Oportunismo pode destruir o PSOL  

É preciso construir uma organização estrategicamente alternativa ao lulismo

POR ANTONIO SOLER

Começa a temporada de articulações para as eleições municipais de 2020, o que é abertamente indicado pela movimentação política dos partidos de vários espectros políticos. Como não poderia deixar de ser, nosso partido (PSOL) também precisa iniciar a discussão sobre sua estratégia político-eleitoral para o próximo ano. Nesse ponto, como em uma série de outras questões políticas e organizativas, esse tema é claramente estratégico e se mal encaminhado pode colocar em risco esse enorme patrimônio político que é o nosso partido. Por isso, a movimentação no sentido de construir uma frente político-eleitoral com uma gama enorme de posições abertamente liberais precisa ser imediatamente discutida no interior do partido pelo conjunto da nossa militância.

Com a justificativa de combater a “fragmentação” da oposição a Jair Bolsonaro, figuras proeminentes do PSOL, PT, PSB e PCdoB estão construindo uma aliança eleitoral denominada “Unidade Progressista”. O jornal Estado de São Paulo publicou reportagem no dia 20/04 que relata uma reunião entre figuras públicas desses partidos para articular essa frente. Segundo essa matéria, a reunião contou com a participação dos ex-candidatos a presidente em outubro de 2018 Fernando Haddad (PT), Guilherme Boulos e sua vice-presidente Sonia Guajajara (ambos pelo PSOL). Estavam acompanhados pelo governador do Maranhão Flavio Dino (PCdoB) e o ex-Governador da Paraíba Ricardo Coutinho (PSB).

Além de produzir artigos sobre conjuntura, a proposta dessa frente é realizar uma nova reunião em maio com a presença de Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Roberto Requião (MDB). O objetivo abertamente declarado pelos participantes, inclusive do PSOL, é construir a médio prazo uma frente política com “viabilidade” eleitoral e a longo uma nova agremiação partidária – a exemplo do que foi feito em outras partes do mundo, como Espanha, Portugal e Uruguai – composta por um arco político para lá de amplo.  

Segundo Haddad, “o que a gente quer é ter visibilidade pública de que existe um campo de forças a ser considerado” e “temos que trabalhar essa ideia de campo independentemente do desfecho. Temos que trabalhar o caminho”. Para Boulos, “um dos objetivos é fazer um gesto simbólico a favor da unidade dos progressistas”. Para Dino, o objetivo é criar um novo pacto social com setores esquerda, de centro e com o empresariado para defender o “estado democrático de direito” em 2022.

Como tudo indica, apesar dos partidos não terem participado oficialmente dessa reunião, a articulação conta com o aval de parte significativa dos dirigentes. Na mesma entrevista, o presidente do PSOL Juliano Medeiros disse que “tudo se insere no esforço para acabar com a divisão da oposição”[1]

Freixo quer chapa com PT no Rio

Esse tipo de movimentação evidentemente não é isolada e não ocorre apenas no âmbito nacional. Diante da crescente crise política em âmbito nacional e local – o Rio de Janeiro vive uma profunda crise política e a possibilidade de abertura de um processo de impeachment do prefeito Marcelo Crivella (PRB) -, forças “progressistas” se assanham no sentido de aproveitar a possibilidade e eleger o próximo prefeito do Rio de Janeiro.

É nesse cenário que se insere a movimentação do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) – teve 40% dos votos na eleição para prefeito do Rio de Janeiro em 2016 – no sentido de “unificar a esquerda” e criar uma frente para as próximas eleições no município do Rio de Janeiro com a participação do PCdoB, PT e PDT. Segundo Freixo, “isso é uma construção. Tenho conversado muito com o PCdoB e com o PT, que já disse que vai me apoiar abertamente. Queremos trazer também o PDT, me dou muito bem com os parlamentares do partido”.[2]

Como vemos, uma das principais lideranças do PSOL está em plena campanha para compor diretamente uma frente eleitoral com esses partidos na cidade do Rio de Janeiro, o que corrobora com a movimentação feita a nível nacional. Se vingar essa iniciativa local – no Rio de Janeiro a maioria da direção do PSOL é contra alianças com partidos da ordem como o PT, PSB, PCdoB e PDT -, a direção do PSOL e dos partidos que defendem essa aliança logicamente ganharão muito mais força em âmbito nacional.

O oportunismo leva invariavelmente ao desastre

Pensamos que essa movimentação da direção majoritária do nosso partido e de outros setores constitui um terrível equívoco de estratégia que pode levar a perda do capital político de esquerda acumulado por nosso partido e levar à sua destruição.

Uma coisa é diante de um segundo turno das eleições entre um candidato neofascista (Bolsonaro) – abertamente quer impor um regime de exceção – chamar o voto crítico em um candidato social-liberal (Haddad), criar frentes de luta defensivas com organizações que verdadeiramente representam trabalhadores para organizar a luta contra os ataques do governo e dos patrões ou mesmo unidade tática com setores burgueses para luta pontualmente contra a reforma da Previdência ou em defesa de direitos democráticos. Outra totalmente diferente é criar uma aliança político-eleitoral com setores que abandonaram ou nunca defenderam os interesses históricos dos trabalhadores, como é o caso dessa lista de partidos que estão sendo cogitados para compor com o PSOL as eleições municipais de 2020 e até as eleições presidenciais de 2022.

A estratégia política do PT, por mais que devamos considerar as políticas sociais desenvolvidas durante seus governos, foi decisiva para que chegássemos na situação atual. Não podemos fazer de conta, se queremos de fato construir uma alternativa ao PT, que não fazer reformas de fato, desmobilizar os setores de massas, aplicar o programa neoliberal e medidas autoritárias, desmobilizar os trabalhadores depois de uma poderosa greve geral, render-se diante da Lava Jato e não denunciar Bolsonaro no primeiro turno das eleições, não foram fundamentais para chegarmos nessa conjuntura reacionária, que começa a ser questionada pelo movimento estudantil, tão bem demonstrado no último 15 de maio, aberta com a eleição de outubro de 2018.

O PT há tempos deixou de ser um partido operário, passou de partido operário-burguês para burguês-operário, como indica seu programa e sua direção. Apesar de dirigir a maior parte dos movimentos de massa, o seu programa é social-liberal, predomina políticas voltadas para programas de compensação social, seu método é o de desmobilizar o movimento de massas para governar pactuando com setores da classe dominante e sua direção é burocrática e pequeno-burguesa. O que falar de partidos como PSB e PDT? Não passam de partidos burgueses que nunca tiveram sequer um programa de reformas como o do PT na década de 1980.

O PT passou 14 anos frente ao governo federal e não fez sequer uma reforma, pois para se fazer reformas de fato dentro da nossa formação político-social é preciso colocar em marcha uma revolução desde baixo. A dialética da necessidade de fazer revolução para se fazer reforma foi provada de forma dramática na história política recente, por que repetir essa estratégia?

Trilhar esse caminho de olho simplesmente nas possibilidades eleitorais que se abrem em algumas cidades no próxima ano ou na eleição presidencial de 2022, além da destruição política do nosso partido e a possibilidade de construção do PSOL como alternativa estratégica ao lulopetismo, significa uma manobra profundamente oportunista porque retira toda aposta de que a classe trabalhadora e os oprimidos possam avançar em seu processo de luta, de transformação da realidade e de formação de uma consciência socialista de massas.

É o abandono definitivo da luta estratégica para contribuir com o avanço da consciência socialista das massas e para ganhá-las para nossa organização. Com a polarização político-social que já está se desenhando e tende a se dar de forma intensa até o final do ano, a velha topeira da luta de classes está emergindo novamente, temos que combinar as táticas políticas de forma correta. Toda unidade na luta para derrotar Bolsonaro e seu governo, por um lado, e construção de uma alternativa anticapitalista e não-burocrática, por outro. Pensamos que esse é resumidamente o caminho que nosso partido deve tomar.

Somos o partido que pode unificar toda a esquerda socialista em torno dele e a partir daí disputar politicamente setores de massas, sindicatos e movimentos. Sem essa aposta iremos sucumbir como a alternava que a classe trabalhadora e os oprimidos desse país precisam. Nesse sentido, todas as tendências socialistas revolucionárias do PSOL devem se articular para criar um forte movimento interno para deter esse processo de rendição ao lulismo. Companheiros/as, a classe trabalhadora e os oprimidos precisam de um PSOL anticapitalista, que aposte na mobilização direta, na formação da consciência socialista e organizado pela base. Só assim podemos construir uma alternativa estratégica à burocracia lulista!