Maioria da direção do PSOL quer alianças eleitorais oportunistas e busca colar no lulopetismo

Foto: Kaue Scarim/PSOL

Reunido nos dias 26 e 27 de outubro, o Diretório Nacional do PSOL debateu e tirou resoluções para orientar politicamente o partido no próximo período. A resolução política autoriza desde já o diálogo com uma ampla gama de partidos da ordem, para formação de alianças eleitorais em 2020.

Por Gabriel Mendes

Giros políticos e constantes

Acompanhamos os debates e escrevemos sobre as Resoluções produzidas pelo Diretório Nacional do PSOL durante 2019. Temos feito um diálogo polêmico com companheiros de outras tendências do partido que apresentam avaliações das quais discordamos por entender que levarão o partido a tomar decisões burocráticas, sem o necessário debate interno pela base. Além, é claro, do rebaixamento programático para abaixo do reformismo que tem sido operado para avançar nas alianças com agremiações como PT, PCdoB e outras.  

Em maio o Diretório Nacional se reunia sob a perspectiva de um ascenso de lutas marcado pelas manifestações em defesa da educação do 15 de maio e pela queda da popularidade do governo expressa pelas pesquisas de opinião e por conflitos abertos entre frações governistas, como o caso do “Laranjal do PSL”, diante disso a resolução traçava um caminho quase mecânico que vislumbrava o isolamento político gradual de Bolsonaro, podendo dificultar a aprovação das reformas ultraliberais que o capital financeiro exige. Dessa vez, então, o DN caía no “facilismo político”, entendendo que Bolsonaro caminhava para um isolamento diante de outras frações de classe e deixando de apontar que coesão da classe dominante para aplicação das reformas ultraliberais era certa, a resolução do DN deve ter sido tirada a partir das impressões de “constrangimento” escutado pelos corredores do Congresso Nacional.

Em agosto se reuniu a Executiva Nacional que escreveu nota intitulada “Salvar o Brasil, antes que seja tarde!”, já sob outra perspectiva diante do avanço da “Reforma” da Previdência e descenso das mobilizações de rua, dessa vez a posição passou para o reconhecimento de que no parlamento a luta se dá sem perspectivas de avanço e que “prevalece a unidade da classe dominante em torno do programa de destruição dos direitos sociais e econômicos do povo trabalhador”. Dessa vez, apesar de acertar em linhas gerais, a visão que prevaleceu no PSOL não fez chamado sequer por manifestações, calendário de lutas ou denunciando os acordos entre os governos liderados por “progressistas” de PT, PDT, PSB e PCdoB pela aprovação da “reforma”.

Diante dos giros políticos constantes podemos traçar algumas características comuns em todas as Resoluções deste ano. A aposta vaga na mobilização se repete, sem nenhuma qualificação de como construir pelo movimento de massas e sem denúncia aos setores que desmobilizam em prol das negociações por cima.

Finalmente, há uma concepção política economicista que é acompanhada de um programa gradualista para a luta contra os ataques do governo que ignora os gritos de “Fora Bolsonaro” da massa estudantil que reverberam com força em todas as manifestações em defesa da educação.

Não à toa que o debate que mais polarizou essa última reunião do DN girou em torno da consigna “Fora Bolsonaro”, se essa deveria ou não ser defendida publicamente pelo conjunto do partido. Segundo o campo “Aliança”, a consigna “deve ser parte das conclusões que o movimento deve chegar com nosso apoio”, argumentavam que defender essa consigna significa alguma espécie de “vanguardismo” ou imposição do partido às massas. Contraditoriamente, dois dias após a reunião e com novos fatos políticos colocados um dos principais dirigentes do campo majoritário subiu na tribuna da câmara e terminou o discurso dizendo “Fora Bolsonaro”, no mesmo dia, num ato em São Paulo debaixo de forte chuva, o ex-candidato a presidente pelo PSOL é levado a aderir aos gritos “Fora Bolsonaro” agitados pelos manifestantes.

Uma Resolução que não arma para enfrentar o governo

Destacamos desde as últimas resoluções, o campo majoritário organizado entorno da “Aliança” se mantém unida entorno da tese que diz, em resumo, que a conjuntura é defensiva e a classe trabalhadora encontra-se derrotada e/ou extasiada diante do avanço ultrarreacionário, diante disso devemos travar lutas econômicas pontuais diante de cada ataque apresentado pelo governo Bolsonaro e combater os ataques aos direitos sociais e às liberdades democráticas através da formação frentes “flexíveis”, a depender do tema.

A Resolução da Direção Nacional apresenta uma série de problemas de análise e orientação política, tanto em âmbito internacional quanto local. Diante de um processo de intensas rebeliões populares ao redor do mundo, com fortes ventos de luta vindos desde Chile, Equador e Bolívia, há apenas uma breve menção às “crises políticas no Equador, Chile e Peru”. A maioria da direção do partido em sua Resolução parte pela negativa, relativizando e, até mesmo, desconsiderando as rebeliões populares em curso em todo o mundo.

Do ponto de visa nacional comete faltas graves, por exemplo, deixando de apontar que apesar das crises por cima, como a disputa pelo controle da máquina eleitoral do PSL, as rusgas com a “ala militar” ligada ao vice General Mourão e a queda da popularidade do governo apontada pelas pesquisas, há a mais ampla unidade da classe dominante para avançar nas medidas ultraliberais de retirada de direitos e privatizações. 

Os grandes jornais, alinhados até o último fio de cabelo aos interesses do capital rentista, após condenar as declarações de Bolsonaro, encontram refúgio nas medidas de Paulo Guedes. Há aproximadamente um mês, o jornal Estado de São Paulo estampava em sua capa os dizeres: “Um passo à frente…”, se referia à aprovação da PEC 6/2019, da ‘“Reforma” da Previdência. Comemoram com os patrões a implementação de uma mudança constitucional que colocará milhões no regime de previdência privada que conduz à impossibilidade de aposentadoria ou a aposentadorias miseráveis, como podemos constatar com a experiência chilena, mas ainda não estão satisfeitos. 

Nesse sentido, o governo avança na esteira da “Reforma” da Previdência e quer impor uma verdadeira constituinte antidemocrática contra os serviços públicos, a classe trabalhadora e a capacidade de investimentos produtivos do estado brasileiro, já estão tramitando no Congresso três Propostas de Emenda Constitucional (PEC) intituladas “Plano Mais Brasil – A Transformação do Estado”.

Ao mesmo tempo que alguns dirigentes do PSOL pouco dizem sobre as rebeliões populares em curso por toda América Latina, também caminham na esteira das burocracias sindicais e partidárias que deixam as contrarreformas avançarem sem resistência, apostando única e exclusivamente em ações parlamentares e testemunhais – como demonstram as centrais sindicais diante da “reforma” da Previdência já aprovada e do pacotes de medidas que avança no Congresso através do “Plano Mais Brasil” e da Medida Provisória(MP) 905  – com quase completa ausência de ações de luta no final do ano, período em que os governos costumam colocar projetos impopulares em votação.

Mesmo quando defende tarefas fundamentais para a militância, a Resolução falha por não denunciar e não exigir as direções pelegas, que desmobilizam e apostam na disputa via Congresso e através de acordos nos estados e municípios onde governam. No texto temos: “entre nossas tarefas políticas imediatas, está a constituição de um amplo movimento político de rechaço e oposição nas ruas ao governo Bolsonaro(…)buscando aglutinar a energia militante também pelas bases, categorias, territórios, universidades para derrotar Bolsonaro e sua agenda liberal”.  Como colocar uma tarefa de tamanha importância sem denunciar suas traições e exigir ações dos setores que barram a mobilização pela base, ou mesmo propor iniciativas próprias?    

Uma política que destrói a independência de classes

A Resolução minimiza as Rebeliões Populares na América Latina e em outros países do mundo, mas dá destaque a processos eleitorais recentes em países como Israel, Hungria e Polônia, lugares onde líderes de extrema-direita sofreram reveses em eleições nacionais ou locais, perdendo espaço para “frentes amplas”, estratégia eleitoral que a maioria da direção do PSOL quer desenvolver no Brasil.

Esses países, que fazem brilhar os olhos de vários dirigentes do PSOL, trazem em comum o fato de que “Frentes Amplas” foram construídas para se opor aos candidatos da extrema-direita, contando com um amplo espectro de partidos políticos, desde ecologistas/verdes, liberais até rupturas da direita, como foi na Hungria. Nesse mesmo sentido, caminha a Resolução, afirmando que o PSOL trabalhará para construir um arco de alianças com os partidos “declaradamente de oposição de esquerda ao governo Bolsonaro”, vetando apenas alianças com partidos da base do governo e do “centrão”.

Uma estratégia oportunista da frente única que perde o limite de classes e aponta abertamente para a construção de frentes para lá de amplas, abrangendo todo o arco de partidos da chamada “centro-esquerda”, partidos da ordem que governam com e para a classe dominante, e que não cometem meros “erros” táticos quando manobram favoravelmente a “Reforma” da Previdência ou pela entrega da Base de Alcântara, partidos que quando estão no poder Executivo mantém a maior parte do orçamento para atender os negócios da classe dominante, sustentando o superávit primário como mantra econômico enquanto reprimem mobilizações, impulsionam um modelo ambiental extrativista-predatório e fecham espaços políticos de participação dos trabalhadores organizados. 

Com essa perspectiva, setores importantes do partido preparam o terreno para a formação de alianças eleitorais com PT, PCdoB, que já são partidos burgueses-operários, também partidos como PSB, PDT, Rede e outros, partidos da ordem, burgueses “democráticos/nacionais”, como arco de alianças “desejável” pela maioria da direção. Tática que ser for levada em frente irá comprometer seriamente a independência política do partido, pois iremos nos coligar com setores que há muito deixaram de defender de fato os interesses dos trabalhadores, conciliam e governam para a classe dominante, traem as lutas e reprimem o movimento quando estão no governo.

Ou seja, essa Resolução, além dos problemas de conteúdo, traz em seu bojo uma manobra política, pois não citar nominalmente, para evitar um embate direto com setores que se opõem a essa política, cria as condições para ir costurando com os partidos da ordem frentes eleitorais sem que sejam diretamente votadas pela base do partido, para assim ir criando “fatos consumados” que sejam difíceis de serem revertidos, a exemplo do que está sendo feito em cidades como Rio de Janeiro, Belém e outras.

Um destaque à Resolução aprovada que deve ser dado pela positiva é a decisão de lançar um grande número de candidaturas próprias pelo país, pelo menos mil como objetivo. Antes de apresentar qualquer proposta de frente com outros partidos é preciso levar o mais amplo combate para que essas candidaturas se apresentem com um claro programa anticapitalista e com políticas de alianças nos primeiros e segundo turnos totalmente independentes dos patrões e do lulismo.

Assim, toda a base do partido tem que se debruçar imediatamente sobre essa Resolução para discutir os rumos dados para intervir na luta de classes e nas movimentações que a direção do partido está fazendo nos municípios à revelia e muitas vezes contra a vontade política da base.

Resoluções políticas publicadas pelo Diretório Nacional do PSOL

Maio/19 Resolução de conjuntura: http://psol50.org.br/ampliar-a-mobilizacao-para-derrotar-bolsonaro-psol-convoca-militancia-para-a-luta-contra-ataques-do-governo/

Maio/19 Resolução sobre eleições: http://psol50.org.br/guilherme-boulos-vai-coordenar-grupo-de-trabalho-do-psol-para-debater-programa-para-as-cidades/

Resolução da Executiva Nacional publicada em agosto, eixos de ação para o segundo semestre: http://psol50.org.br/psol-define-eixos-de-acao-para-o-segundo-semestre/

Outubro/19 Resolução de conjuntura: http://psol50.org.br/derrotar-bolsonaro-e-o-programa-neoliberal/

Outubro/19 Resolução sobre eleições 2020: http://psol50.org.br/eleicoes-2020-psol-quer-representar-a-resistencia-e-o-projeto-de-uma-nova-esquerda/

Análises e polêmicas escritas por Socialismo ou Barbárie:

20 de Maio/19: “Oportunismo pode destruir o PSOL” https://esquerdaweb.com/oportunismo-pode-destruir-o-psol/

2 de Junho/19: “Resoluções do DN do PSOL fazem soar sinal de alerta” https://esquerdaweb.com/resolucoes-do-diretorio-nacional-do-psol-fazem-soar-sinal-de-alerta/

17 de Junho/2019: “Resolução do DN do PSOL sobre eleições 2020 abre caminho perigoso” https://esquerdaweb.com/resolucao-do-dn-do-psol-e-um-pontape-na-articulacao-para-eleicoes-municipais-em-2020/

Polêmica com os companheiros da Resistência, tendência do PSOL:

17 de Setembro/19: “O PSOL precisa de uma tática eleitoral independente do lulismo” https://esquerdaweb.com/o-psol-precisa-de-uma-tatica-eleitoral-independente-do-lulismo/

27 de Setembro/19: “O PSOL pode e deve se construir como alternativa histórica ao lulismo” https://esquerdaweb.com/o-psol-pode-e-deve-se-construir-como-alternativa-historica-ao-lulismo/