A dois dias das eleições argentinas

A dois dias das eleições argentinas

Reproduzimos aqui o editorial de Socialismo o Barbárie, periódico de Nuevo MAS da Argentina, publicado em 28/09, em que José Luis Rojo, apresentando os eixos de ação para a campanha eleitoral das eleições do dia 22/10, faz uma análise do giro reacionário do governo local a partir de uma análise mundial e mais particularmente dos países do Cone Sul (incluso o Brasil) e as necessárias tomadas de posição da esquerda argentina para este período, que entendemos tem bastante a nos dizer.

CARLOS VERA

 

Até onde chegará o giro conservador?

O que manda é a política

POR JOSÉ LUIS ROJO

“O presidente já tem pronto seu plano econômico para o dia depois das eleições. Internamente batizaram a etapa que se aproxima de “reformismo permanente” , por conta da bateria de medidas que buscarão aprovar e pela velocidade com que pretendem fazê-lo” (La Nación, 27/09/17).

Apesar da ameaça de “implosão” provocado pelo caso Maldonado após o primeiro aniversário de seu desaparecimento, o governo aparece agora controlando os acontecimentos sem que se haja aberto uma crise política. [NT1]

É verdade que a recente queda do juiz Otranto foi um golpe na estratégia de encobrimento; um golpe que seguramente dará lugar a acontecimentos de importância no futuro. No entanto, também é verdade que enquanto o novo juiz Lleral toma as rédeas do caso, o governo ganha tempo para normalizar a conjuntura, retomar sua agenda e lançar a campanha eleitoral.

No mesmo sentido vai a reconciliação encenada na recente reunião da CGT com Triaca [NT2]. Sequer se realizou ainda o famoso encontro de confederações onde se iria resolver uma pauta de lutas. Os “cantos de guerra” foram calados; a CGT abriu um novo compasso de espera até depois das eleições aonde se verá concretamente que acordo é possível com o oficialismo; um oficialismo que vem com uma agenda de “normalização” econômica que inclui medidas para multiplicar o ajuste como as contrarreformas em matéria trabalhista, previdenciária, tributária e demais.

Em todo caso, a batalha do momento é manter no alto as bandeiras pela aparição com vida de Santiago Maldonado. Esta não é somente uma demanda grave e urgente, mas também, o tema da agenda que, no plano imediato, pode causar uma reviravolta na conjuntura.

E isto é assim apesar do que vimos assinalando: que estes dias a conjuntura parece “normalizada”. Uma mobilização multitudinária no próximo domingo, 1º de outubro, poderia ser o sinal de alerta de que as coisas não são tão simples para o governo.

Um contexto adverso

Temos apontado nestas páginas que a situação política do país tem atravessado conjunturas diversas ao longo do último ano; como se a situação de conjunto buscasse um desenlace.  

Se março, abril e maio foram meses de crise para o governo, do surgimento de um amplo processo de mobilização, de expressão de uma vacância política que parecia expressar-se pela esquerda do fenômeno dinâmico dos protestos contra Macri, foi evidente em julho como isto deu uma reviravolta com a escalada de demissões e suspensões, assim como, posteriormente, com o triunfo eleitoral do governo nas PASO, expressando uma onda de fundo conservador que vem desde 2015 e que ainda não se esgotou.

O desparecimento forçado de Santiago Maldonado se inscreve na dinâmica desta nova conjuntura conservadora, reacionária e que deu lugar (em determinados momentos) à eventualidade de abertura de uma crise política, que até o momento o governo tem conseguido driblar – vale dizer, com o encobrimento de seu desaparecimento – avançando em conduzir o país para um ponto de equilíbrio político e social mais a direita.

Se de todo modo a Argentina resta como um país muito dinâmico e teremos que ver que forças sociais se colocarão em marcha quando o governo ensaia um ataque mais de fundo contra os trabalhadores – um ator decisivo que permanece ausente nesta batalha democrática por Santiago -, em todo caso, é fato que a atual tendência dos acontecimentos no país coincide com o que está ocorrendo internacionalmente.

A verdade é que, regional e mundialmente, desde 2015 os acontecimentos vem girando a direita. O ciclo de rebeliões populares e governos progressistas parece esgotado; ao mesmo tempo, com a chegada de Trump ao governo dos Estados Unidos terminou por decantar uma  conjuntura conservadora em nível internacional que ainda que possua como contraponto elementos de polarização em sentido contrário – veja-se agora a rebelião da Catalunia – o polo dominante é o reacionário.

Se vamos olhar o mundo não é irrelevante assinalar que a notícia internacional mais impactante dos últimos dias foi o breakthrought eleitoral alcançado na Alemanha pela extrema direita, entrando no parlamento com quase 100 deputados, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial.

Pontuemos, de todo modo, que esta extrema direita nada tem a ver com o nazismo; não deixa de ser um fenômeno eleitoral-parlamentar, que por fim, no momento mesmo de seu rotundo êxito eleitoral, acaba de dividir-se ao assinalar que seus novos deputados se expressaram em blocos parlamentares diferenciados.

No entanto, isso não quer dizer que se trate de um fenômeno menor, que não reflita problemas e perigos reais. O que expressa é, lamentavelmente, como se capitaliza pela direita e não pela esquerda o fato certo que a social democracia à frente do governo uma década e meia atrás e o governo de coalizão com Merckel nos últimos três mandatos, de tão idênticos ambos partidos majoritários, de tão social liberais, tem desprestigiado a esquerda como alternativa.

Merckel e a social democracia vem há duas décadas aplicando contrarreformas trabalhistas que tem precarizado terrivelmente o trabalho e não somente da juventude: também de trabalhadores em idade de se aposentar e dos já aposentados.

Alemanha é o reino dos “minijobs”: se trata de trabalhos precários que não tem horário algum e aonde o empregador pode chamar o trabalhador a qualquer hora do dia para que se apresente para cumprir a sua função. Claro, não há adicional noturno e nem de final de semana; não existem horas extras e nada do estilo: é o suprassumo do trabalho flexível e explorado que abarca uma porcentagem enorme da classe trabalhadora alemã (país que muitas vezes se nos apresenta como um “conto de fadas”).

A isto se deve somar a prédica antiimigrante; a utilização por parte da extrema direita destas motivações e ressentimentos, as que são alimentadas pelos reiterados atentados que em solo europeu cometem organizações islâmicas reacionárias como ISIS.

E não se trata somente da Alemanha. Esta em curso uma verdadeira onda mundial de contrarreformas trabalhistas: é o caso de Macron na França, de Temer no Brasil; pretendendo ser o caso de Macri em nosso país.

Um contexto internacional adverso que está marcado por outro elemento de enorme importância: a desorientação política que exibem amplas porções da classe operária; porções que expressam um enorme mal estar com os ajustes, com a deterioração das condições sociais e de vida, que em vez de se expressar hoje pela esquerda, muitas vezes tendem a fazê-lo pela direita.

O contraponto desta realidade, o fator dinêmico é o surgimento de novas gerações de luta pelo direito de decidir na Catalunia, por exemplo, e em muitos outros lugares, assim como o soerguimento mundial de um pujante movimento de mulheres que é hoje em dia uma das sensibilidades mais progressivas que se apreciam nos movimentos de luta.

Os trabalhadores devem entrar em cena

O centro da peleja contra o governo está posto hoje no caso Maldonado; é evidente que não será igual se se impõe o encobrimento a se se consegue fazê-lo voar pelos ares.

No entanto, ainda se se dá o pior dos cenários, seria um erro tirar dele definições demasiado conclusivas.

O que acontece é que a dita peleja se sustenta em meio de uma grande “surdina” da classe trabalhadora, que lhe custa ver a peleja como sua. A isto contribui a tradicional “despolitização” dos trabalhadores – sobretudo quando não se trata de questões diretamente reivindicativas – como assim também, e de maneira decisiva, o estrito comportamento corporativo que impõe as direções sindicais tradicionais, que longe de mobilizar aos trabalhadores, tem arrefecido as lutas atuando como factótum da governabilidade.

Que esta batalha se sustente na ausência dos trabalhadores é muito ruim; mas também é um erro pensar que em nenhum momento entrarão os trabalhadores na disputa. Que acontecerá se as contrarreformas que virão depois das eleições os impactarem em cheio?

Claro que haveria sido muito melhor que houvessem se apresentado na luta pela aparição de Santiago. Mas antes de tirar conclusões apressadas, seria melhor não perder de vista que Macri poderá ter que se haver com a classe trabalhadora se lança um ataque demasiado direto.

Tudo isto não nega que a conjuntura está adversa; que inclusive a luta democrática que pode unificar mais amplamente forças diversas, deva remontar dois meses de operação encobrimento, dois meses de criminalização do povo Mapuche, dois meses aonde Bullrich e Otranto se dedicaram sistematicamente a destruir as provas do acionamento da Gendarmeria.

Tão pouco é menor o fator estabilizador que vem cumprindo a CGT, assim como também a estratégia puramente eleitoral-institucional do kirchnerismo cuja razões de classe, estruturais, explicávamos em nossa edição anterior.

Mas em qualquer caso seria um erro adiantar conclusões enquanto a batalha por Santiago está aberta, enquanto as eleições de 22/10 ainda não tenham contado os seus votos.

È que existem importantes questões que ainda não foram desveladas. Por exemplo: conseguirá o governo um acordo parlamentar explícito para fazer avançar suas contrarreformas? Poderá passar um acordo com a CGT que diminua a conflitividade social de maneira duradoura? Conseguirá fazer valer mais medidas reacionárias que sejam o indicador de como o pêndulo das relações de força se tem deslocado o mais a direita que tenhamos podido observar desde 2001?

Em 01/10 todos à Praça de Maio pela aparição com vidas de Santiago! [NT 3]

Em todo caso, como definimos em uma recente reunião partidária, não é o momento de se fazer grandes “elucubrações”: as questões das análises, da transição que estão em curso neste ano de conjunturas cambiantes, se devem resolver na política; e na política que marca que há que se redobrar os esforços na campanha por Santiago Maldonado.

Daí, também, que seria um erro que a esquerda entre em campanha eleitoral como se tal coisa não existisse. Expliquemo-nos: a campanha se está abrindo como um fato objetivo e seria infantil noa apartarmos dela. Nossas próprias campanhas eleitorais em Córdoba, Neuquén, Rio Negro e demais províncias aonde rompemos a cláusula de barreira com Isquierda al Frente estão começando nestes momentos; inclusive estamos participando de importantes debates de candidatos como o que acontecerá proximamente em La Pampa.

No entanto, e como disse nossa companheira Manuela Castañera em sua recente participação em Intratables, tão pouco se trata de entrar em campanha insensivelmente, , de naturalizar que esta campanha se desenvolverá enquanto Santiago permanece desaparecido; que existe um imenso elemento antidemocrático e reacionário que perturba as coisas, que é o de Santiago não aparecer; daí que não haja programa televisivo nem ação de campanha eleitoral em que possamos tornar óbvio como esquerda a luta pela aparição de Maldonado.

Com os eixos na aparição de Maldonado, da denuncia do curso reacionário do governo, com o alerta para as contrarreformas anti-operárias e anti-populares que vem logo após às eleições, na incondicional defesa das bases secundaristas e de sua luta contra as contrarreformas educativas; é com estes eixos que o Nuevo MAS na Izquierda al Frente retomam a sua campanha eleitoral no interior do país para outubro.

Mas, sobretudo e para além das eleições e em todo o país, a militância de nosso partido segue jogada inteiramente na luta pela aparição com vida de Santiago, no impulso à marcha da Praça de Maio no próximo domingo 1º, uma bandeira que será central também para a nossa delegação de Las Rojas que está no apronto final para o Novo Encontro Nacional de Mulheres que se realizará em Chaco em quinze dias.

 

Tradução de José Roberto Silva

 

[NT1]   Santiago Maldonado é um jovem de 28 anos detido pela polícia argentina em 1º de agosto p.p., durante repressão a manifestações da comunidade Mapuche, em Chubut, província meridional do país, e desde então desaparecido.

[NT2]   Jorge Triaca é o Ministro do Trabalho argentino; CGT: Confederação Geral dos Trabalhadores.

[NT 3] No dia 01/10 em CABA, houve manifestação de milhares por Santiago, que se repetiu em outras cidades argentinas