Assim como exige Bolsonaro, Piñera endurece medidas de controle social sem quarentena preventiva

Bolsonaro, um negacionista qual Trump, exige o fim das quarentenas e volta às aulas, enquanto violenta os direitos dos trabalhadores e transfere somas bilionárias á bancos e companhias aéreas, ao mesmo tempo em que com medidas de exceção (que, com certeza, tentará transformar em definitivas, impondo grave derrota para a classe trabalhadora) busca transferir toda a carga da crise sanitária para as costas dos explorados e oprimidos, como solução para a crise financeira. Assim também age o seu similar protofascista Piñera.[1]

O governo chileno se recusa a tomar a menor medida de proteção contra a pandemia e só responde de uma maneira à crise, com repressão.

Nicolás Mestre

 “No caso do Chile, e pouco antes de o coronavírus bater à porta, o problema que ocupava a todos era a questão política, a mudança constitucional, os novos fundamentos da convivência. Em tudo isso, havia confiança na própria vontade, a convicção de que a vontade, coletiva nesse caso, poderia modelar a vida em comum à vontade. Não é muito difícil traçar a analogia com a maneira como um indivíduo saudável experimenta a vida: tudo nele normalmente é confiança em suas próprias forças, desejo exuberante de projetar sua vida, impor sua vontade, até que a doença ocorre e, com ela, a experiência dos limites.

Parte disso aconteceu repentinamente no Chile.

Todo o projeto político e social formulado como consequência de 18 de outubro, da mudança constitucional às melhorias sociais, foi subitamente alterado. ”

Carlos Peña, Morte Biográfica, El Mercurio 22/03/2020

A pandemia do Coronavírus está em andamento no país. Atualmente, existem 632 casos confirmados, 11 com ventilação mecânica, dois deles em estado crítico após a primeira morte, uma mulher de 82 anos do município de Renca (Região Metropolitana).

O Chile lidera o número de infecções no nível sul-americano após o Brasil (com 1.178 e 18 mortes) e seguido pelo Equador com 532 casos, mas ainda mais do Peru (318), Argentina (225), Colômbia (210) e Uruguai (135).

O governo de Sebastián Piñera já anunciou um toque de recolher nacional até as 05:00 da segunda-feira. Por sua vez, anunciou uma série de medidas repressivas: multas de até 1.000 unidades fiscais mensais (cerca de 50 milhões de pesos), proibição de operação de espaços sociais (restaurantes, shopping centers, pubs, etc.), mas focada no estabelecimento de controles ou cordões sanitários (Puerto Williams, Chillán, bairro alto da região leste de Santiago) e aduanas sanitárias (travessias marítimas e aéreas do Estreito de Magalhães e na ilha de Chiloé).

No entanto, ele se recusa a implementar uma das medidas mais importantes para impedir a propagação do Covid-19, a quarentena preventiva nacional. Hoje, 1.500 cientistas nacionais de 15 sociedades científicas assinaram uma carta pedindo ao presidente Sebastián Piñera, ao ministro da Saúde Jaime Mañalich e ao ministro da Ciência, Tecnologia, Conhecimento e Inovação Andrés Couve, essa medida. Os cientistas do país apontam:

As evidências científicas em todo o mundo são claras, o isolamento total das cidades e do país, juntamente com o distanciamento social nas cidades, é a melhor maneira de evitar infecções e mortes. É a maneira de não ter que enfrentar cenários como os vividos pela Itália e pela Espanha por sua inação preventiva. Países vizinhos, como Argentina ou como no caso do Estado da Califórnia nos Estados Unidos (40 milhões de pessoas), com menos casos que o Chile, já adotaram medidas drásticas de quarentena para proteger a população. Ainda que, é claro, esta decisão tenha um grande impacto na economia, afetando vidas humanas. ” (Más de 1.500 científicos piden a Piñera cuarentena nacional preventiva para frenar expansión del Covid-19)

Para implementar essa medida, o executivo deveria estabelecer um plano abrangente de emergência em saúde, começando com um aumento significativo no orçamento de saúde pública, já deficiente, que há décadas apresenta déficit estrutural grave. Dessa forma, o déficit existente de suprimentos médicos de diferentes ordens poderia ser corrigido, com aumentos salariais para os profissionais de saúde que hoje estão na “linha de frente” para enfrentar a doença, colocando em risco suas próprias vidas. Deveria ser prioritário ordenar a proibição de todas as atividades econômicas e / ou comerciais que não sejam estritamente necessárias para enfrentar esse problema de saúde, proibindo demissões, mantendo os trabalhadores com licença médica remunerados por 15 dias para se dedicarem aos cuidados de grupos familiares e tarefas domésticas, restringindo o uso do teletrabalho ao que é realmente essencial e garantindo medidas de higiene e segurança para os setores produtivos que devem continuar a fornecer as necessidades básicas.

Na ausência de uma política de saúde abrangente para lidar com o problema da disseminação do vírus, o governo optou por uma estratégia dupla: medidas de ordem de controle social e político, como o estado de emergência constitucional de catástrofe, dando controle territorial às forças armadas, adiando o plebiscito constitucional de abril (uma conquista que é um subproduto da rebelião popular) e agora o toque de recolher. Também impõe o antigo critério do individualismo neoliberal de “salva-te a ti mesmo como podes”, com um apelo à consciência individual para ficar em casa, deixando ao critério dos capitalistas as medidas a serem implementadas em cada local de trabalho, o que já implicou um corte salarial de 50% para os trabalhadores da companhia aérea Latam. Em outras palavras, eles querem que o custo econômico da crise da saúde para o Covid-19 seja pago pela classe trabalhadora.

Tradução: José Roberto Silva


[1] Socialismo ou Barbárie, tendência do PSOL