Contrariando teóricos do neoliberalismo, que decretaram o fim da história, a época de guerras, crises e revoluções identificada por Lênin com o eclodir da Primeira Guerra Mundial, recoloca-se incorporando novos problemas estruturais – a crise migratória, a crise ambiental, crise econômica, crise hegemônica e crise geopolítica – que causam tensões crescentes e abrem uma nova etapa da luta de classes. Apesar do pêndulo político estar conjunturalmente à direita, como viemos elaborando desde 2023, temos um bipolarização com novos movimentos sindicais, por direitos democráticos das mulheres, negros e jovens, contra a extrema direita e contra o genocídio perpetrado em Gaza. Essas lutas tendem a ser cada vez mais radicalizadas, o que somado às fissuras no campo burguês, colocam a possibilidade de ressurgimento de processos revolucionários como reação aos terríveis ataques – a Argentina, país  vizinho  e cheio de simetrias e fios condutores, pode passar por um processo de radicalização com desdobramentos imprevisíveis. Assim, apresentamos abaixo o informe político elaborado por Victor Artavia a partir das ricas discussões realizadas  na XIX Conferência da Corrente Internacional Socialismo ou Barbárie e no Acampamento Anticapitalista de Juventude “Ya Basta”, que receberam delegações da Argentina, França, Costa Rica e Brasil, além de uma estadunidense do Service Employees International Union (SEIU).

Redação

Informe da Conferência Internacional  Socialismo ou Barbárie

Uma luta de classes mais radicalizada, um desafio redobrado à esquerda revolucionária

De 17 a 20 de fevereiro, foi realizada a XIX Conferência Internacional do Socialismo ou Barbárie (SoB), com delegações da França, Argentina, Brasil e Costa Rica.

Por Victor Artavia

Foram quatro dias de discussão sobre a nova e complexa situação internacional, bem como para o balanço dos avanços construtivos e os desafios políticos colocados à nossa corrente nos respectivos países onde intervém.

Por outro lado, este encontro foi precedido pelo IV Acampamento Anticapitalista de ¡Ya Basta!, no qual participaram mais de trezentos ativistas e convidados. Essa atividade surgiu como uma iniciativa local da juventude do Nuevo MAS argentino em 2020, mas que, ao longo dos anos, foi se transformando em um evento internacionalista da militância juvenil do SoB (o único do gênero entre as correntes trotskistas latinoamericanas). Além disso, este ano contou com convidados especiais que enriqueceram a discussão internacional. Por exemplo, uma delegação do Novo Partido Anticapitalista (NPA) da França (do qual nossos companheiros do SoB naquele país são membros) esteve presente, bem como do Service Employees International Union (SEIU) dos Estados Unidos, um importante sindicato com o qual mantemos relações fraternas no âmbito da organização do Congresso Internacional de Trabalhadores por Plataforma.

Em suma, fevereiro foi um mês cheio de atividades internacionalistas para a nossa corrente. Este relatório/declaração é uma síntese das principais discussões desenvolvidas na conferência internacional e nas mesas do acampamento anticapitalista.

1. Abriu-se uma nova etapa da luta de classes

Um primeiro elemento a ser observado é a confirmação de que estamos entrando em uma nova etapa da luta de classes internacional, marcada pela reabertura das características epocais de crises, guerras e revoluções. Essa foi a formulação feita por Lênin em meio ao colapso político, econômico e social que significou a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), dentro da qual ele pôde identificar as características extremas do mundo que emergiram como resultado daquela crise global (daquele “colapso” do mundo como tinha sido até então), uma previsão que, depois de alguns anos, foi confirmada pelo triunfo da Revolução Russa em 1917 e pela onda de revoluções que se seguiu àquele evento histórico.

Mas, após o colapso da URSS e dos outros Estados burocráticos da Europa Oriental (1989-1991), parecia que essa era de crises e revoluções estava terminando. De fato, muitos ideólogos burgueses declararam o “fim da história” (Fukuyama), ou seja, que a humanidade havia chegado a um “ponto final” em seu desenvolvimento sociocultural com o triunfo definitivo do liberalismo econômico, do qual a democracia burguesa era a forma política por excelência (Françoise Furet, em “El pasado de una ilusión: ensayo sobre la idea comunista en el siglo, XX foi um dos muitos divulgadores desse fim da história do ponto de vista liberal).

Em outras palavras, a luta de classes se dava por encerrada e, com ela, qualquer perspectiva de superação do capitalismo era descrita como utópica. A partir de então, prevaleceu o consenso em torno da globalização neoliberal, bem como a aceitação da supremacia dos Estados Unidos como superpotência imperialista.

Essas foram as principais marcas do período aberto com a queda do Muro de Berlim, em 1989, que duraria até as primeiras décadas do século 21. Era uma época de ofensiva ideológica e econômica do capitalismo, durante a qual havia uma tendência à atenuação formal das contradições políticas internacionais.

No entanto, a euforia no “livre mercado” e na democracia liberal logo se mostrou uma quimera impressionista. Livre do medo imediato da revolução, o capitalismo se livrou das regulações que continham parcialmente sua voracidade, tornando-se assim muito mais brutal e voraz para as grandes massas de explorados e oprimidos, ao mesmo tempo em que aprofundou a níveis insuspeitos a destruição da natureza (uma lógica verdadeiramente distópica).

Esses são alguns dos fundamentos materiais que deram lugar à nova etapa da luta de classes internacional. Desenvolvemos essa caracterização na XVIII Conferência SoB realizada em fevereiro de 2023, embora consideremos que ela ganhou mais objetividade ao longo do último ano. Como explicamos na época (ver “Guia de Estudio sobre la situacion mundial: ha comenzado una nueva etapa”), houve uma modificação dramática dos fatores objetivos da realidade mundial, particularmente por causa da acentuação de todas as contradições latentes do capitalismo no século 21.

Seja como for, o capitalismo atualmente tem inúmeras “linhas de falha”. Seja nas relações econômicas, políticas, ecológicas, militares, migratórias ou interestatais, a chamada “ordem mundial” só acumula crises e polarização e nenhuma perspectiva de solução (ao menos a partir dos interesses dos setores explorados e oprimidos). Isso, infalivelmente, gera uma situação de instabilidade constante, que é potencializada pela interação entre as diversas crises, já que cada uma retroalimenta a outra (daí muitos analistas falarem de uma crise multidimensional ou “policrise” do capitalismo).

Essa apreciação não é exclusividade da nossa corrente. Na mesma linha, o secretário-geral da ONU, António Guterres, expressou-se durante a última Conferência de Segurança de Munique, na qual apontou que a “ordem global atual simplesmente não funciona para todos (…) Na verdade, eu iria além e diria: não está funcionando para ninguém. Hoje vemos países fazendo o que querem, sem prestar contas. As crises se multiplicam, ligadas à competição e à impunidade.” Até mesmo a burocracia das Nações Unidas está preocupada com o curso da situação internacional, pois está perdendo seus atributos de agente mediador em um mundo cada vez mais caótico e instável!

O precedente não deve ser interpretado em uma chave determinista ou catastrófica; O capitalismo não vai colapsar inercialmente, porque para isso a irrupção revolucionária das massas exploradas e oprimidas é essencial. Mas é um elemento estrutural de extrema importância, pois abre espaços para questioná-lo a partir de uma perspectiva anticapitalista (embora o “questionamento” do establishment pela extrema direita também esteja crescendo, como desenvolvemos mais adiante).

A ideia central que nos interessa transmitir é a seguinte: a tendência atual é a quebra dos pontos de equilíbrio que regularam a ordem mundial nas últimas décadas. É um momento que, retomando a análise de Gramsci das situações de crise, se caracteriza por “o velho morre e o novo não pode nascer“, o que configura um interregno onde “se verificam os mais variados fenômenos mórbidos“.

Como resultado, métodos sangrentos de resolução de conflitos, seja no nível interno ou a escala geopolítica, estão se tornando cada vez mais comuns. Parafraseando Mandel, está cada vez mais fácil passar da “brutalidade das palavras” para a “brutalidade dos atos”. A barbárie e a reação são fenômenos cada vez mais visíveis, como evidenciado pela impunidade com que os sionistas cometem genocídio contra o povo palestino na Faixa de Gaza, ou pelo ataque global promovido por Milei para instalar um regime bonapartista na Argentina (sem sucesso até agora).

No entanto, é preciso ampliar nossa perspectiva e, como fez Lênin em plena Primeira Guerra Mundial, aprender a identificar os pontos de apoio à ação revolucionária em um cenário adverso. Embora ataques brutais e reacionários predominem por enquanto, não podemos perder de vista que situações de ruptura e crise como a atual são também o momento em que ocorrem mudanças de qualidade, ou seja, onde podem surgir o novo (as novas revoluções sociais do século 21).

Certamente, o sinal político do que está por vir – se progressista ou regressivo – será definido na luta de classes. Mas a brutalidade e a barbárie não ficarão permanentemente sem resposta. As sociedades são “corpos vivos”, compostos em sua maioria por pessoas exploradas e oprimidas que, em determinado momento do caminho, resistirão aos ataques e exigirão melhores condições de vida (algo que já está acontecendo, como veremos mais adiante). De fato, o genocídio perpetrado pelo exército sionista contra a população de Gaza é um exemplo disso, pois, além da heroica resistência do povo palestino, também leva ao estabelecimento de um movimento internacional de massas contra a ocupação colonial e a barbárie sionista.

Em suma, caminhamos para outro período da luta de classes que, além de mais dura e sangrenta, também coloca novos problemas para as correntes da esquerda revolucionária (tanto políticas quanto programáticas). A brutalidade da nova etapa, com suas tendências aos extremos, pode gerar o retorno das revoluções no século 21, cenário para o qual cabe a nós fortalecer nossa militância e, se necessário, enfrentar o desafio histórico[1].

2. Raio-X da nova etapa

Como apontamos na seção anterior, na nova etapa se acumula uma série de crises estruturais muito profundas, que interagem e se reforçam. Abaixo, veremos alguns dos pontos de interrupção mais significativos.

a. Crise geopolítica e disputa pela hegemonia mundial

Um traço distintivo da nova etapa é o retorno da disputa interimperialista, muito diferente do consenso que prevaleceu nas décadas anteriores, durante as quais a hegemonia dos Estados Unidos não estava em questão. Mas, no início do século 21, o imperialismo estadunidense mostrou sua deterioração como uma grande “hegemonia” planetária.

Por um lado, a estratégia para o “Novo Século Americano” promovida pelos “falcões” republicanos durante o governo Bush (2001-2009) fracassou. A derrota no Iraque levantou questões sobre a capacidade dos “americanos” de continuar a ser a “polícia” do mundo. Essas dúvidas aumentaram ainda mais com a saída apressada das tropas americanas do Afeganistão em 2021, deixando o caminho livre para o Talibã retomar o poder.

Somado a esse erro de cálculo estratégico e militar, a perda de hegemonia dos Estados Unidos tem uma base material: passou de representar 50% do PIB mundial no segundo pós-guerra para 25% hoje (dados de 2023). Esse enfraquecimento econômico teve origem no deslocamento da produção industrial para outras partes do planeta, que ofereciam melhores condições para a exploração do trabalho e dos recursos naturais sem as regulamentações “odiosas” das democracias ocidentais. Um paradoxo da história, já que os estadunidenses foram os que mais promoveram a globalização econômica a partir dos anos 1990 (não foi à toa que se falou do “Consenso de Washington” naquela época).

Embora esse movimento tenha aumentado os lucros das corporações imperialistas, no final teve efeitos negativos sobre a hegemonia estadunidense, pois minou seu poder industrial e fortaleceu outro ator de grande relevância na atualidade. Estamos nos referindo à China, cujo território foi visualizado como a nova “fábrica do mundo” e, desde então, foi transformado em um polo do capitalismo mundial.

O establishment imperialista em Washington não viu problemas com a instalação das grandes corporações mundiais em território chinês; ainda mais absurdo, esperavam que o desenvolvimento de uma economia de livre comércio atraísse mecanicamente o gigante asiático para o mundo liberal ocidental, ao qual se submeteria mansamente, aceitando regras e relações de poder previamente estabelecidas.

Claramente, o tiro saiu pela culatra contra esses “aprendizes de feiticeiros” neoliberais, já que a burocracia chinesa desenvolveu uma estratégia para transformar o país em uma potência mundial, optando por um modelo profundamente autoritário de capitalismo de Estado.

Por essa razão, definimos a China como um imperialismo em construção (ver “China: un imperialismo en construcion). Atualmente, é a segunda maior economia do mundo e responde por 20% do PIB global (dados de 2022), ficando atrás dos Estados Unidos (25%) e à frente da zona do euro (16,8%). No entanto, seu peso econômico vai além desse número: na última década e meia, foi o principal motor da economia internacional, contribuindo com 35% do crescimento econômico mundial, enquanto o imperialismo estadunidense contribuiu com apenas 27%.

Assim, um fenômeno inédito ocorreu nas últimas décadas, a saber, um mundo descentrado se configurou com dois polos do capitalismo, cuja rivalidade hegemônica passou a interferir no normal funcionamento da economia mundial. Enquanto no período anterior prevalecia o consenso neoliberal e a lógica econômica “pura”, na nova etapa os cálculos estratégicos e os interesses geopolíticos nacionais, em particular os dos Estados Unidos, são cada vez mais importantes (vide “Um “nuevo consenso de Washington” no (tan) neoliberal?”).

Junto a isso, a perspectiva é de aprofundamento da divisão geopolítica devido à disputa por zonas de influência entre as duas superpotências. Por essa razão, há uma mudança de grandes pactos globais para acordos bilaterais ou regionais, o que é compreensível, dado que não há consenso interimperialista sobre como governar o mundo, como foi o caso no período anterior.

Em suma, abriu-se uma disputa pela hegemonia mundial entre Estados Unidos e China, que determinará grande parte dos desdobramentos políticos nas próximas décadas. Com o agravante de que esse confronto interimperialista está ocorrendo em um mundo não pautado, ou seja, na ausência de regras como as que, na época, mediaram a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a URSS (os Pactos de Yalta e Potsdam).

Ao mesmo tempo, outras potências imperialistas ou regionais estão se tornando mais agressivas em sua política externa. O recuo hegemônico dos Estados Unidos e sua rivalidade estratégica com a China abre espaço para que eles façam valer seus interesses. Como exemplos temos o caso da Rússia que, de mãos dadas com Putin, está desenvolvendo um projeto para sua reconstrução como imperialismo territorial, como demonstrado com a invasão da Ucrânia e a anexação de parte de seu território[2]. Podemos citar também o caso do Irã, potência regional que possui vários “representantes” político-militares no Oriente Médio, como o Hezbollah no Líbano, os houthis no Iêmen e as milícias xiitas no Iraque e na Síria (Índia, Turquia etc., se enquadram nessa categoria de potências regionais em ascensão).

Assim, um dos fenômenos mais chocantes da nova etapa é o retorno de guerras clássicas, incluindo uma na Europa central, como a guerra na Ucrânia, além do sangrento conflito na Palestina.

Além disso, o perigo de Taiwan desencadear outro conflito imprime uma marca à nova etapa, que, nesta fase dos acontecimentos, expressa o início de uma nova corrida armamentista. Trata-se de outra novidade, pois implica uma tendência à militarização de certas relações internacionais, algo que estava ausente na etapa anterior. Igualmente, isso explica o retorno da linguagem da “guerra”; uma linguagem militarizada que reflete as características da etapa e que se tornou incomum.

Isso não significa que estejamos à beira de uma terceira guerra mundial, como parecem proporde forma impressionista algumas correntes (ou setores dentro delas)[3]. Por enquanto, parece que a disputa entre as duas superpotências vai se processar por meio de guerras por procuração (o limite que o caso ucraniano tem até agora, sem perder de vista seu duplo caráter, onde do lado ucraniano há uma guerra legítima por sua autodeterminação para além da direção de Zelensky), militarização generalizada e ameaças militares, bem como guerras comerciais, assinatura de acordos com potências regionais e luta por zonas de influência para garantir o acesso a mercados, fontes de energia e matérias-primas.

Mas é inegável que o planeta se tornou um lugar mais conflituoso do ponto de vista militar. De acordo com dados fornecidos pela Academia de Direito Internacional Humanitário e Direitos Humanos de Genebra, há um total de 114 conflitos armados em todo o mundo, dos quais pelo menos oito são contabilizados como guerras (definidos como aqueles conflitos em que houve pelo menos mil mortos em batalhas em um ano).

Esses números confirmam o que dissemos no início deste texto: estamos entrando em uma fase mais sangrenta. Além da tragédia humana que representam, as guerras e os conflitos militares assumem novos desafios políticos (e, de uma forma ou de outra, contêm uma ligação invisível com a revolução).

Por um lado, têm um lado negativo na medida em que encobrem as massas exploradas e oprimidas, dão a impressão de que a política só passa por disputas entre “Estados” ou entre aparelhos militares. Assim, há uma pressão ou tendência ao campismo dentro de várias correntes de esquerda, principalmente entre os reformistas ou stalinistas, mas também perceptível em alguns trotskistas[4].

Assim, sob essa lógica campista, todo adversário da Otan e dos Estados Unidos é automaticamente visto como um aliado, ou, pelo menos, como um ator com traços progressistas, mesmo quando se trata de China, Rússia ou Irã; países com regimes autoritários e reacionários, que não representam uma alternativa de emancipação social para os setores explorados e oprimidos.

Por outro lado, a reabertura de uma etapa com crises e guerras também pode dar lugar ao retorno da revolução no século 21, embora ainda haja fragilidade da alternativa socialista como horizonte na subjetividade das massas, produto do ônus herdado pela derrota representada pela contrarrevolução stalinista.

b. Ruptura do equilíbrio ecológico

A crise ecológica é um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta no século 21. É o resultado de um acúmulo de eventos destrutivos sobre a natureza a longo prazo, mas que, em determinado momento, sofreu uma mudança de quantidade em qualidade. Hoje estamos bem no meio de um desses momentos, que se manifesta principalmente com o aquecimento global e seus efeitos nocivos sobre as condições de vida no planeta.

De acordo com o Copernicus Climate Change Service, 2023 foi o mais quente dos últimos 100 mil anos, já que a temperatura média ficou 1,4º Celsius acima da era pré-industrial (um décimo abaixo do limite estabelecido no “Acordo de Paris” de 2015!). Como resultado, houve muitos desastres climáticos durante o ano, resultando em enormes perdas humanas e econômicas. Por exemplo, estima-se que 74.000 pessoas morreram em desastres naturais e, de acordo com a companhia de seguros Munich Re, as perdas econômicas totalizaram US$ 250 bilhões, um número que superou a média da última década. No caso da seca severa que atingiu apenas o Uruguai e a Argentina, as perdas foram de 11,3 bilhões de dólares.

A principal causa da crise climática é o colapso metabólico social. Esta categoria foi originalmente cunhada por Marx e, nos últimos anos, tem sido retomada por vários dos principais ecologistas marxistas (Foster, Angus, Saito etc.). Consiste no seguinte: o sistema capitalista de produção, baseado na geração de riqueza privada por meio da exploração do trabalho e da depredação dos recursos naturais, cria um desequilíbrio na interação metabólica entre os seres humanos e a natureza, que se torna mais agudo com o passar dos anos e o desenvolvimento de indústrias mais extrativistas e poluentes. Em outras palavras, os capitalistas exploram os recursos naturais caoticamente para criar mais valores de troca, mas o fazem a uma taxa que supera os ciclos regenerativos da natureza.

A reprodução e a intensificação dessa espiral destrutiva desencadearam a atual crise climática. O capitalismo estendeu seus tentáculos para todo o planeta e globalizou esse regime econômico ecologicamente insustentável, dando lugar ao que muitos cientistas e ecologistas chamam de Antropoceno, ou seja, uma época geológica caracterizada por atividades humanas impactando e alterando a totalidade do Sistema Terrestre.

Embora existam muitos debates sobre sua data de origem, há consenso de que seus efeitos foram potencializados pela “Grande Aceleração”, que começou em 1945 e continua até os dias atuais. Nesse intervalo de tempo equivalente a três gerações, as indústrias capitalistas injetaram mais CO2 na atmosfera do que em toda a história humana.

Por outro lado, embora os efeitos da crise climática tenham um impacto global, também é verdade que nem todos os setores sociais ou países têm a mesma responsabilidade pelo aquecimento global. 80% das emissões de CO2 acumuladas entre 1751 e o presente são de responsabilidade dos países ricos, enquanto os atuais oitocentos milhões mais pobres do planeta mal contribuíram com 1%[5]. A Oxfam também estima que os 10% mais ricos do planeta são responsáveis por 50% das emissões de CO2 associadas ao consumo, o que é sessenta vezes mais do que as emissões produzidas pelos 10% mais pobres.

É por isso que falamos de injustiça climática, em referência ao fato de que os principais emissores de gases de efeito estufa são os setores mais ricos da burguesia e os países imperialistas, mas quem mais recentemente tem suas consequências são os trabalhadores e setores explorados de todo o mundo, embora particularmente nos países semicoloniais.

Não há dúvidas sobre a responsabilidade do capitalismo pela crise ecológica global, bem como sua incapacidade de fornecer uma solução ecologicamente sustentável, como demonstrado pelo fracasso do Acordo de Paris e toda a agenda do “Green New Deal”. A conclusão contundente é: não há saída reformista para a crise ecológica no quadro de uma economia baseada no lucro individual. Por isso, a crise climática renova a famosa frase de socialismo ou barbárie… Ecológico.

c. Politização da economia

Outro aspecto importante da nova etapa é a politização da economia. Com isso queremos dizer o seguinte: a lógica econômica pura dá lugar a cálculos estratégicos nacionais e interesses geopolíticos, cujo resultado é uma maior intromissão do governo na atividade econômica.

Isso é consequência da deterioração do consenso neoliberal e do declínio hegemônico dos Estados Unidos como superpotência mundial. Diante do questionamento de sua posição de liderança imperialista, a burguesia estadunidense desenvolve traços defensivos ou protecionistas. Isso se refletiu no governo Trump com seu slogan “Make America Great Again” (MAGA) e seus constantes ataques à China, que definiu como inimiga. Mas não houve muita variação com a chegada de Biden à Casa Branca, já que seu governo continuou as sanções comerciais e identificou o gigante asiático como o principal adversário estratégico.

Nesse sentido, o imperialismo estadunidense repete o comportamento de outras potências de outrora. A Grã-Bretanha, por exemplo, era um livre comerciante em sua fase de ascensão imperial, mas tornou-se protecionista e nacionalista assim que começou a perder terreno para novos concorrentes. Isso, repetimos, tem um impacto direto no funcionamento da lógica econômica internacional.

Por outro lado, a China como imperialismo em construção e a Rússia como imperialismo em reconstituição, caracterizam-se por desenvolver um modelo de capitalismo de Estado; uma forma de organização estatal diferente da configuração democrático-burguesa – em degradação – característica dos governos imperialistas tradicionais.

Voltando ao caso dos Estados Unidos, vejamos o caso do “nearshoring”, segundo o qual a proximidade geográfica e a afinidade “político-cultural” são os critérios centrais para a localização do investimento estrangeiro. Pois bem, essa é a nova estratégia do governo estadunidense, embora, nas palavras da secretária do Tesouro, Janet Yellen, seja na verdade “friendshoring”, ou seja, privilegiar investimentos em países classificados como “amigáveis” pela potência imperialista. Por esta razão, muitas corporações dos EUA estão se instalando no norte do México ou no Vietnã.

Dessa forma, os Estados Unidos estão avançando lentamente na desvinculação econômica com a China, ao mesmo tempo em que estabelecem uma medida de proteção contra novos cortes na cadeia de suprimentos global, como aconteceu durante a pandemia. Tendo em vista a crescente instabilidade global, o aprofundamento da guerra comercial com a China e o potencial de surgimento de mais conflitos geopolíticos (como está acontecendo agora no Mar Vermelho com os ataques dos houthis), a proximidade – geográfica ou política – dos centros de abastecimento industrial, faz parte das políticas de segurança nacional do imperialismo norte-americano (como é o caso da Rota da Seda para a China) ou os postos avançados territoriais – que também têm um lado comercial – no caso da Rússia.

Diante do exposto, alguns analistas falam em um novo consenso se configurando, dentro do qual o livre comércio será limitado ou contido por uma estratégia de (re)industrialização e aplicação de maiores controles sobre o comércio e o capital. Desde a nossa corrente consideramos que, por enquanto, é prematuro dar por acabado com o consenso neoliberal. A infraestrutura neoliberal persiste em todo o mundo, como se vê na precarização universal das relações de trabalho e na priorização do investimento em países onde as condições de exploração são melhores. Mas, de fato, parece haver uma tendência a uma maior participação dos Estados na gestão econômica e no comércio internacional, fator que mediatiza a lógica neoliberal, mas não a questiona completamente

d. O surgimento das novas extremas direitas

Um dos acontecimentos mais marcantes do último período é o surgimento da nova extrema-direita. É um fenómeno internacional, embora se combine com elementos locais nos países onde têm peso político.

Sua ascensão é um subproduto da crise econômica, da fragmentação e deterioração das condições de visão dos explorados e oprimidos, bem como da ausência da alternativa operária e socialista na consciência da classe operária em geral (um legado maldito da contrarrevolução stalinista)[6].Isso configura um cenário em que a agitação social se mistura com uma despolitização da população; um terreno fértil para os discursos da extrema direita, que capitalizam o descontentamento questionando a ordem das coisas à direita e de forma reacionária, para aprofundar a divisão entre os que estão na base através do preconceito (contra os imigrantes, a população LGBTIQ+, as feministas e a militância de esquerda;  etc.).

Nos últimos anos, o fenômeno dos governos e formações de extrema direita se aprofundou, o que representa um perigo que deve ser calibrado em cada caso. Por outro lado, sua derrota depende, fundamentalmente, da luta extraparlamentar nas ruas, ou seja, da mobilização das massas populares e da esquerda revolucionária (embora envolva também uma visão tática não sectária das mediações que essas formações podem ter mesmo dentro da burguesia e das burocracias de cada país)[7]

Por outro lado, esses fenômenos não podem ser descritos como “fascistas” no sentido clássico do termo, uma vez que até agora são principalmente fenômenos eleitorais e de mídia social (ou seja, sem grandes forças extraparlamentares organizadas). Isso marca uma diferença qualitativa com os fascismos do século 20, que eram organizações contrarrevolucionárias que combinavam ações diretas nas ruas – como atacar as sedes de sindicatos e partidos de esquerda – com participação eleitoral (nem a ignorância do fenômeno nem o impressionismo diante dele são critérios para enfrentar esse tipo de governo ou formações políticas de forma revolucionária)[8].

Junto a isso, não se deve esquecer que há vários extremistas de direita, entre os quais compõem um arco político muito heterogêneo. Por exemplo, alguns são muito agressivos na retórica, mas não muito radicais nos atos e, quando conquistam posições de poder, conformam-se com a institucionalidade democrático-burguesa. É o caso da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, que, embora mantenha posições racistas, xenófobas e anti-imigração, todas as suas ações são realizadas dentro da institucionalidade do regime burguês; chegou mesmo a moderar as suas críticas à União Europeia[9].

Outros casos são diferentes, como é o caso do atual presidente da Argentina, Javier Milei. Embora tenha chegado à presidência após obter uma vitória confortável com 56% dos votos no pleito contra Massa, até agora não conseguiu mobilizar ninguém para defender seu governo. No entanto, ao contrário de seu homólogo italiano, está promovendo um agressivo plano global de ataque que, além de incluir um ajuste econômico brutal, também questiona os ganhos democráticos e aspira a estabelecer um regime bonapartista. Nesse sentido, é um perigo, mas com dificuldades em cristalizar politicamente seus ataques às liberdades democráticas, aos direitos de greve e mobilização e à institucionalidade democrático-burguesa em geral (atenção que, no entanto, permanentemente “mordisca” o regime e seu ataque às condições de vida tem a brutalidade de um regime anormal, bonapartista)[10].

Um terceiro caso é o de Bolsonaro no Brasil, cujo governo foi mais gradualista em termos de reformas políticas e econômicas, embora tivesse apoio mais orgânico entre as Forças Armadas e, mais importante, ampla capacidade de mobilização em todo o país, como demonstrou em diversas ocasiões ao reunir centenas de milhares de pessoas nas ruas das principais cidades. Apesar disso, não levou suas ameaças contra as instituições até o fim, em grande parte porque não contou com o apoio do imperialismo estadunidense nem o consenso da burguesia brasileira, dado o temor de que uma aventura golpista explodisse o movimento de massas do gigante sul-americano.

Os casos acima denotam que o surgimento da extrema direita não é algo episódico, mas faz parte da nova etapa. É uma (falsa) alternativa ao descontentamento de amplos setores das massas irritados com a deterioração de suas condições de vida sob o capitalismo, com a enorme contradição de que os partidos de ultradireita não têm solução real para isso, pelo contrário, defende o autoritarismo e aprofunda o capitalismo.

No entanto, o “sintagma” que fazem entre a precariedade da vida, a barbárie e a voracidade do capitalismo atual, o preconceito e o atraso, o medo das classes médias baixas de perderem suas “posições” devido à crise capitalista, entre outros fatores, fazem deste um fenômeno profundo e complexo para se continuar estudando.

Finalmente, a luta contra a extrema direita coloca novos desafios às correntes revolucionárias. Como já salientamos, a sua força não deve ser sobrestimada, mas também não deve ser subestimado o perigo que representa. Cada caso deve ser caracterizado de maneira específica  e longe do esquematismo ou do impressionismo, pois isso pode levar a uma escorregada política (como capitular ao campismo das “frentes amplas” burguesas)[11]. Além disso, impõe uma abordagem minuciosa das demandas democráticas, uma vez que seus ataques não se limitam à esfera econômica, mas também visam as liberdades democráticas mínimas que defendemos com métodos revolucionários (liberdade de associação, direito de expressão e manifestação, etc.).

e. A crise migratória

De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), das Nações Unidas, existem atualmente 281 milhões de migrantes internacionais, o equivalente a 3,6% da população mundial. O aumento é significativo em relação a décadas atrás. Por exemplo, em 1990, o número de migrantes internacionais era de 128 milhões, enquanto em 1970 era um terço do número atual.

No entanto, é necessário se aprofundar um pouco mais para entender a verdadeira tragédia humana por trás desses dados. Comecemos por salientar que a maioria dos migrantes fogem dos seus países sob pressão da fome, das guerras ou, mais recentemente, dos efeitos colaterais da crise climática.

Por isso, as rotas migratórias também são “valas comuns”, onde se amontoam os corpos de milhares de migrantes que morreram na tentativa de uma vida melhor. De acordo com a ONU, mais de 8.500 pessoas morreram em sua jornada migratória em 2023, tornando-se o ano mais mortal já registrado. Mais da metade das mortes foi devido a afogamento (a rota mais mortal foi o Mar Mediterrâneo, onde 3.129 mortes ou desaparecimentos foram relatados), seguido por 9% das mortes em acidentes de trânsito e outros 7% por atos violentos. Mas o número de mortos está muito abaixo dos números reais, já que muitos dos corpos estão perdidos nas profundezas dos mares e selvas por onde os migrantes transitam.

Além disso, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) estimou em 114 milhões o número de pessoas que migraram em 2023 devido a perseguições, violações dos direitos humanos ou para se proteger de conflitos armados (número que aumentará este ano com o desastre humanitário em Gaza). Em contraste, as organizações de direitos humanos conseguiram ajudar apenas 16,7 milhões de refugiados.

Antes de terminar, queremos nos referir à migração climática, fenômeno que cresce ano após ano. Somente no período 2008-2015, uma média de 21,5 milhões de pessoas deixaram suas casas a cada ano devido às mudanças climáticas, como escassez de água, diminuição da produtividade dos campos, temperaturas excessivas, perda de terra devido ao aumento do nível do mar. Para piorar, o Banco Mundial publicou projeções não muito animadoras, onde o número de migrantes climáticos pode chegar a 216 milhões até 2050.

Além disso, a crise climática impacta de forma desigual por classe, gênero e região. Por exemplo, as pessoas que vivem na pobreza em países subdesenvolvidos têm quatro vezes mais probabilidade de serem deslocadas por desastres climáticos; além disso, 80% dos migrantes climáticos são mulheres.

Em suma, a crise migratória confirma a agressividade do capitalismo no século 21, que condena centenas de milhões de seres humanos à miséria e ao desespero, dando lugar a uma verdadeira catástrofe humanitária.

f. A persistência do bipolo (mobilização popular)

Até aqui temos enfatizado os principais problemas e as características mais agressivas e bárbaras geradas pelo capitalismo na nova etapa. Passo agora a dar conta de alguns fenómenos progressistas a nível internacional.

Em primeiro lugar, temos de destacar o desenvolvimento do novo sindicalismo nos Estados Unidos. É um processo de profunda reorganização que atravessa muitos setores-chave da economia dos EUA, desde a indústria automotiva, passando pelo setor de saúde e novas empresas de tecnologia, bem como a área de entretenimento (como Hollywood e cassinos).

Além disso, todas as reportagens sobre o tema refletem que os jovens – particularmente de origem latina e afro-americana – são o motor da nova onda de sindicalização e greves. Não devemos nos surpreender, pois são eles que mais se ressentem da precarização imposta pelo capitalismo com empregos sem direitos sociais e salários péssimos, aos quais se soma a certeza de que o sistema não lhes garantirá nenhum tipo de mobilidade social no futuro.

Assim, o colapso das expectativas no “sonho americano” está dando lugar a um movimento altamente progressista por parte das novas gerações de trabalhadores estadunidenses: formar sindicatos para lutar por melhores condições de trabalho para enfrentar as duras condições de vida no centro do mundo capitalista. É uma solução comprometida com o trabalho coletivo e a solidariedade, ou seja, vai na direção oposta ao discurso reacionário individualista e meritocrático expresso por Trump e seu movimento MAGA.

Voltando ao tema, segundo dados publicados pelo Departamento do Trabalho dos EUA, 2023 foi o ano com mais greves nos últimos vinte e três anos. Foram registradas trinta e três greves, envolvendo 458,9 mil trabalhadores, resultando na perda de 16,7 milhões de dias de trabalho. Para se ter uma ideia do que esses números representam, vamos comparar com os dados de 2022: naquele ano 127 mil trabalhadores participaram de greves e 2,2 milhões de dias de trabalho foram perdidos. Ou seja, não só o número de trabalhadores em greve aumentou significativamente, como os movimentos foram muito mais longos.

Da mesma forma, o movimento de mulheres e LGBTTQ+ desempenha um papel muito progressista no estágio atual [12]. Há alguns anos, o dia 8 de março se tornou um dia de luta feminista internacional, reunindo milhões de mulheres – a maioria jovens – nas ruas de centenas de cidades ao redor do mundo. Da mesma forma, a Maré Verde transcendeu as fronteiras da Argentina e teve um enorme impacto internacional/geracional, pois conquistou o direito ao aborto nas ruas ao desafiar o arco político conservador do país (o mesmo do qual o atual Papa é nativo!) Por conta disso, o lenço verde se tornou um símbolo geracional da luta feminista.  

Por último, não podemos deixar de mencionar o crescente movimento internacional de solidariedade com a Palestina, que ganhou força nos últimos meses em resposta ao massacre levado a cabo pelo exército sionista. As mobilizações pela Palestina foram enormes em vários países do primeiro mundo, especialmente naqueles com governos bastante alinhados com Israel, como Estados Unidos ou Inglaterra, para citar dois casos.

O fortalecimento desse movimento global de solidariedade, bem como a crescente brutalidade da ocupação colonial sionista, reabriu o debate sobre qual é a saída estratégica para o “conflito”. A cada dia que passa, fica claro que a “solução” de dois Estados não tem viabilidade, mesmo que por enquanto seja a posição oficial do imperialismo estadunidense (pelo menos com os democratas). Por essa razão, a política de uma única Palestina para derrotar o projeto colonial e genocida do sionismo ganhou espaço entre a vanguarda internacional, embora persistam diferenças entre o tipo de Estado a ser construído (no nosso caso, insistimos que seja laico, democrático e socialista).

Além disso, é muito promissor que, dentro desse movimento, as bandeiras por uma Palestina laica, livre e socialista sejam retomadas. Além disso, o papel de vanguarda desempenhado pelo movimento estudantil, que tem se destacado nos campi dos EUA de forma extraordinária e, diante da barbárie capitalista, pode ressurgir em todo o mundo como fator de radicalização da juventude internacionalmente.

Para concluir, todos esses casos que elencamos exemplificam a dinâmica entre o polo reacionário e um bipolo progressivo, ângulo que não se deve perder de vista para encontrar os pontos de apoio em meio à nova etapa.

3. Notas de conjuntura

Passaremos agora a estabelecer uma diagonal entre as características da etapa e as particularidades do momento presente.

Para começar, as características reacionárias se destacam na conjuntura, mas também deve-se notar que ela é atormentada por conflitos que lhe dão muita instabilidade, de modo que pode mudar a qualquer momento em circunstâncias pré-revolucionárias.

O que está no centro disso são os conflitos armados e não a rebelião popular (embora os dois elementos possam ser misturados; deve ser avaliado caso a caso). Esse é um elemento qualitativo, porque cria a impressão distorcida de que os Estados e seus exércitos são os únicos vetores da política. Em outras palavras, as superestruturas têm mais relevância ou visibilidade imediata, inibindo ou invisibilizando temporariamente os desenvolvimentos por abaixo.

Para ilustrar melhor essa ideia, basta fazer uma comparação com a conjuntura que se abriu a partir de 2019, quando rebeliões no Chile e no Equador deram lugar a uma terceira onda de rebeliões populares com repercussão internacional (Estados Unidos, em 2020; Colômbia e Mianmar em 2021). Nesse contexto, predominavam as mobilizações de massa dos explorados e oprimidos, enquanto os governos mais reacionários (Piñera, Trump, Duque etc.) ficavam na defensiva: o foco estava na disputa entre a praça e o Palácio!

Diante do que acontece agora, o oposto é verdadeiro. Parece que os desdobramentos políticos se resolvem exclusivamente por “cima”, enquanto os por “baixo” fica em segundo plano (no caso da Argentina, que não é uma guerra no sentido militar, mas uma “guerra de classes”, não é bem assim: reafirma-se o fenômeno da praça versus o palácio).

Vejamos o caso da guerra na Ucrânia. Inicialmente, a invasão da Rússia provocou uma resposta popular progressista em defesa de sua autodeterminação nacional, o que foi fundamental para impedir que as tropas de Putin tomassem Kiev nas primeiras semanas. Mas, à medida que o conflito se espalhava e a intromissão da OTAN crescia, a justa guerra ucraniana de libertação nacional se sobrepunha a um conflito interimperialista por procuração entre a Rússia e o imperialismo “ocidental” (com os EUA à frente), incluindo repetidas ameaças russas de lançar um ataque nuclear no caso de a Otan cruzar certas “linhas vermelhas”, como enviar tropas para o combate direto (ver Sobre el carácter de la guerra en Ucrânia).

Diante disso, propomos um cessar-fogo imediato e uma paz sem anexações, a fim de libertar o povo ucraniano do sufocante domínio militar que sufoca a ação independente dos explorados e oprimidos (ver Por una Paz Justa sin Anexaciones). Nosso ângulo é muito concreto: colocamos os interesses dos explorados e oprimidos no centro de nosso programa, para não cair no campo que se expressa na escolha entre um dos dois campos imperialistas.

Muito diferente é a resposta de outras correntes do trotskismo (ou setores dentro delas), que, perdendo de vista as complexidades dessa nova etapa sobrecarregada de lutas geopolíticas, não têm salvaguardas contra o campismo. Por exemplo, alguns têm uma posição unilateral anti-OTAN, na qual perdem de vista o caráter da Rússia como imperialismo territorial em reconstrução. Outros, por outro lado, apenas identificam o caráter imperialista e avassalador da invasão russa, mas não problematizam – nem delimitam – a interferência dos imperialismos tradicionais no conflito. De fato, há correntes que pedem armas às potências ocidentais para “fortalecer” a resistência ucraniana[13].

Outro fato relevante é a guerra de extermínio travada pelo Estado sionista na Faixa de Gaza. A brutalidade desse massacre acentuou as características reacionárias da conjuntura, particularmente durante as primeiras semanas da invasão, já que o sionismo teve um apoio internacional esmagador – queremos dizer, em nível estatal – ao seu “direito” à autodefesa após o ataque do Hamas.

Apesar disso, com o passar dos meses, o repúdio popular à guerra cresceu, à medida que o caráter genocida e colonial da ofensiva sionista se tornava cada vez mais claro. Isso deu lugar ao movimento internacional de solidariedade à Palestina, que, como explicamos anteriormente, em alguns países imperialistas realizou mobilizações de massa com dezenas ou centenas de milhares de manifestantes.

Por outro lado, essa questão também é um ponto de discórdia entre as correntes trotskistas. Desde o SoB afirmamos uma posição muito clara: defendemos incondicionalmente a luta de libertação nacional do povo palestino, mas não apoiamos politicamente o Hamas (veja La tarea del momento es frenar el genocidio sionista en Gaza). Por outro lado, outras correntes incorrem em uma nova variante do campismo que, nesse caso, se manifesta na forma de apoio acrítico ao Hamas, ou seja, não se delimitam da política ou dos métodos empregados por essa organização.

É preciso distinguir entre o caráter progressista de uma luta e seus rumos políticos. No que diz respeito ao Hamas, avaliamos que ele combina características da organização de libertação nacional com outras do fundamentalismo islâmico. Essa dupla natureza é assumida diretamente pela organização, como ficou explícito em sua carta programática de 2017, na qual se define como um “movimento palestino, islâmico e nacional de libertação e resistência” cujo “quadro de referência é o Islã” (ver Principais pontos do novo documento político do Hamas). Essa “natureza dual” é transferida para o nível de suas ações de resistência, que podem incluir ações militares legítimas contra a ocupação colonial sionista (destruir instalações militares, sequestrar ou assassinar soldados sionistas ou colonos paramilitares etc.), mas também aplicar métodos típicos do terrorismo islâmico que não defendemos desde o socialismo revolucionário (como o assassinato intencional de civis).

Além disso, o programa político do Hamas é burguês e sua liderança é protegida por setores da oligarquia petrolífera árabe. Quanto ao seu programa, o seu eixo mais progressista é o não reconhecimento do Estado colonial de Israel e a não adesão à política de dois Estados acordada em Oslo. Apesar disso, no documento programático de 2017 que citamos anteriormente, eles matizaram essa posição, pois qualificaram como “consenso nacional” o possível “estabelecimento de um Estado palestino totalmente soberano e independente, com capital em Jerusalém, dentro das fronteiras de 4 de junho de 1967”.

Nesse sentido, concordamos com o Hamas quanto ao não reconhecimento do Estado sionista de Israel, mas nossa perspectiva estratégica é diametralmente oposta à desta organização: lutamos por uma Palestina laica, democrática e socialista que também se realize em conjunto internacionalista com os povos e a classe operária de toda a região. Da mesma forma, afirmamos categoricamente que não reconhecemos as fronteiras de 1967 ou as decretadas pela ONU em 1948, pelo contrário, insistimos que a libertação do povo palestino só será possível com o fim da entidade sionista, cujo aparato militar está a serviço de um projeto de colonização racista.

Outro elemento colocado pela conjuntura é o combate à extrema direita. A chegada de Milei à presidência da Argentina reabriu o debate sobre como combater esses governos. Na corrente SoB, insistimos que não devemos superestimar a força da extrema direita, mas também não devemos subestimar os perigos que ela representa. Caracterizações equilibradas devem ser feitas em cada caso, com o objetivo de explicar o alcance do fenômeno concreto e, ao mesmo tempo, preparar as condições para lutar contra os ataques reacionários que eles promovem. Para tanto, temos um vasto “arsenal” estratégico e tático legado pela experiência histórica do marxismo revolucionário na luta contra a extrema direita.

De qualquer forma, parece-nos necessário enfatizar um aspecto central para a nova etapa e a atual conjuntura: para lutar contra a extrema direita, não basta defender eixos econômicos, é também essencial levar as bandeiras democráticas ao máximo. Essa é uma diferença central que temos com outras correntes que qualificamos como “economicistas”, ou seja, que denunciam os ataques contra os salários ou as condições de trabalho contra a classe operária, mas relegam a segundo plano os avanços reacionários contra as liberdades democráticas.

Isso ficou evidente no caso da Argentina, onde o Nuevo MAS foi a primeira organização a denunciar o plano global de ataque do governo Milei, que, além do ajuste econômico, incorpora também um questionamento das liberdades democráticas conquistadas após a queda da ditadura militar. Muito diferente foi a ação das correntes da FITU, que se limitaram a denunciar um ajuste econômico, mas perderam de vista o caráter ultrarreacionário de Milei.

Junto a isso, a polarização política também é uma característica marcante da conjuntura. A burguesia concorda com os padrões de ajuste econômico, no entanto, há muita divisão no topo e isso gera instabilidade política. Aqui, também, se expressa a ruptura do consenso, uma vez que a burguesia não dispõe de um “manual do usuário” para a nova etapa, o que dá lugar a uma maior confusão sobre quais orientações seguir em tempos de crise e instabilidade.

Isso é algo de extrema importância. A divisão no topo é um fenômeno derivado, mas não secundário à política revolucionária: pode abrir brechas através das quais a mobilização independente, a superlotação e a auto-organização dos explorados e oprimidos podem entrar sorrateiramente. Dito isso, é preciso acrescentar que esse “fator independente”, o da irrupção dos trabalhadores e do povo em condições de divisão burguesa, é o que pode gerar a virada dos estágios reacionários (mesmo de crise permanente, como caracterizamos o atual caso argentino) para os pré-revolucionários[14].

A situação nos Estados Unidos é um retrato do que estamos dizendo. A polarização entre Biden (o “bom” imperialismo do multilateralismo) e Trump (o “mau” imperialismo isolacionista que preocupa o establishment) expressa a luta entre dois campos burgueses que não têm consenso sobre como liderar a principal potência imperialista em um momento de luta pela hegemonia mundial e pela convergência de inúmeras crises globais.

O acirramento da polarização dentro da classe dominante, entre o Estado e entre as classes sociais, é um fato marcante da atual conjuntura, pois essas crises denotam uma fraqueza da burguesia em sua capacidade de governar. Além disso, Lênin afirmava que uma situação revolucionária se caracterizava pelo fato de que aqueles na base não queriam ser governados e aqueles no topo não podiam mais governar. Ou seja, a divisão da burguesia política abre enormes potencialidades no caso de uma conjuntura de radicalização do movimento de massas.

Por fim, gostaríamos de destacar um fato importante: persiste a desaceleração da economia global, que não se recuperou totalmente após a crise financeira de 2008 e do impacto da pandemia de COVID-19. De acordo com um relatório publicado pelas Nações Unidas, projeta-se uma desaceleração de 2,7% em 2023 para 2,4% em 2024. Ou seja, a economia mundial voltará a ficar abaixo da taxa de crescimento pré-pandemia, de 3,0%. Ainda mais preocupante, se essas expectativas se cumprirem, 2024 seria o ano com o pior crescimento econômico desde 2008 (com exceção da recessão nos anos pandêmicos). Da mesma forma, para 2025 a expectativa é de um crescimento fraco de 2,7%.

Todas essas peculiaridades tornam a situação muito instável. Ninguém sabe ao certo como será o mundo daqui a seis meses ou um ano. Em 2024, estão marcadas eleições em setenta países (o equivalente a 49% da população mundial), o que pode levar a uma reconfiguração do espectro político internacional. Em outras palavras, se Trump triunfar e a extrema direita avançar na União Europeia, o pêndulo pode pender mais para o lado reacionário. Por outro lado, a barbárie do sionismo ou os ataques da ultradireita podem gerar um rebote na direção oposta, ou seja, provocar uma resposta mais radicalizada dos explorados e oprimidos.

4.  Preparando a militância para uma luta de classes mais direta

Como somos uma corrente socialista revolucionária, todas as nossas análises são interessadas, ou seja, estão tensionadas por encontrar uma perspectiva militante. Nesse sentido, quando avaliamos que estamos entrando em uma nova etapa da luta de classes mais agressiva e polarizada, ao mesmo tempo percebemos os enormes desafios que se colocam para a nossa militância.

Para finalizar, elencamos algumas tarefas fundamentais e critérios político-metodológicos para enfrentar a nova etapa que, logicamente, serão aplicadas com certa especificidade dependendo do tamanho de nossos partidos e grupos, bem como da situação política de cada país em que atuamos:

a. Não superestimar nem subestimar a extrema-direita. A nova etapa é mais agressiva e sangrenta. Por isso, não é por “diversão” que figuras e partidos de extrema-direita avancem eleitoralmente, seja como oposição nos parlamentos ou como governantes. Por isso, insistimos, é preciso aprender a fazer avaliações concretas em cada caso e não dizer qualquer coisa, algo que possa deslocar a nossa militância e àqueles que nos têm como referência nas estruturas onde intervimos (para não falar quando se trata de organizações com figuras que têm ampla cobertura mediática).

b. Aprofundar as consignas e lutas democráticas, articulando-as como parte de um programa socialista da classe operária e de outros setores explorados e oprimidos. A defesa do aborto legal, do casamento igualitário ou da autodeterminação dos povos são palavras de ordem que devem ser assumidas como nossas e dada a correspondente importância na atual situação política. As correntes economicistas de esquerda não conseguem compreender plenamente a nova etapa e, como resultado, seus programas tornam-se estreitos e sectários.

c. Ter a astúcia de desenvolver unidade de ação ou frentes únicas para promover lutas, especialmente entre os escalões intermediários dos agrupamentos tradicionais. Os ataques reacionários da nova etapa vão gerar (ou melhor, já estão gerando) indignação entre amplos setores dos explorados e oprimidos, o que abre espaços para promover a mobilização e dirigir ou codirigir essas experiências de mobilização. Ao mesmo tempo, não podemos perder de vista que são um campo de disputa de tendências onde os interesses da construção partidária devem ser afirmados contra outras correntes políticas. Unidade para lutar, mas mantendo a identidade política dos nossos partidos e agrupações.

d. Apostar na superação e na auto-organização. Frentes únicas e de unidade de ação são ferramentas muito importantes, mas táticas. O que é estratégico em todos os casos é conseguir suplantar as lideranças tradicionais e burocráticas, as lideranças que buscam impor um espartilho aos setores que mobilizam (quando mobilizam, que é na menor das vezes!) e pressionar pelo desenvolvimento independente e radicalização da luta em cada caso. O que se percebe é que “vácuos” políticos estão sendo criados pelo conservadorismo das lideranças tradicionais que abrem espaço para a corrente e para as organizações que a compõem para atuar na direção ou codireção de processos, ao mesmo tempo em que constroem nossas organizações revolucionárias nesse processo de luta.

e. Lutar pela independência de classe, não cair no campismo. Para nos orientarmos em meio a esse mundo tão convulsionado do ponto de vista geopolítico e não sucumbirmos às pressões campistas, é preciso ter a bússola de classe à mão, ou seja, basear nossas análises e políticas nos interesses próprias da luta de classes e não desde a lógica dos Estados em disputa. Só assim é possível reafirmar a independência de classe.

f. Dar continuidade e redobrar nossa elaboração marxista, bem como sua divulgação internacional. Durante vários anos houve um “boom” ou “revival” de publicações marxistas nos campos do balanço do stalinismo, estratégia revolucionária, construção partidária, economia, história, ecologia e outros assuntos. É impossível relançar o marxismo revolucionário sem fazer uma avaliação profunda do stalinismo e da derrota da revolução no século 20. É também essencial estudar em profundidade os novos problemas internacionais e os desdobramentos da luta de classes. Por outro lado, correntes que não têm solidez estratégica ou elaboração própria, cristalizam-se em um doutrinarismo sem qualquer perspectiva histórica e construtiva.

Nossa corrente vem contribuindo muito na elaboração teórico-estratégica, um esforço que se reflete na continuidade do nosso suplemento semanal de teoria e atualidade política no Izquierda Web. Devemos redobrar esse esforço, pois o novo cenário mundial coloca novos problemas, assim como temos que fazer um esforço para divulgar, traduzir e publicar em livros (ou revistas) nossas elaborações, a fim de intervir de forma contundente no debate estratégico no seio do marxismo revolucionário que, lenta mas persistentemente, vem abrindo-se.

g. Paciência e audácia revolucionária na construção de nossas organizações marcando território nos fenômenos de vanguarda. A nova etapa nos desafia a sair da marginalidade. Mas isso deve ser feito com critérios construtivos saudáveis, mesmo que sejam muito sacrificantes. Na SoB, não apostamos em tomar falsos atalhos. Reiteramos que nosso eixo é construir sobre as principais estruturas do movimento de massas, priorizando o movimento estudantil (passo número 1 dos grupos fundacionais) e voltar-se para o movimento operário e sindical quando as condições construtivas permitirem. Ao mesmo tempo, é evidente que na Argentina se abriu um desafio histórico com o governo Milei e as convulsões que se avizinham, além de acumular no país uma das maiores tradições militantes do trotskismo, com a qual, para a esquerda em geral e para o Nuevo MAS em particular, abre-se o desafio de reafirmar pacientemente o objetivo de construir nosso partido como partido de vanguarda.

Por fim, temos que entender que estamos em meio a um reinício da experiência histórica das lutas dos explorados e oprimidos, dentro da qual se expressam fenômenos altamente progressistas, como a emergência de um novo movimento operário em torno dos entregadores, a retomada do movimento estudantil nos Estados Unidos em solidariedade à Palestina e o renascimento do movimento operário. A consolidação do movimento de mulheres como setor de luta em nível internacional, bem como o caso na Argentina do surgimento de assembleias de bairro e o potencial de um novo levante estudantil contra o governo Milei. Diante disso, temos que construir como prioridade entre os setores mais avançados da juventude estudantil e trabalhadora, bem como entre a ampla vanguarda.

Para concluir, reiteramos algo que apontamos ao longo do relatório: as características sangrentas da nova etapa e o caráter agressivo do capitalismo no século XXI vão provocar respostas dos de baixo. Não temos dúvida de que novas explosões sociais vão se desenvolver, e possivelmente com características mais radicais do que nos anos anteriores. Nossa aposta é que a luta de classes dará um salto qualitativo com a transformação das rebeliões em revoluções socialistas que também ajudarão toda a nossa militância e lideranças a amadurecer nas novas condições. É para isso que nos preparamos. Os novos desafios históricos obrigam-nos a lutar mais profundamente, isto é, menos rotineiramente.

Notas:

[1] A definição de caos internacional capta alguns dos traços característicos da nova etapa, mas nas mãos de correntes como a “IV Internacional”, tem o problema de que sua apreciação da dinâmica mundial é exageradamente cética, ou seja, não enxerga os pontos de contratendência (as perspectivas internacionais pré-revolucionárias que também estão amadurecendo e que veremos mais adiante).

[2] A situação militar no terreno ucraniano mostra que a Rússia não é tão fraca quanto aqueles que afirmam que ela não tem quaisquer traços imperialistas.

[3] Essa diferença com as avaliações da “Fração Trotskista” é clara, diferenças que vêm acontecendo há algum tempo e se consolidam em torno de questões como a guerra na Ucrânia e o conflito na Palestina.

[4] Por campismo entendemos uma estratégia onde os conflitos de classe se diluem na disputa de campos “políticos” (sem qualquer referência aos interesses de classe que representam), entre os quais é necessário escolher o progressista versus o regressivo. Um exemplo muito marcante disso é expresso pelo Partido Obrero da Argentina em relação ao conflito ucraniano.

[5] Francisco Serrato, O Capitaloceno: Uma História Radical da Crise Climática, p. 35-36.

[6] Aqui não nos cabe mais do que apontar o desastre estratégico-político e programático que a maioria das correntes socialistas revolucionárias careçam pelo menos de rudimentos do balanço do stalinismo. É muito difícil lutar pela reabertura da revolução socialista no século 21 sem esse balanço (uma espécie de “conversa às cegas”).

[7] Sua “oposição” a esse tipo de governo e formação é puramente institucional, mas às vezes eles são forçados por seus próprios interesses a abrir “portas” através das quais pode se expressar uma movimentação independente que vá além dos interesses dessas formações do sistema estabelecido.

[8] Muitas correntes são impressionistas sobre o fenômeno da extrema direita, como a “Resistência” no Brasil e a “IV Internacional”, enquanto outras tendem a subestimá-lo sumariamente, como é o caso de vários trotskistas latino-americanos. Caracterizar Milei como um “gato fofinho” como o fez o PTS argentino foi um óbvio erro político e de apreciação que desarmou diante do fenômeno, assim como aqueles setores oportunistas que seguiram a correnteza pedindo o voto em Massa como solução para todos os males…

[9] O SWP britânico e sua corrente internacional, “International Socialist”, também são impressionistas sobre o fenômeno, pelo menos não o discriminam adequadamente.

[10] A própria doutrina do “choque” é bonapartista em si, embora esse choque em matéria política esteja atualmente indo de impasse em impasse (queda da primeira Lei Omnibus e votação adversa, entre os senadores, de seu DNU ditatorial). De qualquer forma, não podemos perder de vista o protocolo repressivo contra o protesto social, que foi contestado com sucesso nas mobilizações, mas ainda não foi derrotado.

[11] Caso da capitulação do PSOL no Brasil e de todas as correntes que o compõem.

[12] Por outro lado, não podemos perder de vista que apresenta contradições internas, já que se trata de um campo de batalha político. Dentro dela há tendências liberais-burguesas ou sectárias-separatistas. Mas isso não nega seu caráter rebelde.

[13] Casos da “IV Internacional” e do PSTU do Brasil.

[14] É claro que o caso argentino ocupa um lugar de destaque em nossa declaração porque o país está, de certa forma, no centro das atenções internacionais para avaliar sua evolução.

Tradução de José Roberto Silva, do original em https://izquierdaweb.com/una-lucha-de-clases-mas-radicalizada-un-desafio-redoblado-para-la-izquierda-revolucionaria/