Triunfo da rebelião em Hong Kong

Foto: Agência Brasil

Carrie Lam, fantoche de Xi Jinping em Hong Kong, foi forçada a retirar permanentemente o projeto de extradição. Um enorme triunfo da rebelião de Hong Kong contra o regime chinês, a ditadura capitalista do país mais populoso do mundo.


Carrie lam e xi jinping retrocedem

Federico Dertaube desde Esquerda Web Notícia da Argentina

Manifestantes que se contavam aos milhões, a primeira greve geral em muitas décadas, a tomada massiva do parlamento e do aeroporto, o enfrentamento da repressão, e a resistência à ameaça de intervenção militar: todos foram episódios de uma rebelião que tem como resultado uma primeira grande vitória.

A lei derrotada permitia ao governo da China continental obter a extradição de qualquer morador da cidade com apenas um acionar. Significava uma ameaça aberta às liberdades democráticas remanescentes na cidade de Hon Kong. Claramente, a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam teve que retroceder … e com ela retrocedeu Pequim.

A ninguém deve escapar esse dado: os jovens rebeldes de Hong Kong fizeram recuar o governo capitalista burocrático da China. É a primeira grande derrota na luta de classes da burocracia do PC chinês desde que empreendeu a restauração capitalista.

Manifestantes enfrentam a polícia nas ruas de Hong Kong. Foto: ANTHONY WALLACE/AFP

Não está clara qual será a evolução dos eventos, mas ainda há uma bandeira da rebelião que está pendente: a queda do governo de Carrie Lam. A perseverança combatente da juventude de Hong Kong não nos permite acreditar que desistirão desse objetivo. Sua persistência indomável por meses acabou de fazer retroceder um dos governos mais poderosos e monolíticos do mundo, aquele que parecia inamovível. As coisas estão longe de haver terminado.

O conflito trouxe à tona um problema, o lugar de Hong Kong na China e seu papel nas aspirações crescentes da classe dominante do gigante asiático em se tornar a primeira potência do mundo. A rebelião pode se tornar um antes e depois, não apenas para a China, mas também por seu lugar no mundo. Essas mobilizações são, portanto, de importância internacional.

Manifestação de milhões de chineses Foto AGÊNCIA FRANCE PRESS

Hong Kong foi uma colônia britânica entre 1841 e 1997 (com uma breve ocupação japonesa na década de 40), ano em que o resto da China foi integrado ao sistema de “um país, dois sistemas”. Seu desenvolvimento tem sido extremamente contraditório. Enquanto a maioria do país viveu a revolução que levou o PCCH (Partido Comunista da China) ao poder em 1949, Hong Kong foi um enclave do imperialismo inglês sujeito à mais dura opressão colonial.

Seus habitantes chegaram, inclusive, a ficarem sujeitos a um regime de segregação racial entre chineses e ingleses. No entanto, à medida que a transição de 1997 se aproximava, alcançaram liberdades democráticas muito mais amplas do que as da China continental, como liberdade de expressão, imprensa etc. A população da cidade nunca teve o direito de eleger seu governo, nem sobre o domínio britânico nem após a sua integração à “República Popular”.

Enquanto isso, o regime do Partido Comunista (que nunca foi operário nem socialista) voltou-se para a restauração capitalista, mantendo um sistema político burocrático sem o menor indício de liberdade. Sob custódia policial, os capitalistas do mundo fizeram da China a grande oficina da economia mundial, sujeitando centenas de milhões de trabalhadores às condições mais difíceis de exploração para o enriquecimento das empresas multinacionais que operam na China e da classe capitalista ligada ao
PCCH.

Assim, o paradoxo é que Hong Kong e suas liberdades políticas se tornaram um incômodo para o desenvolvimento da classe capitalista chinesa graças a nunca ter deixado de ser capitalista.

Manifestantes com gaze sobre um dos olhos, em referência aos colegas feridos nos olhos pela polícia — Foto: Reuters/Thomas Peter

Desde do ano de 1997, Pequim tenta avançar sobre as liberdades remanescentes de Hong Kong. Sendo desde então a região hoje, uma “região administrativa especial” na qual a última palavra é do governo do PCCH, mas goza de uma autonomia relativa amplamente maior em relação ao resto do país. Mas essa realidade contraditória também se deve ao enorme papel que Hong Kong desempenhou na restauração capitalista. Se durante décadas foi o enclave comercial que ligou a China não capitalista ao resto do mundo, desde as reformas de restauração, foi um centro de interação comercial e financeira em que grande parte da gestão comercial do país mais populoso do mundo.

Em geral, a economia de Hong Kong é frequentemente descrita como de “serviços”, especialmente “financeiros”, com seus bancos e a bolsa de valores na qual estão listadas as maiores empresas que operam na China. Os “serviços financeiros” não criam riqueza por si mesmos: são um ponto de concentração e direção da riqueza produzida na indústria, no comércio etc. Os ideólogos liberais tem apresentado Hong Kong como o maior exemplo de experimentação bem-sucedida da “liberdade econômica”. A realidade é que o “sucesso” de Hong Kong não poderia existir sem o complemento da exploração brutal da classe trabalhadora chinesa sob uma dura ditadura capitalista burocrática.

Foto: REUTERS / Thomas Peter

Essas são as bases reais da relativa autonomia da cidade rebelde e de suas liberdades políticas: uma tradição política relativamente independente em relação ao resto do país por seu longo vínculo colonial com o Reino Unido, por um lado; e seu lugar econômico especial, o paraíso para investidores internacionais e a nova classe capitalista chinesa, por outro. É também por isso que a rebelião em andamento é uma questão delicada para o governo de Xi Jinping e sua porta-voz local Carrie Lam, um enclave financeiro e comercial de grande importância para o relacionamento da China com o resto do mundo está em jogo e para as ambições de potência mundial de seu governo.

Como já dissemos, o estopim foi a “lei de extradição” que o governo supostamente “autônomo” de Carrie Lam queria impor. O que a todos ficou claro é que o projeto de lei e a persistência governamental são uma tentativa do governo de Pequim de avançar sobre a autonomia e as liberdades políticas de Hong Kong.

Porém o PCCH e seus cúmplices locais não estão dispostos a desistir de seus esforços para subjugar a população. O controle sobre a cidade sede de uma das maiores bolsas de valores do país (junto com a de Xangai) é de importância geopolítica para Xi Jinping e até para os Estados Unidos. A longo prazo, a rebelião de Hong Kong pode se tornar um dos episódios históricos que marcam um antes e um depois na disputa hegemônica chinesa-ianque.

Paradoxos históricos e econômicos também costumam ser culturais. Assim, um movimento de ideologias contraditórias (variando de um “nativismo” ultra-reacionário a movimentos democráticos de nuances socialistas) tomou para si uma canção do musical Les Miserables, “Você ouve o povo Cantar?” essa música esta banida no país pelo PCCH, mas não pode garantir a censura em Hong Kong. O paradoxo? A música ilustra a revolta parisiense de 1832, um dos episódios de luta da capital francesa que popularizou o uso das bandeiras vermelhas, um dos antecedentes das rebeliões dos trabalhadores que dariam origem ao socialismo moderno:

Você ouve o povo cantar?

É o canto de homens furiosos

É a música de um povo

que não será escravo de novo!

Quando a batida de seu coração

Faça eco ao bater dos tambores

Há uma vida prestes a começar

Quando chegar o amanhã!

“Do you hear the people sing?”

It’s become the theme song of the #HongKongProtests #香港 #反送中 pic.twitter.com/6Taj2HPpnQ

— Virginia Lau (@virginiaylau) July 26, 2019

Do you hear the people sing?

Singing a song of angry men?

It is the music of a people

Who will not be slaves again!

When the beating of your heart

Echoes the beating of the drums

There is a life about to start

When tomorrow comes!

A burocracia do “Partido Comunista” tenta suprimir uma forma cultural das tradições socialistas para defender o capitalismo no país mais populoso do mundo.

Apesar da violência exercida pela polícia, e ameaça velada de que o governo de Pequim iria usar veementemente o próprio exército para reprimir as mobilizações e das mais de 400 prisões, a rebelião de Hong Kong conquistou um triunfo em sua luta, como não se via na China há muito tempo. Uma enorme lacuna acaba de se abrir para a reorganização da juventude e dos milhões de trabalhadores que aderiram à sua rebelião.

O triunfo deixa colocado a queda de Carrie Lam, mas também abre uma interrogativa muito maior, que perto do problema do atual governo da cidade é de pouca importância. Mas aos rebeldes questão agora é como seguir – depois de ter derrotado o governo de Pequim – seu vínculo com os trabalhadores e as massas populares da China continental é o problema de primeira ordem a longo prazo. É esse é um primeiro passo histórico para o relançamento de organizações próprias das massas oprimidas do gigante asiático? Uma nova tradição política de luta pode estar nascendo.

Notas do tradutor

O Sistema Representativo da China depois do Conselho Legislativo Provisório, mas também abre uma interrogante muito maior. o Conselho Legislativo voltado a funcionar, após as eleições legislativas, quando voltou a existência do sufrágio indireto, baseado majoritariamente em eleitorados funcionais com poucos eleitores e/ou com eleitores que eram pessoas colectivas. Em 2010, esse Conselho passou a ser composto por mais membros, 35 eleitos por voto dirito e 35 eleitos por sufrágio indireto sendo que 5 deles são eleitos por um eleitorado funcional especial. Esta circunscrição chama-se “District Council (Second)“, que se pode traduzir como “Conselhos de Distrito. Porém a Lei Básica de Hong Kong afirma constitucionalmente que o objetivo final das eleição é eleger todos os membros do Conselho através do sufrágio universal direto (Artigo 68º da Lei Básica).