Apontamentos sobre a situação mundial

Ofensiva conservadora e bipolaridade

Movimento de mulheres e juventude dão a tônica da resistência mundial

POR SARA VIEIRA e ANTONIO SOLER

Na Conferência da Corrente Internacional Socialismo ou Barbárie realizada em Buenos Aires (Argentina) entre os dias 24 e 27/02, tivemos a oportunidade de discutir a conjuntura política internacional a partir das contribuições de companheiros que militam na América Latina e na Europa.

Identificamos que a economia mundial tem apresentado dificuldades de recuperação efetiva desde a crise 2008, isso mesmo com a recuperação de países centrais (EUA, Alemanha e Japão) depois de 10 anos de uma longa depressão. Devido a uma série de fatores não podemos falar com segurança que a crise vivida desde 2008 tenha chegado a seu fim. Visto que o crescimento tem se concentrado nos ativos financeiros, propriedades e bônus das dívidas públicas, que o endividamento das empresas chega a 5 vezes o seu investimento e que há uma tendência mundial à queda da taxa de lucro e das taxas de acumulação de capital. A massa nominal de lucro tem crescido, mas em base ao capital fictício, sem que esse isso signifique ganhos efetivos de produtividade, o que não permite uma recuperação estrutural e prepara novos repiques para baixo. Além dessa série de fenômenos, analistas indicarem que a “globalização econômica” começa a demonstrar seus limites, pois as cadeias locais de produção, circulação e troca passam a se tornar mais lucrativas do que a escala global.

Assim, as dificuldades estruturais para a recuperação econômica estão postas e não são de fácil solução, por isso a economia mundial se caracteriza por uma “bipolaridade” que a faz oscilar entre curtos momentos de recuperação seguidos de novas quedas. Essa instabilidade econômica acaba tendo consequências terríveis para a classe trabalhadora, pois acarreta mais arrocho salarial, mais cortes de investimentos públicos nos serviços sociais, destruição dos sistemas de seguridade social e demais garantias em todo o mundo, configurando a devastação do que se denominava como walfere state (estado de bem-estar social). Desta forma, para garantir as condições melhores de lucratividade os governos burgueses operam uma verdadeira “guerra econômica” permanente contra a classe trabalhadora. Além disso, associados com os setores mais reacionários da classe dominante em várias partes do mundo, notadamente na América Latina, no Norte da África e na Ásia, para garantir tais condições econômicas empregam ataques não somente econômicos, mas diretamente políticos que fazem com que os regimes democráticos burgueses sejam esgarçados pela direita ou mesmo abertamente suplantados por regimes autoritários. 

Porém, esse conjunto de fatores que pressiona enormemente a situação política mundial provoca movimentos de reação por parte da classe trabalhadora e dos oprimidos em geral – com particular ênfase para o movimento de mulheres nos últimos anos. Isso, apesar de que essa reação dos de baixo não conte com uma subjetividade (ausência de uma consciência política autenticamente socialista) que nos permita dar passos no sentido de questionar diretamente a democracia burguesa e colocar em jogo uma alternativa socialista construída desde baixo ao capitalismo. Condição estrutural que dificulta aos movimentos de resistência das massas apresentarem diretamente a luta por mudanças estruturais da sociedade, o que permite com que a classe dominante retome a ofensiva após impressionantes explosões político-sociais.

Instabilidade e alternativa desde baixo

Verificamos na última década na América Latina e em outras partes do mundo a ascensão de governos de conciliação de classes, tais como a do lulismo no Brasil, Kirchenerismo na Argentina, Chavismo na Venezuela e do Syriza na Grécia que combinaram políticas neoliberais e de compensação social e não deram passos concretos no sentido de nenhuma reforma estrutural, daí que os caracterizamos como reformismos sem reforma. Essa configuração política na qual a luta de classes foi capturada (processos de reabsorção das Rebeliões Populares que não se configuraram em verdadeiras revoluções passivas) por essas formações políticas governamentais, diante da profunda crise econômica mundial e do soerguimento de movimentos de direita – visto nitidamente o caso brasileiro – criaram as condições para o avanço da direita e implantação de governos reacionários que tem intensificado ataques aos trabalhadores.

Neste contexto mundial de avanço do conservadorismo e da manutenção de polos de resistência alguns setores têm sido protagonistas, dentre eles temos que destacar o movimento internacional de mulheres. Apesar de historicamente ser um setor muito combativo e preambular importantes movimentos da classe trabalhadora, verifica-se um protagonismo político inaudito do movimento de mulheres nos últimos anos. O que tem colocado este setor como catalizador das lutas de todos os explorados e oprimidos em todo o mundo. Papel que cabe historicamente ao movimento operário, mas nessa época de crise de subjetividade socialista o feminismo tem cumprido episodicamente e parcialmente esse papel. 

As bandeiras defendidas por este acabam por oferecer resistência aos ataques feitos ao conjunto da classe trabalhadora, haja vista a participação massiva das mulheres e dos movimentos feministas na luta em defesa dos diretos trabalhistas no Brasil, por exemplo. No entanto, a presença pouco marcante da classe trabalhadora, particularmente a classe operária, nas lutas de resistência dificultam sua radicalização e possibilidades de vitórias contundentes contra os ataques econômicos e políticos às condições de existência das massas trabalhadoras. A modo de exemplo, quando verificamos os processos de rebelião popular em várias partes do mundo, a ausência da classe trabalhadora como agente político independente fez com que esses processos se sustentassem, não avançassem para a superação dos regimes democráticos burgueses ou outros regimes a serviço do capitalismo. O que reafirma a tese clássica da centralidade da autodeterminação da classe trabalhadora para os processos de resistência e transformação. No entanto, nenhuma forma de conservadorismo político contribui para relançar um movimento socialista radical em nível internacional. É preciso que reconheçamos o papel dos novos setores dinâmicos da luta de classes no Brasil – vejamos o papel político que o movimento dos sem-teto tem cumprido nos últimos anos em nosso país – e no mundo e nos apoiemos nele para desenvolvermos as lutas imediatas e preparar as lutas estratégicas, dialogando com a classe trabalhadora e impulsionando que essa se organize de forma autodeterminada dos patrões e da burocracia.

Vivemos então uma instabilidade internacional no campo da economia e da política que está ligada às dificuldades de reação econômica dos países que ainda se encontram em recessão, aos ataques às condições de vida da classe trabalhadora, à tendência aos conflitos mundiais e uma ruptura da ordem dos estados e à tendência ao esgarçamento da democracia burguesa e imposição de mecanismos políticos de exceção. Este conjunto de elementos tende a levar ao acirramento da luta de classes em todo o mundo exemplificados na marcha contra Trump encampada pelas mulheres, na luta pela independência da Catalunha e nas radicalizadas jornadas de luta contra a reforma da previdência na Argentina e no Brasil – no que pese o papel nefasto da burocracia sindical brasileira que freou e desviou o poderoso processo de resistência em 2017.

Dentro dste contexto de ofensiva da classe dominante, a resistência em várias partes do mundo, com eclosões espasmódicas de lutas massivas têm impedido, até o momento, que este claro giro à direita da situação mundial se desdobre em governos abertamente fascistas ou em uma derrota estrutural dos trabalhadores e dos oprimidos. Devido a essas contradições, apesar da situação política mundial caracterizar-se por um claro giro à direita, não vemos que uma situação reacionária tenha se imposto de forma acachapante e imposto derrotas estruturais aos de baixo.

Pensamos então que a situação política mundial se caracteriza numa situação conservadora na qual as contradições observadas colocam conjunturas onde as lutas massivas podem ganhar relevo e predominar em algumas partes do mundo ou região. Embora sejam estes fenômenos de resistência, temos que nos preparar para lutas ainda mais duras no próximo período. Estes são processos que requerem ênfase na unidade de ação para a defesa dos direitos econômicos e democráticos e na construção de frentes de esquerda e de outras alternativas políticas independentes da burocracia para que a esquerda possa empalmar politicamente a busca de alternativas mais radicais de setores de massa, aja vista a maior capilaridade da esquerda radical em várias partes do mundo nos últimos anos. Não podemos perder de vista que apesar de minoritários, contraditoriamente ao avanço mundial do conservadorismo, estamos diante de importantes fenômenos de refundação política do movimento socialista em várias partes de mundo.

No Brasil, diante desse cenário de ofensiva burguesas – que em nossas terras faz-se abertamente reacionária -, de resistência dos de baixo e de abertura política para iniciar um processo de superação do lulismo, temos desafios que vão da reversão de todas contrarreformas, passaando pela defesa das condições básicas de vida dos trabalhadores (emprego, salário, moradia, educação, saúde e igualdade de gênero e racial) e indo até a refundação da esquerda socialista. Por isso, pensamos que a frente político-eleitoral que está sendo construída entre o PSOL e o MTST para lançar Guilherme Boulos a presidente constitui uma oportunidade verdadeiramente histórica diante da debacle política do lulismo. Porém, para que não caia em mais uma experiência política fracassada pela incapacidade de transformação efetiva da realidade, é uma candidatura que tem que ir para além de um programa de medidas parciais que não atinjam as causas estruturais da crise econômica e política em que vivemos. Ou seja, é preciso desenvolver um programa que parta da concepção de que a satisfação das necessidades dos trabalhadores e dos oprimidos passa de maneira incontornável por medidas anticapitalistas e pela mobilização direta, ou seja, um conjunto de propostas organicamente integradas que permitam a transição social realizada pelos de baixo.