Apresentamos abaixo a tradução do “A filosofia política marxista como ferramenta antistalinista” de Roberto Sáenz. Esse fichamento crítico, como parte da elaboração de um trabalho mais abrangente do autor sobre a transição ao socialismo, trata da obra de Antoine Artous “Marx, el Estado y la Política”, uma importante reflexão sobre como em Marx o Estado Capitalista surge como uma novidade histórica – o que se pode dizer também da economia capitalista, que coloca o trabalho, particularmente o abstrato, como mediação de todas relações. Mas, nesse esforço interpretativo, uma série de outros pensadores marxistas são chamados à baila para compreender – o que já foi demonstrado em toda a história das revoluções do século XX – que em sociedades pré e pós capitalistas, há uma sobreposição incontornável entre Estado e economia. O que implica que, em termos de definições de princípios, estratégias e táticas, não basta que a economia seja planificada, é preciso que além de plano – e mercado, evidentemente – na transição o papel político da classe operária seja central. Estabelecida a propriedade coletiva após a revolução, as desigualdades de classe não desaparecem, como: o trabalho direto e indireto, o valor como mediação das relações e o Estado. Eles teimam em permanecer, o que só pode ser superado com a luta política de massas, que tem nos sovietes e na democracia operária a “forma e o conteúdo” necessários para que a tarefa de emancipação humana seja bem sucedida.

Redação

A filosofia política marxista como ferramenta antistalinista, parte 1 

Estudo sobre “Marx, el Estado y la Política”, de Antoine Artous. Apresentação, prólogo, prefácio, introdução e primeira parte. 

Por Roberto Sáenz 

Neste artigo, começaremos a analisar a obra de Antoine Artous, neste caso referindo-se à análise de Marx sobre a novidade histórica radical que o Estado capitalista representa como um Estado político separado, bem como elementos do que poderíamos chamar de sua “filosofia política” que é tão útil para a análise do stalinismo e do balanço do século passado

Lembramos, de passagem, que esses fichamentos são parte da elaboração de nossa “Dialética da Transição. Um ensaio sobre o materialismo histórico aplicado à revolução socialista”, com o objetivo de aliviar o texto da pilha de citações que o tornariam mais pesado. 

1- A política como esfera separada 

“Em ‘Fetichismo e Comunismo’, último capítulo deste livro, abordo, entre outros, o ‘fetichismo do Estado-Planificado’ legado pelo Estado stalinista, que levanta questões que vão além dessa experiência histórica. O fetichismo do ‘Estado-planificado’, via nacionalização da produção, é o de um Estado burocrático considerado como cristalizador da inteligência necessária à organização de um processo de trabalho que se tornou coletivo; mas também da validação social da produção. Enquanto no capitalismo essa validação social se realiza através do mercado, aqui a medida se realiza através do Estado-planificado” (p. 14). 

Artous está nos apontando que o fetichismo é a crença de que o plano, por si só, expressa uma espécie de “consciência coletiva” de uma sociedade que de outra forma está afastada do planejamento: é a burocracia que a leva adiante como uma “inteligência necessária” e não os trabalhadores, o que estabelece diferenças substanciais em seu caráter e consequências em relação ao planejamento socialista. Ou seja, nem todo planejamento é em si socialista, depende de quem o realiza, como é realizado e com quais objetivos: a serviço de quais interesses sociais

Artous cita a definição de Marx de “(…) burocracia no sentido moderno, como hierarquia do conhecimento (Marx)” (p. 16). Parafraseia Marx quando fala da burocracia como uma entidade onisciente que pode “ver” tudo, realizando-o em sua cabeça. Este último conceito é, na verdade, de Trotsky, mas alude à mesma ideia: a burocracia concentra todo o “conhecimento social” e todo o poder decisório, estabelecendo a partir dela uma hierarquia social: a sociedade explorada e oprimida é excluída de toda soberania  (além da burocracia ser carregada de privilégios). 

Em sua introdução à obra de Artous, Bensaïd introduz outro ângulo sobre a transição socialista: 

“Disso [isto é, dos problemas ligados à propriedade nacionalizada] emerge uma conclusão capital: ‘uma subestimação do momento jurídico da emancipação’ (p. 20). Em outras palavras, as formas jurídicas de emancipação não devem ser subestimadas. Podemos interpretar isso de duas maneiras: a) no sentido de que as formas jurídicas da própria transição devem ser estudadas criticamente e não acreditar que a propriedade nacionalizada, per si, seria automaticamente uma propriedade ‘operária’ (as conotações negativa, anticapitalista e positiva, operária e socialista não são sinônimas); e (b) num sentido que não compreendemos plenamente, que parece implicar que certas cristalizações jurídicas estabelecem ‘salvaguardas’...” 

De nossa parte, vemos perigos no fato de que as formas jurídicas fetichizam as relações reais e nos referimos, sobretudo, ao poder efetivo dos trabalhadores para uma verdadeira transição socialista (o que não nega que esse poder assuma certas formas jurídicas). Mas as formas jurídicas como tal não salvam um processo revolucionário se a classe operária for afastada do caminho. A única “salvaguarda” é a mobilização permanente do proletariado e a real “densidade” política que tenham seus órgãos de poder e partidos revolucionários; assim frágil e complexo é o poder operário

Com a frase “assim frágil e complexo é o poder operário” queremos dizer precisamente que nenhuma cristalização jurídica ou “direito econômico” assegura o caráter do processo: durante a transição socialista, especialmente em seus primeiros passos, tudo depende dos desdobramentos políticos, ainda que estes estejam condicionados por determinações materiais, é claro.[1] 

É necessário “(…) questionar a abstração política moderna para embutir (mas não dissolver) a política no social” (p. 20), nos diz Artous. A abstração política moderna apontada por Marx tem a ver com a cisão do trabalhador em relação ao cidadão no capitalismo (isto é, da figura de um da figura do outro, que se sobrepõem formalmente à mesma pessoa). O trabalhador assalariado na economia, na sociedade civil, não tem propriedade dos meios de produção e precisa vender sua força de trabalho para sobreviver. No entanto, no campo político do voto, na qualidade de “cidadão”, ele parece ter os mesmos direitos políticos que o capitalista... Daí a chamada “abstração política”, que parece equalizar no terreno político gasoso o que na vida real, na sociedade civil, é desigual

Ao “embutir o social no político“, Artous quer dizer a mesma coisa que Marx aponta quando diz que “democracia é forma e conteúdo” (Crítica à Filosofia do Estado de Hegel). Ou seja, a burguesia foi expropriada e, a priori, social e politicamente, todos os explorados e oprimidos têm os mesmos direitos políticos e sociais: estabelece-se uma tendência para igualar um termo e outro numa verdadeira transição socialista

De qualquer forma, isso é um pouco mais complexo porque na ditadura proletária os direitos da classe operária passam de formais a reais, mas no campo econômico, embora a burguesia tenha sido expropriada e isso seja um enorme avanço, ainda há necessariamente certas desigualdades decorrentes da “igualdade de direitos” (do estado de necessidade da sociedade):  Uma vez feitas as deduções necessárias, o trabalhador recebe o que rendeu o seu trabalho, mas não ainda em função de suas necessidades

O capitalismo “(…) Coloca sob o signo da homogeneidade o que é heterogêneo. O Estado de Direito é, portanto, uma espécie de paradoxo em ação, equaliza as diferenças para reproduzi-las imediatamente (…)” (Jean-Marie Vincent sobre a análise de Artous, p.25).[2] 

O dito: colocar o heterogêneo sob o signo do homogêneo é a abstração política do capitalismo, que tenta esconder a existência do homogêneo, por assim dizer, cidadãos de primeira classe e cidadãos de segunda classe… os donos dos meios de produção e aqueles que são apenas os donos de sua força de trabalho. Isso, é claro, não pode deixar de ser traduzido no plano político (não é o mesmo poder político o que exerce um burguês que o exercido por um operário). 

“(…) o processo de transmutação de interesses privados em interesse geral por meio da representação significa, em geral, esforçar-se para obter o reconhecimento pelo Estado dos interesses do grupo ao qual se pertence” (p. 26). 

A ideia é clara. Sob o capitalismo, sob o Estado burguês, isso acontece consagrando certos direitos, certas conquistas, que por si só não declaram abolida a abstração política: o Estado burguês e a exploração do trabalho continuam, e isso só pode ser resolvido por meio da revolução socialista. Daí a dialética entre conquistas parciais e revolução, entre interesses imediatos e interesses históricos da classe operária, entre reforma e revolução. 

Logicamente, não podemos perder de vista que, para o marxismo revolucionário, o fio invisível que une os dois é que toda conquista, toda reforma dentro do sistema social capitalista, deve ser conquistada por meio da mobilização popular

“(…) [Em] Crítica à Filosofia do Estado de Hegel (…) Marx aparece (…) como um pensador da autonomia do político, que defende ‘a auto-instituição democrática do social’, contra o formalismo burocrático do Estado moderno” (p. 33). 

Quando Marx afirma que a democracia é forma e conteúdo, o que ele está enfatizando é que o conteúdo de uma democracia consistente deve ser, justamente, a auto-instituição do social no político: a ditadura proletária. O século 20 mostrou que não há outra forma de auto-instituição do social no político, nenhum sucedâneo, nenhum substitutionismo social que não seja o poder político do proletariado

“(…) o interesse da abordagem de Marx reside – entre outros aspectos – em sua disposição de pensar as diferenças entre o Estado capitalista e as formas de poder pré-capitalistas, incluindo as do Antigo Regime” (p. 35). 

Marx aponta que a abordagem de Hegel sobre o Estado (capitalista) é uma abordagem moderna porque ele entende que o capitalismo estabelece uma cisão que não existia nas sociedades anteriores entre Estado e sociedade, entre sociedade civil e sociedade política, entre Estado e economia (termos sumariamente tomados aqui como sinônimos). Artous aponta o duplo movimento que se expressa na filosofia do Estado de Hegel, no sentido de que “não apenas a economia deixa de estar embutida no social” (Polanyi), mas o Estado político “se separa da sociedade civil burguesa” (p. 35); uma dupla ruptura com as velhas formas de poder

Tanto Artous quanto Vidal-Naquet e outros autores citam Polanyi pela agudeza de seu olhar, no sentido de que somente sob o capitalismo a economia aparece como uma esfera autônoma e independente, ao contrário dos regimes sociais anteriores, onde a realidade era o oposto, a economia parecia depender e estar subordinada a outras instâncias:  política, religião ou o que for. [3] 

“O Estado [moderno e capitalista] organiza-se mediante: a) a representação política moderna, b) estrutura-se através de uma burocracia moderna que o jovem Marx caracteriza como uma ‘hierarquia de conhecimento que não é mais legitimada pelo status sociopolítico, mas por sua competência'” (p. 35). 

Essa representação política moderna é a de uma abstração em que todos aparecem como “cidadãos iguais”, ao contrário dos regimes sociais anteriores, nos quais apenas uma minoria privilegiada da sociedade (os cidadãos de Atenas, os senhores sob o feudalismo) tinha direitos políticos. No capitalismo passamos de uma desigualdade política real para uma equalização política formal porque o “poder social” e político de uns e de outros, trabalhadores e burgueses, é obviamente muito distinto. 

Além disso, com a revolução burguesa, os status sociopolíticos estão efetivamente sendo deixados  para trás em favor de clivagens estritamente econômicas: a propriedade privada capitalista. Nesse contexto, Artous cita Marx apontando que o pessoal do Estado se recruta por “competição” e não mais por estamentos, o que é coerente com a ideia de que a revolução burguesa dá por abolido outros status que não sejam os da propriedade privada (os da economia, o poder do dinheiro, para dizer sucintamente). 

2- Mudança de frente na transição socialista (ou a política como “relação de produção”) 

Como escreve Pashukanis, não devemos tentar encontrar em O Capital uma definição do conceito de economia que abranja todas as épocas históricas (…). Pois a economia, como esfera particular das relações, só difere quando a troca aparece” (p. 37). Está claro que o conceito é o que vimos desenvolvendo: a economia como esfera delimitada da sociedade só aparece na sua forma “pura” e autônoma sob o capitalismo. É por isso que as categorias que a expressam, à ela e também ao direito e à política, parecem tão nítidas. Isso contrasta com os regimes sociais pré e pós-capitalistas, nos quais aparecem contaminados – as categorias da transição socialista são  híbridos  econômico-políticos ou político-econômicos

“Em suas análises das formas pré-capitalistas, Marx está longe de ter um discurso monótono sobre o papel determinante das relações econômicas (…) A produção social pode ser organizada em outro quadro. Assim, na cidade antiga, é a política que desempenha o papel determinante, que funciona como uma relação de produção, para tomar emprestada a fórmula de Maurice Godelier (1984)” (p. 38). 

Esta última afirmação é importante para a transição socialista. A produção econômica é, em última análise, a base material de toda sociedade por razões óbvias: sem comer e se reproduzir, nada mais existe (A Ideologia Alemã). No entanto, nas formações pré-capitalistas, a produção econômica é superdeterminada pela política, no sentido de que, por exemplo, na antiguidade, se tem propriedade se se é cidadão e não o contrário.[4] No capitalismo é o inverso: se é “mais cidadão” se possui propriedade

Além disso, a proposição de Godelier de que a política funciona como uma “relação de produção” é inteiramente aplicável à transição socialista, na qual o planejamento é o que dirige a economia. E é por isso mesmo que a democracia socialista é uma das relações de produção junto com o mercado e o próprio planejamento. São os três reguladores da economia de transição, reguladores que moldam a forma que as relações sociais de produção assumem por trás do caráter estatal da propriedade

A ideia de democracia socialista como relação política e, simultaneamente, relação de produção vai contra o senso comum forjado no capitalismo: como uma relação política pode ser simultaneamente uma relação de produção? E sim, acontece que na transição socialista, o planejamento e a própria democracia operária são uma parte íntima do mecanismo econômico: quem planeja, como é planejado e para que objetivos é planejado não são apenas decisões econômicas, mas também políticas. Além do fato de que a economia não funciona espontaneamente sem seu comando consciente, não há “lei do plano” que possa salvá-la, ao contrário do que acreditavam os marxistas durante o século 20

“O que Marx nos diz em (…) O capital é que uma relação de produção existe sempre sob dois aspectos: a relação de exploração e a relação de soberania e dependência” (p. 38). 

Está claro que as relações de produção não são apenas relações econômicas: admitem a exploração e a dominação. A forma puramente econômica, e o exercício do poder “localizado” que a acompanha para assegurá-la no local de trabalho, essa “mistura de princípios”, de níveis, está presente no O Capital, mas sem sujeitar as relações materialistas causais: a dominação está atrelada à exploração, e não o oposto como qualquer pensador filosoficamente idealista acreditaria.[5] 

Além disso, é claro que a análise de Marx é abrangente, não se trata de uma mera “economia”. Daí tantas críticas que têm sido feitas a ele, porque sua abordagem ultrapassa as rígidas fronteiras que a ciência burguesa estabelece entre economia, política, direito etc. Claro, repetimos, sem deixar de delimitar as relações causais corretas, materiais. 

Como digressão, destacamos que textos do marxista espanhol Manuel Sacristán, como “Sobre a dialética” (1973) e “A obra científica de Marx e sua noção de ciência” (1978), ajudam a pensar esses problemas, embora sua abordagem, séria, mas extremamente positivista, tenha o vício de questionar a abordagem dialética do ponto de vista materialista, ou seja, o materialismo dialético como superação do vulgar. 

De resto, Sacristán aparece como uma figura marxista honesta, que se tornou nos seus últimos anos um pensador anti-estalinista quando a URSS ainda estava de pé (uma diferença nítida com Louis Althusser, que nunca fez o mesmo). 

“Em ‘A Origem da Família’, Engels aborda o Estado do ponto de vista histórico-genético. ‘ (…) a tradição marxista vai desenvolver um discurso geral sobre o Estado de classe, cujo conceito ainda precisa ser elaborado. Uma tradição tenaz, já que ainda está presente em Althusser (…) a segunda peça dessa abordagem consiste, logicamente, em tentar elaborar um conceito trans-histórico do econômico como relação social determinante (…)'” (pág. 38). 

De fato, o elemento dominante na tradição marxista é a abordagem de classe do Estado, que serve aos efeitos revolucionários contra a abordagem reformista, diga-se. No entanto, em Marx e Engels há outros lados da análise, como seu caráter separado da sociedade, suas características parasitárias etc., que completam uma visão “multifacetada” das diferentes faces dos Estados históricos concretos. Lênin sintetizou bem essas várias faces, começando pelo ângulo de classe em O Estado e a Revolução (uma de suas principais obras, embora inacabada). 

Sua análise de classe do Estado vai contra o reformismo, e na análise do caráter do novo tipo do Estado proletário Lênin defende tanto seu caráter de ditadura de classe (ditadura do novo tipo) quanto o desafio de acabar com o caráter separado de qualquer Estado (democracia do novo tipo). Isso se baseia em outra afirmação clara contra o reformismo emprestada de Marx: o Estado burguês deve ser destruído, a revolução socialista destroi, deve destruir, os pilares básicos do Estado – forças armadas e repressivas, etc. 

Por outro lado, Althusser desenvolve em suas obras o ângulo de classe, que se apresentava bem contra o eurocomunismo reformista emergente e a socialdemocracia. No entanto, se protegia muito bem de abordar o outro ângulo da análise: o que diz respeito ao caráter separado do Estado, que era uma acusação direta do stalinismo, bem como da concepção trans-histórica do Estado (a abordagem abstrata da relação entre economia e política). E tudo isso porque, como se sabe, para o filósofo francês a suposta “infraestrutura socialista” da URSS se desenvolveu independentemente das imposições da burocracia em nível estatal… (“Althusser, filósofo del stalinismo tardío“, https://izquierdaweb.com/althusser-filosofo-del-estalinismo-tardio). 

Althusser baseou suas opiniões em um  uso oportunista  da ideia de “autonomia da política”, em sentido diferente, mas com os mesmos resultados dos reformistas. Se para eles o Estado era tão “autônomo” que nele poderiam ser realizadas reformas e até o próprio Estado poderia ser “disputado” mesmo que a burguesia não tivesse sido expropriada, no caso de Althusser a economia socialista “avança perfeitamente” independentemente do que possa acontecer no nível da política (uma estupidez stalinófila que só trotskistas ultrapassados podem pensar em repetir no século XXI contra todas as evidências!).[6] 

“Não surpreende, portanto, que a contribuição da tradição marxista na análise das formas de poder político nas sociedades pré-capitalistas seja fraca. A menos que os autores questionem o método predominante de revisitar a análise de Marx. É assim que Perry Anderson procede em sua obra sobre o Estado absolutista (…) um modo de produção regido por uma lógica que não é a do capitalismo, na qual as relações econômicas não são dominantes” (p. 38). 

Como já foi apontado: as relações entre o Estado e a economia variam de acordo com o regime social de que se trate, e é um erro abordar a dinâmica da transição socialista com os tapa-olhos de seu funcionamento sob o capitalismo (“Engels, antropólogo”, https://izquierdaweb.com/engels-antropologo/). 

“Esse discurso trans-histórico sobre o Estado, a economia, as classes etc., pressupõe considerar o objeto estudado, o social, como uma realidade homogênea que atravessa os diversos modos de produção de forma indiferenciada e, ao fazê-lo, projetar em sociedades passadas categorias de análise que emergiram da sociedade moderna” (p. 38). 

A distorção vem de projetar no passado – sociedades pré-capitalistas – e no futuro – a transição socialista – o modo de funcionamento da economia e da política sob o capitalismo: uma circunstância em que a política é muito determinada pela economia, e não o contrário

Há aqui uma dupla confusão: a) A primeira é a que perde de vista o fato de que sem produção e reprodução material, econômica, até ecológica, nada mais existe, as outras esferas sociais não podem viver no ar fora da matéria. Uma leitura superficial do livro de Max Weber, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, por exemplo, poderia levar a essa unilateralidade antimaterialista de análise. Isso além do fato de que o livro de Weber não é apenas brilhante, mas uma espécie de provocação consciente contra a versão vulgar do marxismo de seu tempo, a da Segunda Internacional. Isso não significa que Weber era um materialista, porque não era: ele era um romântico liberal idealista. Mas muitas vezes suas análises funcionam mais como um complemento às  análises marxistas do que como uma oposição a elas (deixamos claro que não somos especialistas em trabalhos weberianistas; em muitos apontamentos sobre esse autor seguimos Michael Lowy, um marxista weberiano). Esse elemento básico da análise materialista é, de certa forma, “trans-histórico”, porque sem produção material não há mais nada. b) A segunda abordagem, a mais comum entre os marxistas, perde de vista o fato de que nem em todos os casos históricos a economia é determinante dos desenvolvimentos. Em todo o caso, temos de ver o que se entende por isto. Se se entender que, em última análise, a natureza e a economia são o que estabelecem os limites materiais para as coisas, tudo bem. Mas não podemos perder de vista que nos regimes sociais anteriores, e também na transição socialista, a determinação última vem da política, do caráter real do poder, embora esse poder seja inevitavelmente degradado em condições de escassez material – o materialismo sempre volta por seus foros

Portanto, houve muita confusão com a “última instância econômica“, misturando dois níveis diferentes: os limites estabelecidos pela economia, no que diz respeito à “eficiência” dos diferentes níveis da sociedade nos vários regimes sociais (esses dois níveis de análise foram deliberadamente misturados). 

“Uma das contribuições de Marx – e uma de suas originalidades para a época – é, ao contrário, sua percepção muito aguda das diferenças entre as sociedades pré-capitalistas e o capitalismo, particularmente no que diz respeito às formas de poder social. Diferenças que correspondem não apenas a variações nas chamadas superestruturas, mas aos próprios princípios de estruturação do social, de organização da sociedade” (p. 39). 

Os “próprios princípios de estruturação do social“, bem afirma Artous. A organização social varia, e não se trata apenas de alguma forma de “autonomia” do político em relação ao econômico (como geralmente é abordado no marxismo), mas a política opera na transição socialista como determinante último dos processos: o caráter do Estado é determinado pelo fato de que a classe operária está no poder. E isso mesmo que, é claro, o “castelo de cartas” do poder proletário (tão frágil que é no início da transição) venha abaixo se não forem desenvolvidas as condições materiais necessárias: a extensão internacional da revolução e o desenvolvimento das forças produtivas no país da revolução. Essa dialética complexa não foi compreendida nas versões padrão do marxismo revolucionário no pós-guerra

“A principal dessas diferenças está na separação, sob o capitalismo, das formas de propriedade das relações de soberania, enquanto o entrelaçamento das duas é característico das sociedades pré-capitalistas. ou, para colocá-lo em categorias modernas, a dissociação do poder político do poder econômico” (p. 39). 

Essa dissociação não estava presente nos regimes sociais anteriores ao capitalismo, e está ausente novamente na transição socialista: a propriedade estatal dos meios de produção e a soberania popular sobre eles devem se sobrepor para que a transição avance em direção socialista. 

“[O capitalismo funciona] em oposição, por exemplo, ao senhorio feudal, que cristalizou os dois poderes [econômico e político]. Mais precisamente: a exploração da comunidade camponesa derivava diretamente da dominação política (…)” (pág. 39). 

Assim como na antiguidade o direito de propriedade derivava do direito de cidadania, uma determinação política, no feudalismo a propriedade feudal, o direito de servidão, derivado de relações senhoriais de soberania: os direitos à terra detidos pelos senhores, e não o contrário, que os senhores tinham direitos porque tinham terra. Como se pode ver à primeira vista, as relações entre propriedade e soberania estão invertidas em relação ao esquema capitalista clássico. 

3- A política (“socialmente inserida”) como instância do universal 

“A teoria do Estado moderno como Estado representativo delineada pelo jovem Marx articula-se diretamente com uma perspectiva de emancipação que busca ultrapassar os limites da mera emancipação política” (p. 40). 

Em A Questão Judaica, Marx fala dos limites de uma emancipação meramente política que iguala os direitos formais, mas não abole as desigualdades reais. A emancipação política da população judaica proposta por Bruno Bauer não aboliu o Estado e as reais relações de desigualdade que ele acarreta e, portanto, não atingiu o nível de uma “emancipação humana” como apontou Marx. Ou seja, ao nível de uma emancipação de todas as relações de exploração e opressão

Além disso, Marx observa os limites burgueses da Revolução Francesa no sentido de que ela consagra direitos formais (o que não significa que sejam secundários segundo uma versão sectária que não é a nossa), como, por exemplo, na famosa “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão“, de 1789.  onde homem e cidadão aparecem como sinônimos quando não são. Assim, Marx diferenciou a emancipação política alcançada com a revolução burguesa (acabou com a servidão, distribuiu a terra, consagrou critérios penais de garantias etc.) da emancipação humana, que foi justamente o que a Revolução Francesa não havia conseguido: acabar com a exploração de seres humanos por outros seres humanos. Pelo contrário, a Revolução Francesa consagrou politicamente o trabalho assalariado (embora excluísse a escravidão, exceto nas colônias): “Todo homem pode comprometer seus serviços, seu tempo; mas não pode vender-se ou ser vendido; sua pessoa não é propriedade alienável” (“Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, 1793). Lembremos de passagem que essa segunda versão da Declaração foi mais radical que a primeira, na medida em que colocou o direito à igualdade como o primeiro direito natural.[7] 

“(…) esta visão do desaparecimento da política – muito influenciada pela problemática do socialismo utópico (Saint Simon) – coexiste com uma abordagem que faz da política um momento estratégico fundamental para a luta do proletariado (…) que põe em causa a abstração política moderna para incorporar (embora não dissolver) a política no social” (Artous refere-se a O Estado e a Revolução,  pág. 42). 

Durante a revolução e a ditadura do proletariado, a política obviamente não desaparece. Ao contrário, é o momento por excelência da universalidade da política do ponto de vista das perspectivas históricas da classe operária: sua elevação à classe histórica. Seus interesses históricos e imediatos aparecem fundidos em momentos de máxima tensão revolucionária

Outra questão é o que acontece com a política daí para frente. Podemos abordar a questão de duas maneiras: a) com a ideia de que, em última análise, será sempre uma área de “minorias”, que não diz respeito à totalidade da sociedade anteriormente explorada e oprimida. Nem todos se sentem chamados pela política. Lembre-se do problema apontado por Lênin dos “trabalhadores sem partido”, ou da lapidar afirmação de Trotsky “Você não vive apenas da política“. E b) com o conceito – que nos parece convincente – de que a política é irredutível a algo meramente “técnico”: a “administração das coisas” de que falava Engels

No que diz respeito à alínea a), é um fato que na transição socialista a aspiração é a máxima politização e culturalização possível da sociedade, que “cada último cozinheiro” gere os assuntos do Estado (Lênin). Desse ponto de vista, fica claro que a tendência não é ir além da política, mas ir além dos estreitos limites burgueses da política. Apreciá-lo como interesse majoritário; sua abordagem como instância universal, a “grande política” de que falava Gramsci em oposição à “política mesquinha” da rotina pequeno-burguesa de cada dia.[8] 

No que diz respeito à alínea b), não há forma de desaparecer as valorizações das questões sociais. Por isso, a política não pode ser reduzida à mera administração. O Estado desaparece e se extingue. Mas alguma forma de política como um reino de debate coletivo, como um reino de avaliações coletivas, permanecerá. 

Neste último sentido, Artous tem razão. Mas não a tem, ou duvidamos que a tenha, se sua insistência na política se sobrepõe demais a formas institucionais que não marcam uma clara ruptura com as formas parlamentares herdadas do Estado burguês. Essa dúvida permanece por causa da oposição que faz, que nos parece muito esquemática, entre democracia direta e democracia representativa, subjugando a ideia de que as formas soviéticas ou conselhistas implicam, em qualquer caso, uma combinação primorosa entre ambas as formas: formas diretas e formas representativas de representação propriamente ditas

Mas quando se trata de definir a natureza da democracia soviética, os revolucionários russos serão confrontados com outro ponto cego legado por Marx e Engels à tradição marxista: o do partido-classe e, em seguida, o do Estado-classe. Assim, foi somente na segunda metade da década de 1930 que, diante do Estado stalinista, Trotsky defendeu programaticamente a necessidade do pluripartidarismo: “Na realidade, as classes são heterogêneas e alcançam seus objetivos comuns apenas por meio da luta de tendências, agrupamentos e partidos” (Trotsky citado por Artous, p. 42). 

Já abordamos isso no artigo anterior sobre Artous. É verdade que em Marx e Engels a ideia de partido, ainda elementar, aparecia demasiado sobreposta à de classe, herança que Rosa Luxemburgo receberia acriticamente, daí sua cegueira em relação à necessidade do partido de vanguarda. 

No entanto, embora a insistência de Artous no sistema pluripartidário nos pareça correta, acreditamos que ele o faz a partir de uma concepção errônea que enfraquece a própria ideia de partido revolucionário em favor de uma certa lógica que poderíamos chamar de “democratizante”. Perde-se de vista o fato de que a “democracia” em si não é uma abstração descontextualizada, mas está sujeita a determinações (o conteúdo da política): há certas expressões democráticas que são de fato verbalizadas, com seus “pés” na própria ação, quando estão maduras; que não necessitam de ratificação “parlamentar”. A tomada do poder não é necessariamente votada em órgãos parlamentares, mesmo que sejam sovietes, isso é tático. Quando as condições são adequadas, nós fazemos. Quando Trotsky insistiu com Lênin que esperasse para realizá-lo no Segundo Congresso dos Sovietes, ele o fez por considerações estritamente táticas, não de princípio. Lembremo-nos  do erro democrático de Brandler no Outubro alemão, um erro que custou caro à revolução europeia e mundial (para não mencionar o custo que teve para a própria Revolução Russa). 

Brandler desativou a tomada do poder em outubro de 1923 porque havia perdido uma votação da assembleia na qual estavam presentes os representantes das forças burguesas e reformistas que compunham o governo da República de Weimar. Tanto Pierre Broué quanto Chris Harman têm obras valiosas sobre a Revolução Alemã. Harman insiste na ideia de que se trata de “uma revolução esquecida”, que se tivesse tomado outro rumo teria mudado toda a história do século passado (eventualmente, o nazismo e o stalinismo teriam sido evitados). 

“(…) uma perspectiva de domínio direto do indivíduo sobre o processo de trabalho. Rapidamente (…) Marx critica essa concepção e se esforça para especificar o que se entende por apropriação coletiva. A dificuldade será recorrente na tradição marxista” (p. 43). 

É claro que esse controle sobre o processo de trabalho na ditadura proletária é exercido, em primeiro lugar, no nível político geral e, nesse quadro, em todos os locais de trabalho a chamada “autogestão”, que é um erro abordar fora da instância política geral do Estado proletário. Essa segunda determinação não é simples, pois devido ao atraso cultural e das forças produtivas, exceto entre os trabalhadores mais politizados, a tendência de dar o mínimo de si e obter o máximo possível continuará (Lênin). 

Daí as hesitações dos bolcheviques nesse campo, que começaram com a direção coletiva – tripartite – das fábricas (gerência, sindicato e partido), e depois passaram para a direção única com controle do sindicato e do partido. 

A autogestão, por outro lado, não se refere a nenhum dos dois “modelos” mencionados acima, mas indica uma espécie de “gestão dos trabalhadores” da fábrica. Se nenhuma forma é perfeita, e em cada caso as circunstâncias de tempo e lugar terão de ser apreciadas, o que resta é que a lógica entre a instância política e o local de trabalho particular é uma via de mão dupla, onde o planejamento democrático centralizado impera se não quisermos que as unidades de produção sejam transformadas em cooperativas cuja mediação, em última análise, só pode vir do mercado

Por outro lado, também não se trata do plano central burocrático de ordens de cima que não são decididas por nenhuma esfera democrática (a chamada “economia de comando” burocrática). Mas o antídoto para essa circunstância não é a autogestão parcelária, mas uma verdadeira ditadura proletária que coloca os interesses políticos universais da classe operária acima de qualquer lógica corporativa.[9] 

Em suma: em toda revolução histórica este deverá ser um cenário de tentativa e erro onde o elemento determinante é se a classe operária está realmente no poder.[10] 

“O tema da separação do Estado político, da separação do Estado da sociedade civil – mais precisamente, da sociedade civil burguesa – está no cerne dos textos juvenis de Marx” (p. 49). 

É claro: Marx, via Hegel, percebeu a novidade radical do Estado capitalista baseado na separação entre economia e política, na transformação da sociedade civil (economia) em uma entidade autônoma e separada (desincorporada, segundo a feliz expressão de Polanyi). 

Para Marx, “(…) o estado moderno de que fala Hegel não é aquele universal concreto que realmente superaria as contradições da sociedade civil” (p. 50). 

Lógico: não é um universal concreto porque ainda representa uma camada privilegiada da sociedade (é apenas um “universal” abstrato). 

“Um longo artigo de Marx em julho de 1842 mostra claramente qual é o seu programa: fazer da política o elo por excelência através do qual a sociedade como comunidade humana pode ser constituída” (p. 51). 

A política é abordada nesse Marx democrático radical como instância do universal e do próprio democrático. Logicamente, Marx superou sua instância democrática radical transformando-se em comunista (revolucionário político e social). No entanto, a relação entre forma e conteúdo da revolução indica que Marx não abandonou seu ângulo democrático radical, mas o superou preservando-o (como diria Hegel) na perspectiva do autogoverno do proletariado (uma sociedade sem “jogo político” é inevitavelmente autoritária). 

“A referência à pólis antiga se tornará então constante na tentativa de pensar os fundamentos de uma sociedade humana. Ou seja, uma sociedade produzida pela atividade dos homens, que, para existir, não pode ser circunscrita à mera esfera das necessidades, mas deve instituir uma dimensão particular do social que possibilite a convivência: a política, justamente” (p. 52). 

A política, a polis, a cidade, como esfera de  assuntos universais  em oposição às particularidades da economia, da sociedade civil. Isso apesar de Marx insistir que a verdade da política, da sociedade, é o que acontece na sociedade civil, o que também é útil para não perder de vista que a polis se baseava no trabalho escravo, a pior forma de submissão humana (isso é esquecido, de certa forma, por uma pensadora afiada, mas liberal como Hannah Arendt). Parece que nos lembramos que o próprio Marx afirmava que a “democracia” grega era um clube político de cidadãos que distribuía entre seus membros os produtos da guerra, tributos, terras etc. Vidal-Naquet enfatiza que, apesar da abordagem politista da história grega, o artesão é o heroi secreto da história grega.[11] 

4- Da propriedade comunal (indefinida) à propriedade privada capitalista (absoluta) 

Além disso, é claro que na Grécia antiga não havia realmente uma “sociedade civil”, mas que a sociedade política era abrangente. Usamos aqui o conceito de sociedade civil como ilustração (a economia grega não pode ser devidamente estudada se for colocada fora do âmbito da cidade).[12] 

Vidal Naquet estabelece bem essas diferenciações: 

“(…) A distinção de Polanyi entre economias autônomas relacionadas à sociedade e economias mais ou menos integradas nela é importante. Explicita o ponto a que tendiam as análises de Weber e Hasebroek, isto é, a impossibilidade de estudar a economia grega isoladamente, abstraindo-se dos quadros sociais e institucionais da história grega” (Economía y sociedad en la antigua Grecia, Austin y Vidal-Naquet, ediciones Paidós, Espanha, 1986, p. 23).[13] 

Em seguida, Austin e Vidal-Naquet acrescentam algo que é ilustrativo: 

“(…) O conceito de “economia”, no sentido moderno, não pode ser traduzido para o grego, porque não existe. O termo oikonomia não tem o mesmo significado que a nossa palavra “economia” e, no entanto, o segundo vem do primeiro. Significa ‘gestão da propriedade familiar’ (o oikos) no sentido mais amplo do termo (se quisermos, economia doméstica), e não apenas em um sentido estritamente econômico” (ibid., p. 23). 

Vamos de Vidal-Naquet a Bensaïd, da economia à propriedade: 

“Todos os direitos consuetudinários dos pobres repousavam no fato de que a propriedade [comunitária] era de caráter indefinido, sem ser determinada nem como propriedade privada nem verdadeiramente como propriedade comum: era uma mistura de direito privado e público, como encontramos em todas as instituições da Idade Média” (Marx, citado por Artous, p. 53). 

É claro que no feudalismo a confusão entre direito privado e direito público continua. Os direitos consuetudinários dos pobres eram uma forma de propriedade de fato sobre a qual o capitalismo avançaria porque não tinha uma consagração jurídica clara. Bensaïd fala dos “direitos dos comuns” para esse tipo de propriedade ligada ao uso da natureza, exatamente o mesmo tipo de direitos consuetudinários que Marx denunciou em seus primeiros escritos como sendo subjugados pelas decisões dos órgãos legislativos no início do século XIX na Renânia: “Com a supressão do emaranhado de direitos pessoais e coletivos que são exercidos sobre o mesmo bem, manifesta-se uma oposição entre duas concepções antagônicas de propriedade, que deveria ser resolvida em benefício do domínio absoluto do proprietário privado” (Daniel Bensaïd, Los desposeídos. Karl Marx, los ladrones de madera y los derechos de los pobres, 2011; 18), brilhante ensaio sobre a evolução histórica da propriedade privada capitalista e os debates e lutas em torno dela

Bensaïd acrescenta que Marx reclamava que os direitos consuetudinários dos pobres se baseiam no fato de que um certo tipo de propriedade tinha um  caráter indefinido  que não determinava se essa propriedade era, em última análise, privada ou comum. A brutal supressão das formações híbridas e incertas da propriedade implica a abolição simultânea das obrigações para com os pobres dessa propriedade indefinida. E acrescenta ainda que a indeterminação de um certo tipo de propriedade (híbrida e indefinida) a meio caminho entre a propriedade privada e a propriedade comunal, correspondia a formas feudais de socialização da terra. Os direitos de utilização dos bens comuns diziam principalmente respeito à criação de gado (direito de passagem, pastoreio, limpeza) e à exploração das florestas (recolhimento de madeira morta). 

Ele acrescenta que, ao contrário do conceito moderno de propriedade, que é ativo, o conceito de propriedade antiga (feudal) tinha elementos de um modo passivo de posse: o movimento de cercamento (a apropriação de terras comunais por grandes proprietários) iniciado na Inglaterra a partir do final do século XV, não recebeu unção legal até o século XVIII. Então a própria lei tornou-se o instrumento da pilhagem (Ernest Bloch, Droit natural et dignité humaine. Em Los Despossuídos….; 21). 

O marxista francês acrescenta outra referência nítida. Ele ressalta que, por meio dos costumes, a “classe pobre” sabia tomar instintivamente a propriedade por seu lado indefinido para satisfazer suas necessidades naturais. Considerava “as esmolas da natureza” como sua propriedade legítima; o direito consuetudinário é também a expressão do equilíbrio de forças: “(…) Marx vai se distanciar do conjunto das correntes democráticas radicais (…) jamais pensará na emancipação humana como a realização dos princípios do direito moderno e, em particular, daquilo que o estrutura: o princípio da igualdade” (p. 54) (considerado como o princípio da igualdade entre os proprietários, não como parte da abolição da propriedade em si, acrescentamos). 

Artous refere-se aqui ao princípio da igualdade formal, ou seja, da equalização no âmbito do direito e do direito político (público) do que é desigual no âmbito da sociedade civil: exploradores e explorados, donos da propriedade dos meios de produção e aqueles que são apenas donos de sua força de trabalho

Bensaïd acrescenta que, em meio à radicalização da Revolução Francesa, 1793/4, nas condições muito duras da guerra contra potências estrangeiras, a oposição entre o direito de propriedade e o direito de existência levou a um ponto de ruptura (isso é extremamente interessante). É em nome dessa “economia política popular” que Robespierre respondeu em um discurso de 10 de maio de 1793 aos argumentos dos economistas liberais. 

Em seguida, acrescenta que, além do fato de que a emancipação política é uma emancipação parcial, é também um grande progresso, e devemos levar a sério o que a Revolução Francesa colocou na ordem do dia (embora não tenha conseguido resolvê-la): a realização de uma verdadeira emancipação humana (p. 57). 

Aqui voltamos ao alcance e aos limites da Revolução Francesa, numa abordagem nem sectária e nem embelezadora. Por um lado, é uma revolução irredutivelmente burguesa: o que ela conquista, no final, é a emancipação política da burguesia, sua tomada do poder do Estado, bem como o domínio da propriedade privada e a economia liberal irrestrita (fim dos privilégios feudais e aristocráticos; fundação de uma “aristocracia” da propriedade privada capitalista). Conclusão: a emancipação é apenas política; a intangibilidade da propriedade privada não garante a emancipação geral. 

Por outro lado, a emancipação política, os direitos “antitotalitários” de imprensa, de reunião, de organização, de levante contra a opressão (esta última vem da herança do direito natural burguês)[14] são consagrados como direitos democráticos que devem ser defendidos de qualquer subjugação e contra os quais não se pode nem deve ser sectário (ao estilo de Althusser). Sacristão coloca assim: 

Uma revolução é o ato mais autoritário que existe, segundo a frase de Engels que repito agora. De qualquer forma, além disso (…) uma terceira questão me parece estar dando o pontapé inicial, que é a do desprezo pelas liberdades formais. Acreditar que isso é uma coisa “de esquerda e revolucionária” é uma das muitas deformações ideológicas stalinistas. Vem do período Stalin, quando as liberdades individuais dos cidadãos soviéticos foram cerceadas não por causa do esquerdismo, mas por causa do direitismo aberto” (Sacristan; Antologia; 323). 

Além disso, o gesto emancipatório não satisfeito pela revolução vai além da revolução mesma: é o que a Conspiração dos Iguais, antecipatória dos movimentos socialistas modernos, expressará. 

O próprio conceito de “propriedade” é interpretado de diferentes maneiras à medida que os desenvolvimentos ocorrem. Bensaïd aponta que, durante a Revolução Inglesa de 1649 (a primeira revolução burguesa, ou a segunda, se tivermos em mente a Revolução Holandesa), os Levellers consideravam a propriedade de cada pessoa de sua própria pessoa como o fundamento das constituições, e não o contrário: “Ser livre é ser proprietário de si mesmo e, por extensão, dos meios e produtos do seu trabalho” (Los Despossuídos…., idem, 27[15]). Ela aparece como o oposto do conceito original de Marx de alienação do trabalhador nos Manuscritos, mas no último caso era uma propriedade estranha ao trabalhador

Bensaïd aponta que, em 1649, a radicalização do processo revolucionário levou os Levellers a fazer do velho direito dos pobres, e da restauração das terras comunais em benefício dos pobres, uma questão central. Acrescenta que, em resposta a essa convulsão revolucionária, Thomas Hobbes se esforçou para colocar a propriedade privada fora das mãos dos opositores em nome do direito natural igualitário. Para ele, a propriedade é uma instituição fundada e garantida pelo Estado. E, no entanto, paradoxalmente, “Hegel voltará a afirmar, em seus Princípios da Filosofia do Direito, o primado do ‘direito de miséria’ sobre o direito de propriedade” (ibid., p. 29), colocando-se à esquerda de Hobbes e do “direito natural” liberal. 

Bensaïd aponta em Los Despossuídos… (o que se segue é uma paráfrase quase literal desta obra) que os artigos de Marx sobre roubo de madeira constituem a primeira incursão de Marx nas controvérsias, que estão então no apogeu, sobre a definição e os limites do direito de propriedade; uma das contribuições mais importantes é o livro de Proudhon, de 1840, O que é propriedade? Desde o século XVII, com as revoluções inglesa e holandesa, a transformação das formas de propriedade e o surgimento de uma nova divisão entre público e privado tornaram-se um tema quente. A Revolução Francesa sacralizou constitucionalmente a propriedade privada, considerada no espírito revolucionário liberal como fundamento e garantia da liberdade individual do cidadão, antes de dessacralizá-la de fato, tornando oponível o direito à existência, especialmente por ocasião do estabelecimento de um preço máximo do pão e das necessidades básicas (máximo) imposto sob a pressão da sans-coulotterie do Ano II (ou seja, antes da radicalização máxima da revolução em 1793/4).[16] Como sua própria legitimidade havia se tornado problemática, o Código Civil Napoleônico foi aplicado para “definir tudo o que possa dizer respeito ao exercício do direito de propriedade, um direito fundamental sobre o qual repousam todas as instituições“. O artigo 544 da Constituição define a propriedade como o “direito de gozar e dispor das coisas da forma mais absoluta no âmbito da lei“. Liberta, assim, o direito de propriedade das obrigações e limites habituais ou familiares

O debate volta a cobrar atualização depois do grande horror burguês das jornadas de junho de 1848. Em setembro do mesmo ano, Louis A. Thiers publicou seu livro de memórias Da propriedade, que definia a propriedade privada como o fundamento de um direito ilimitado, exclusivo e absoluto sujeito ao capricho de uma pessoa, que pertence ao proprietário “com exclusão de qualquer outro”... Essa triunfante concepção termidoriana de propriedade é uma vingança dos vencedores de junho contra o espírito de Rousseau, que inspirou os Convencionais na tempestade de 1793. O Discurso sobre a Origem da Desigualdade, então, obceca a revolução. “O primeiro que, tendo cercado um pedaço de terra, ousou dizer que este é meu, e encontrou pessoas simples o suficiente para acreditar nisso, foi o verdadeiro fundamento da sociedade civil.” Como instituição social, então, a propriedade tem uma história, e sua ideia “não foi formada de uma só vez na mente humana“. O direito perene do cultivador aos meios e produtos de seu trabalho havia facilmente “transformado” a simples posse em propriedade. À medida que as relações mercantis se difundem, à medida que se afirma a penetração do capital na esfera da produção, se confirma a separação entre o trabalhador e os meios de produção, à medida que o capital encontra seu fundamento, o próprio sentido da noção de propriedade se transforma. Para o liberalismo em seus primórdios, significou o fundamento da autonomia individual e a passagem da sujeição feudal para a cidadania moderna. Para o capitalismo que atinge sua maturidade, significa o direito de apropriação privada dos meios de produção e a privação (despossessão) do trabalhador, não apenas de sua terra ou de seus instrumentos de trabalho, mas de sua própria pessoa, que passa a ser obrigada a vender sua força de trabalho no mercado. É essa contradição inscrita na polissemia da palavra propriedade que Proudhon expõe em seu ensaio de 1840, além do fato de que a propriedade privada capitalista não é um simples roubo, mas tem seu fundamento na exploração capitalista do trabalho (o pagamento, simplesmente, da força de trabalho e a apropriação capitalista na produção do trabalho excedente; este último trecho seria o “roubo” que é o fundamento da propriedade moderna capitalista em sua forma mais elevada, o capital). 

Em suma, este é o curso histórico da propriedade privada capitalista, cujo fundamento último não está no plano jurídico, mas na exploração privada (pelos proprietários privados dos meios de produção) do trabalho assalariado. 

No entanto, a história daria um passo além, embora ainda não resolvida: com a Revolução Russa, a propriedade privada capitalista passaria para a propriedade nacionalizada e politizada dos meios de produção, o que acabaria por levar a dois caminhos alternativos: a) à dissolução de todas as formas de propriedade por meio da socialização da produção;  ou b) o que acabou acontecendo: a apropriação da propriedade nacionalizada pela burocracia para seus próprios fins, a propriedade estatal politizada sem a participação da classe operária em sua gestão como mais uma forma de novas imposições sociais, de novas desigualdades. 

Bibliografia 

Austin e Vidal-Naquet, Economía y sociedad en la antigua Grecia. 

Artous, Marx, O Estado e a Política, Sylone, Barcelona, 2016. 

Daniel Bensaïd, Los desposeídos. Karl Marx, los ladrones de madera y los derechos de los pobres, Prometeo Libros, Buenos Aires, 2011. 

Finley, Los griegos de la Antigüedad, Maximus College, Faculdade de Filosofia, seleção de capítulos, Google. 

Ariel Petruccelli e Salvador López Arnal, Antologia (essencial) de Manuel Sacristán Luzón, Editorial Marat, Buenos Aires, 2022. 

Kohei Saito, O ecossocialismo de Karl Marx. Capitalismo, natureza e a crítica inacabada a economia política, Boitempo, São Paulo, 2021. 

Patrick Silberstein, La revancha du chienenragé, Syllepse, Paris, 2021. 

Notas 

[1] Patrick Silverstein faz uma interessante reflexão sobre o caráter enganoso – e até cínico e atrevido – da constituição stalinista de 1936. A chamada “constituição mais democrática do mundo“, na realidade, legitima o partido único e a expropriação do poder político do proletariado, via consagração jurídica da abolição desse poder, o que já ocorreu de fato com o esvaziamento dos sovietes como base constitucional do poder proletário (La revancha du chienenragé). 

[2] J.M.V. foi um cientista político marxista já falecido, originalmente um militante da LCR francesa que mais tarde a deixou e empreendeu esforços editoriais como a conhecida revista Futur Anterior na companhia de Tony Negri. Tem certos elementos críticos dos Estados burocráticos que vão na direção certa, mas outros elementos “pós-modernos” ou “céticos” contra a ação política que não nos agradam (“El trotskismo en la historia“, 2005, Viento Sur). 

[3] O conceito de Polanyi é que nos regimes sociais anteriores a economia estava “embutida” no resto das esferas sociais, que somente sob o capitalismo ela “desembute” e adquire autonomia própria. Assim, também, a economia política apareceu como uma ciência independente somente após o surgimento do capitalismo. 

[4] É por isso que havia cidadãos pobres em Roma sem nenhuma propriedade, bem como uma plebe branca despejada no sul escravocrata dos Estados Unidos, que formavam fileiras nos exércitos da Confederação escravista com base em seu ressentimento contra os negros. 

[5] Uma das tarefas de Engels no Anti-Dhüring foi, por exemplo, defender a ordem de prioridade materialista de análise sem deixar a dialética de lado. Eugene Dhüring, professor alemão e charlatão da moda nos círculos socialistas na década de 1870, era conhecido por inverter relações causais ao romper com o materialismo. Mas essa mesma inversão das relações causais também pode ser encontrada em pensadores contemporâneos como Foucault ou aqueles marxistas que insistem nas “leituras políticas do Capital ” (Negri, por exemplo)

[6] Alguns grupos trotskistas não se cansam de repetir idiotices althusserianas ou alemãs sobre o balanço do stalinismo (ou melhor, sobre o não balanço do stalinismo, mas seu embelezamento final). 

[7] Toda a filosofia política do surgimento da modernidade é marcada pela teoria dos direitos naturais. Ou seja, os direitos que toda pessoa supostamente teria ao nascer, uma teoria que em relação ao feudalismo era progressista, mas conservadora em relação à perspectiva anticapitalista, socialista. Autores como Galvano della Volpe e o marxista Lucio Colleti, que conhecem profundamente Rousseau, apontam que em Rousseau há uma evolução que o leva além da interpretação conservadora dos direitos naturais versus a outra interpretação que o deixa, irredutivelmente, como um pensador “liberal” (as obras de referência são Rousseau e Marx,  do primeiro, e De Rousseau a Lênin, o segundo). 

[8] É preciso diferenciar a mesquinhez da política burguesa cotidiana, seu rotina, sua “lama”, seu instrumentalismo, das grandes aspirações universais e dos grandes problemas, que são a perspectiva da política revolucionária (que não nega que é necessário lidar com os problemas da vida cotidiana, é claro)

Sobre esse instrumentalismo – que também infectou o reformismo e o stalinismo – Sacristán é incisivo em relação a um orador em uma de suas palestras que o fazia um discurso demagógico: “(…) estás fazendo política no mau sentido da palavra, ou seja, estás me instrumentalizando” (Antologia (essencial) de Manuel Sacristán Luzón; Petruchelli e Arnal; pág. 325). Instrumentalizar significa abordar uma questão com segundas intenções fora de suas razões originais (autênticas, naturais, essenciais). 

[9] É essa posição geral que mostra a incorreção de opor o Estado burocrático à autogestão no estilo da ex-Iugoslávia (de todo modo não somos especialistas no assunto). A questão, afinal, não é a autogestão: é que o Estado de transição é uma verdadeira ditadura proletária. Em outras palavras, a questão final não está na esfera econômica, mas na política

[10] Repetimos para deixar claro: cabe aqui a discussão sobre as formas de autogestão, que para nós têm duas determinações: a) não servem para compensar as coisas se a classe operária não estiver no poder, b) no caso de uma verdadeira ditadura proletária, a autogestão deve ser enquadrada dentro dos objetivos coletivos do Estado operário e da planificação para não se tornar uma mera cooperativa, que é uma forma burguesa de propriedade, em suma. 

[11] Mas, como vimos, ele era um heroi não reconhecido, porque sob os gregos o trabalho era desprezado (eles nem sequer tinham um conceito unificado de trabalho, apenas a abordagem concreta dos diversos trabalhos). 

[12] Outra observação pedagógica de Vidal-Naquet é que a história política é uma invenção antiga que remonta aos historiadores gregos. Ele ressalta que Tucídides deu aos dados econômicos apenas um lugar limitado na história de seu tempo. Para ele, a verdadeira história e sua análise são colocadas em um plano superior, o da política. A história econômica terá que esperar para ser inventada (descoberta), em outras condições, pelos economistas clássicos dos séculos XVIII e XIX

[13] Vidal-Naquet afirma que Weber tomou conhecimento desse fenômeno quando foi contra o economicismo tosco de seu tempo (o da Segunda Internacional) em suas análises. No entanto, ele acrescenta que teve pelo menos um enorme antecessor: o Marx dos Grundrisse (embora esse texto não fosse conhecido antes de 1939). 

[14] O uisnaturale é progressista em relação ao feudalismo, e limitado, regressivo, em relação à perspectiva socialista. Progressista porque não reconhece privilégios além dos “naturais” (qualificações de cada um, propriedade de cada um, direitos políticos de cada um, etc.). Limitada e regressiva porque só reconhece que: toma como certa a desigualdade social de origem e a existência de proprietários e não proprietários (um dos principais direitos naturais é o da propriedade privada). 

[15] Levellers: O nome surgiu durante as rebeliões agrárias em 1607. Mais tarde, designa a ala igualitária radical da Revolução Inglesa de 1647-1653. Eles encontraram seu principal ponto de apoio entre artesãos, comerciantes, soldados a pé, trabalhadores independentes, etc. No século 19, a palavra foi usada para estigmatizar os “comunistas, os vermelhos, os reparticionistas”. Por outro lado, outra ala de esquerda, ainda mais radical, surgiu durante a Revolução Inglesa: os Diggers, que simplesmente defendiam a propriedade comum

[16] Salientemos que as tradições revolucionárias da França são enormes. Na França, paradoxalmente ao contrário da Rússia (ex-URSS), as conquistas da revolução foram consagradas de forma infinitamente mais profunda. Isso remete à infinita obra histórica destrutiva do stalinismo, algo que se falássemos ética ou religiosamente poderíamos considerar como “sem o perdão de Deus”, dada sua profundidade: “Quais eram as outras perguntas? Se o stalinismo foi a ditadura do proletariado? Aqui eu discordo de você, embora você tenha feito o ponto de salvação sutil para que eu pudesse entender que houve muitas formas de ditadura burguesa e então eu poderia dizer que isso também tinha sido uma forma de ditadura do proletariado. Eu digo não: o stalinismo foi uma tirania sobre a população soviética, uma tirania assassina sobre o proletariado soviético, e permanecer nostálgico por isso é estúpido e criminoso” (Antologia Essencial de Manuel Sacristán Luzón, p. 324). 

É um paradoxo, repetimos, que as conquistas da Revolução Francesa (burguesas) sejam consagradas ainda que não deixem de ser objeto de disputa tanto à direita (questionando as liberdades democráticas, questionando o Terror), quanto à esquerda (questionando a propriedade privada, etc.), enquanto as conquistas da Revolução Russa devem ser resgatadas e relançadas neste século XXI; “refundando-os”, por assim dizer (a perspectiva da propriedade comum e o desaparecimento do Estado, o comunismo)

 

Traduzido por José Roberto Silva do original em https://izquierdaweb.com/la-filosofia-politica-marxista-como-herramienta-anti-estalinista-parte-1/