Resistência nas ruas decidirá o destino da Bolívia

Toda solidariedade ao povo boliviano que enfrenta heroicamente o golpe de estado com suas próprias forças  

ANTONIO SOLER

Os povos originários, os trabalhadores, as mulheres e a juventude na Bolívia estão enfrentando um golpe de estado de conteúdo racista, reacionário, fundamentalista e imperialista. O destino do povo Boliviano e, em grande medida, de todo o povo explorado e oprimido da América Latina está sendo jogado nesse exato momento no tabuleiro da luta de classes do país andino, que tende a uma guerra civil, de fato.

A crônica do golpe de estado

Evo Morales (Movimento ao Socialismo – MAS) tentou um quarto mandato presidencial – o que não está previsto na constituição boliviana – através de um plebiscito, mas neste foi derrotado. No entanto, não se deu por satisfeito e conseguiu junto à Suprema Corte e ao Tribunal Eleitoral, órgãos que tem maioria, uma brecha para participar da eleição de outubro desse ano.

O resultado eleitoral das eleições de 20 de outubro, depois de irregularidades na contagem dos votos, deu a vitória para Evo em primeiro turno. Inconformada, a oposição de direita reagiu com uma série de ações violentas. A partir daí, a OEA em uma auditoria – nada isenta – fez um relatório confirmando irregularidades e pedindo novas eleições, o que foi aceito pelo governo de Evo. 

Mas, nesse momento já estávamos em meio a um golpe de estado, com as violentas ações da direita racista, com a polícia em franca desobediência e o alto comando das forças armadas “aconselhando” o governo a renunciar.

Nesse momento já estávamos em meio a um golpe de estado, com violentas ações da direita racista, a polícia e as forças armadas em franca desobediência e o alto comando das forças armadas “aconselhando” o governo a renunciar.

Diante desse golpe, Evo e todo o seu gabinete e chefes de seu partido no parlamento, ao invés de se colocarem à frente a resistência, renunciam alegando que queriam “evitar derramamento de sangue”. Deixando, assim, as portas abertas para que o golpe racista, fundamentalista e imperialista fosse consumado.

O gran finale dessa ópera ultrarreacionária foi a autoproclamação como presidente da senadora Jeanine Añez, eleita pelo Plano Progresso para Bolívia-Convergência Nacional (PPB-CN). A senadora fundamentalista entra no congresso carregando ostensivamente uma bíblia, se autoproclama presidente em uma sessão sem quórum e, logo em seguida, vai pedir à benção dos chefes militares.

Essa brevíssima crônica é para dizer o óbvio, ou seja, que não se pode fazer, como fazem a imprensa burguesa e até setores da esquerda socialista, um sinal de igual entre as manobras de Evo e o golpismo ultrarreacionário.

Esse último teve como motor a agitação violenta de setores da classe média dirigidos por grupos fundamentalistas, que atacaram a população originárias e representantes desta no governo e no parlamento, a total insubordinação das forças de repressão e do exército e a perda explícita de sustentação do governo no alto comando das forças armadas. Um conjunto de fatores internos que também contou com o apoio do imperialismo e dos governos protofascistas da região, a exemplo de Jair Bolsonaro.

Um golpe de estado para impor retrocessos históricos

Como sabe toda a população originária, os trabalhadores e os oprimidos, que estão bravamente resistindo nas ruas, a usurpação violenta do poder por esse bloco de extrema direita não é apenas para tirar Evo do poder e garantir uma “eleição democrática”.

Longe disso. Querem fazer retroceder as conquistas sociais – como políticas de bolsas, subsídios e direitos sociais e culturais – que não foram concessões de Evo, mas sim obtidas pela dura luta de classes travada pela maioria da população boliviana.

Não é a toa que desde a autoproclamação de Jeanine Añez como presidente milhares ocupam as ruas todos os dias em La Paz, El Alto, Cochabamba e nas principais cidades para exigir o fim do golpe, a renúncia de Añez, o restabelecimento das garantias democráticas e a volta de Evo.

O jogo que está sendo jogado na Bolívia desde o começo é de vida ou morte. Está no tabuleiro político a imposição de uma ditadura burguesa, racista e fundamentalista versus a manutenção dos direitos democráticos e civis, de organização e de luta dos trabalhadores e originários bolivianos.

Uma luta de vida ou morte em curso

As massas sabem que dessa presidente, do seu gabinete e do TSE – todos comprometidos até a medula com o golpe de estado – sairá um processo eleitoral totalmente comprometido, uma fraude para fazer ser eleito um representante da minoria da população.

Por essa razão, mesmo em condições ainda de extrema desigualdade, não param de lutar. Já são mais de 20 mortos pela política e pelo exército desde o golpe de estado, mas as heroicas massas não dão sinal de que irão refluir.

Nesse sentido, cabe uma dura critica à postura de Evo e dos chefes do seu partido, que fizeram manobras para disputar as eleições e, portanto, o poder. Mas, diante do processo golpista, não procuraram mobilizar as massas em favor do seu governo ou das conquistas democráticas, abandonando-as à própria sorte. Ou seja, agiram da mesma forma que a ampla maioria das correntes reformistas/burocráticas.

Quando estão no poder reprimem as justas reivindicações dos trabalhadores, mas quando sofrem golpes reacionários “confiam nas instituições” e não apostam na mobilização dos explorados e oprimidos. Esse é um comportamento político que está no DNA dos reformistas sem reformas e dos burocratas.

De outro lado, temos os dirigentes da Central Operária Boliviana (COB) que capitulam diante do golpe de estado e, até agora, não fizeram nada para organizar a poderosa classe trabalhadora mineira para derrotar o golpe, mesmo estando diante dos vários mortos e da dura repressão.

Como toda burocracia sindical/política, essa tem em sua história vários exemplos de traições do movimento, mas muitas vezes, por pressão desde suas bases, é obrigada a reagir e organizar jornadas de luta.

É exatamente isso que temos que exigir, ou seja, que saiam dessa vergonhosa passividade e abram caminho aos mineiros e suas poderosas dinamites e para a necessária resistência unificada entre a classe operária, os camponeses e os trabalhadores dos demais setores.

Somos parte da mesma luta

Como se vê, esse não é qualquer conflito andino, é sim uma luta de vida ou morte por direitos democráticos, políticos e sociais que terá grande repercussão no Brasil e em toda a América Latina.

Estamos diante de uma disjuntiva entre um golpe de estado para impor um retrocesso de alcance histórico e uma rebelião, que pode abrir caminho, se vitoriosa for, para um processo de transformações mais profundas.

Assim, de um lado, os golpistas querem um fechamento do regime político e um retrocesso generalizado para a maioria, e, de outro, temos uma resistência que está sendo feita pela base da sociedade que luta pelos suas conquistas, pelos direitos democráticos e pelo reconhecimento de suas nacionalidades.

Essa resistência, se unificar as forças dos trabalhadores, dos povos originários, das mulheres e dos oprimidos, pode ir para além das importantes rebeliões populares que estão atravessando o mundo – haitiana, chilena, libanesa e hongkonesa -, impor uma vitória histórica e começar a reabrir as portas para processos revolucionários.

Estamos diante da luta de classes na Bolívia em um nível que pode ganhar o contorno não apenas de luta entre um levante popular, de um lado, e de volta à normalidade, de outro. Mas de um processo – ainda – nascente entre contrarrevolução e revolução do qual resultado terá profunda repercussão sobre o destino da Bolívia e do conjunto da América Latina – região que começa a fazer o pêndulo político girar à esquerda.

Claro que para esses processos possam ir até o final, com medidas anticapitalistas e construção do poder dos trabalhadores de fato, é preciso avançar anos luz em termos de organização politica e perspectiva socialista das massas. No entanto, uma possível radicalização e vitória dessa luta em curso pode abrir, sim, o caminho para esse desdobramento.

A resistência do povo boliviano tem que ser encarada como um dos acontecimentos mais importantes da luta de classes no mundo hoje.

Sem querer entrar nos contornos mais táticos da luta, o que necessitaria ter uma presença real no campo, a direção do nosso partido (PSOL) e de todas organizações dos trabalhadores, das mulheres e da juventude precisa exigir uma pronta resposta dos dirigentes da COB.

É preciso convocar imediatamente uma greve geral de tempo indeterminado, organizar comitês de base em todas as comunidades com a presença de operários, camponeses, mulheres e representantes de todos trabalhadores e oprimidos.

Apenas com unidade e democracia desde a base será possível construir um poderoso movimento que derrote o golpe nas ruas e que expulse a presidente usurpadora a serviço dos militares, dos racistas, dos fundamentalistas e do imperialismo. Para, assim, fazer vencer uma saída que interesse aos trabalhadores, uma assembleia constituinte democrática e soberana imposta pela força dessa mobilização e abrir o caminho para refundar a Bolívia plurinacional e socialista.

Da nossa parte, enquanto classe trabalhadora e oprimidos no Brasil, precisamos entender até o final que estamos umbilicalmente ligados ao destino do povo trabalhador e originário da Bolívia, isso não se trata de uma abstração. Uma derrota da resistência com a imposição de um regime autoritário irá potencializar todos os governos reacionários da América Latina, particularmente, em nosso caso, o governo protofascista de Bolsonaro.

É necessário discutir essa luta heroica em todos os espaços possíveis, bem como fazer uma ampla campanha de propaganda através de panfletagem nos principais centros de trabalho e de estudo com o objetivo de mobilizarmos amplamente para que nossa solidariedade ao povo boliviano em luta se faça sentir efetivamente.

Não podemos ficar apenas no apoio formal à luta das massas na Bolívia e na exigência aos dirigentes das organizações de massas que organizem a luta. É preciso, a exemplo do ato que houve em frente à Embaixada da Bolívia em São Paulo, na terça-feira, 12/11, desenvolver a solidariedade ativa à resistência boliviana, convocando urgentemente novas ações de rua.

Para isso, CUT, PT, MST, Lula e demais dirigentes e figuras que se dizem representantes dos trabalhadores e defensores dos direitos democráticos, precisam colocar toda a máquina sindical e partidária a serviço da mobilização massiva. O destino da luta de classes na Bolívia é nosso destino!

Toda solidariedade à luta do povo boliviano!

Contra o golpe de estado racista, fundamentalista e imperialista!

Fora Jeanine Añez e todos os golpistas!

Que a COB e todas organizações organizem uma greve geral por tempo indeterminado!

Volta de Evo e garantia de todas as liberdades democráticas para todos!

Assembleia constituinte soberana e democrática imposta pela mobilização!