a morte política do nosso partido e atrasar por décadas a construção de uma alternativa para a classe trabalhadora e para a juventude. Em termos mais imediatos, o centro da tática hoje é construir a unidade de ação e frentes para lutar, mas isso não significa não se diferenciar da burocracia. Ao contrário do que coloca a linha do DN, precisamos fazer exigências sistemáticas à burocracia, ou seja, isso é uma necessidade tanto da luta imediata quanto da luta por construir uma alternativa estratégica ao lulismo.

A lógica tática que se impõe na atual conjuntura é a da exigência-denúncia-exigência, pois estamos em um momento de defensiva. Por isso, a prioridade é a sistemática unidade de ação com exigências – medidas concretas para fazer avançar a luta e a organização dos trabalhadores – aos dirigentes burocráticos dos grandes partidos e centrais sindicais. Mas, na linha política da maioria do DN nenhuma exigência necessária para que o movimento de massas avance sequer é colocada, o que leva à anulação política do PSOL frente ao movimento de massas e não contribui para o concreto avanço do movimento social. Consideramos que esses aspectos da Resolução são extremamente problemáticos do ponto de vista do programa e das táticas de luta, pois impede que o PSOL se apresente como alternativa estratégica ao lulismo e que contribua efetivamente com uma saída política pela esquerda, que já vem se apresentando no grito da juventude por “Fora Bolsonaro”.

Dentro da linha política esboçada pela Resolução do DN está presente uma orientação tática tão perigosa quanto as anteriores e que já está em pleno processo de construção pela direção do PSOL. Vamos tratar a tática eleitoral de forma mais detida em outra nota, mas não podemos deixar de apontar criticamente esse importante tema aqui. Com o argumento da necessária unidade de ação e frente para lutar contra Bolsonaro, o DN confunde unidade e frente para lutar com aliança para disputar as eleições com partidos que agora estão na oposição, mas que provaram sistematicamente que são inimigos estratégicos dos trabalhadores; no governo aplicam políticas neoliberais e atacam diretamente a organização e a luta dos trabalhadores, como é o caso do PT e outros. Construir alianças para apoiar ou governar com esses partidos é um erro total, pois nos coloca em outro campo, o do oportunismo, da traição e da desmoralização diante da nossa classe.

Dessa forma, queremos finalizar essa nota com um apelo para que toda base do partido, seus dirigentes, figuras públicas e correntes socialistas comprometidos com a construção do PSOL, enquanto partido socialista e independente dos patrões e da burocracia, deem total atenção para essa discussão e se organizem de forma a reverter essa linha que desarma para a polarização da luta de classes e preanuncia uma catástrofe político-construtiva que pode levar à destruição do nosso partido como tal.

¹http://psol50.org.br/ampliar-a-mobilizacao-para-derrotar-bolsonaro-psol-convoca-militancia-para-a-luta-contra-ataques-do-governo/   

²http://psol50.org.br/guilherme-boulos-vai-coordenar-grupo-de-trabalho-do-psol-para-debater-programa-para-as-cidades/

³https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2019/05/23/oposicao-avalia-que-nao-e-hora-para-pedir-impeachment-de-bolsonaro.htm

4https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/394294/Lula-%C3%A9-contra-o-Fora-Bolsonaro-neste-momento.htm

Veja também:

https://socialismooubarbarie.org/post/atos-pro-governo-nao-viraram-o-jogo