É preciso que toda a esquerda socialista abra imediatamente uma discussão sobre a construção de uma nova frente única revolucionária (FUR)

ANTONIO SOLER

Acabamos de ter a notícia de que a Executiva Nacional do PSOL aprovou resolução favorável a que o partido participe da comissão de transição do governo Lula. Como todos que acompanham nossas publicações sabem, nossa ruptura com o PSOL ocorreu após um longo debate em relação ao que significa ingressar em uma frente eleitoral de conciliação de classes, ou seja, uma frente com programa de manutenção da atual ordem social e com a participação de figuras e partidos burgueses.

Insistimos muito na tese de que são muitas as lições histórica que demonstram que ingressar em frentes permanentes, eleitorais ou em governos com a classe dominante significa uma ruptura com o princípio da independência de classe e sempre significou – e significará – a perda da independência política, do programa, da organização e dos valores das organizações que cometeram esse desvio político. Isto é, do axioma do movimento operário na história.

A teoria campista tem uma longa história que vem desde o possibilismo de um setor do partido socialista francês do século XIX que pensava ser possível resolver os problemas dos trabalhadores dentro do capitalismo, passou pelo menchevismo russo que pensava que a burguesia poderia ser protagonista na revolução e se consolidou e sintetizou no estalinismo que dividiu a luta de classes em apenas dois campos antagônicos: o campo democrático/anti-imperialista com a burguesia e a classe trabalhadora e o campo da burguesia reacionária. Ou seja, exclui a necessidade da classe trabalhadora construir um campo em que ela seja protagonista junto com os demais explorados e oprimidos da cidade e do campo, o que sempre foi a política do pensamento socialista revolucionário desde Marx, e a única estratégia que se demonstrou viável para dar passos concretos na resistência, conquista de direitos e para dar concretos passos para a revolução e para a transição ao socialismo.

Evidentemente que outra coisa é a necessidade de se fazer unidade de ação para derrotar as formações políticas reacionárias/neofascistas. Contra Bolsonaro, por exemplo, era correto fazer unidade de ação nas ruas,  com a  mais absoluta independência tática, programática e de organização, com todos os setores que quisessem lutar pelo Fora Bolsonaro. Sempre dizemos que o problema não era chamar o voto em Lula para derrotar Bolsonaro, até no primeiro turno a depender da conjuntura, inclusive. Isso é  um problema de caráter tático, não  de estratégia ou princípio. Mas à medida em que o PSOL resolveu ingressar na chapa Lula-Alckmin, isso significou uma decisão que levou a uma falência tática, estratégica e de princípio a uma só vez, pois abriu mão das táticas de exigências e denúncias, de frente de esquerda, de um programa independente e até de unidade na ação.

Essa linha fez com que o PSOL se transformasse em uma apêndice do PT fazendo com que o nosso antigo partido abrisse mão de duas estratégias fundamentais para a esquerda socialista: a mobilização permanente pelas ruas e a construção de uma alternativa de esquerda ao lulismo. Em outras palavras, assistimos nessa campanha a um PSOL sem iniciativa política, programática e organizativa, totalmente absorvido pela frente de conciliação de classes com a burguesia, fazendo uma campanha totalmente nos limites programáticos e organizativos impostos pelo PT, linha que, aliás, quase levou à derrota para Bolsonaro. Agora, como indicamos que iria acontecer, o PSOL dá mais um passo no mesmo sentido que tende a levá-lo a compor o governo burguês de conciliação de classes Lula-Alckmin que é participar da comissão de transição, o que significará uma traição cabal e histórica à tarefa de organizar a mobilização de forma permanente e independente e de construir uma alternativa revolucionária ao lulismo.

A derrota eleitoral de Bolsonaro é um imensa vitória das massas que tiveram que enfrentar uma máquina pública e privada reacionária para re-eleger o neofascista nunca antes vista antes na história, porém essa vitória ocorreu a despeito da política de frente Lula-Alckmin, uma vez que essa não apresentou uma saída programática de fato para a classe trabalhadora e para os oprimidos porque o projeto é ser um governo de conciliação liberal social, ou seja, um governo que manterá todas as estruturas de exploração e opressão postas pelo estado burguês. 

Mesmo a manutenção do Auxilio Brasil e a mudança na faixa de isenção do imposto de renda, serão feitas sem o menor enfrentamento com o capital, sem taxar grandes fortunas e sem suspender o pagamento da dívida pública dos grandes investidores, e com a contrapartida da parte de Lula de fazer a contra reforma administrativa que afetará direitos da base do funcionalismo público.  

A resolução do PSOL afirma que “entendemos que a comissão de transição não é somente um espaço para negociação de cargos, mas pode constituir um lugar de disputa do programa que elegeu Lula, onde ocorrerá a discussão das prioridades a partir das informações de como se encontra o atual situação fiscal do Estado Brasileiro depois do desastre que foi o governo Bolsonaro” e depois que “o PSOL participará da comissão do processo de transição, para acompanhar e caracterizar melhor o espaço, sem, no entanto, negociar cargos na estrutura do Governo Federal. A decisão sobre a posição do PSOL na relação com o futuro Governo Lula será tomada no Diretório Nacional, a ser realizado no dia 17 de dezembro de 2022.”

Não queremos aqui antecipar de forma categórica que o ingresso do PSOL neste governo burguês de conciliação são favas contadas. Vamos ficar apenas no objetivo declarado pelo PSOL que participará da comissão de transição, sob a liderança de Geraldo Alckmin, afirmando de maneira irreal que se trata de uma forma de disputa programática. Ora, senhores e senhoras, a campanha de Lula-Alckmin foi toda voltada a um passado mítico do que teriam sido os governos Lula e de defensiva em relação aos ataques ultra reacionários da campanha de Bolsonaro. 

A única vez que Lula passa a ofensiva na campanha é por conta dos erros de Bolsonaro quanto ao não reajuste ao salário mínimo. Nada sobre as necessidades de reformas estruturais, nada sobre a classe dominante pagar pela crise, nada de apostar na organização desde baixo… Ou seja, um programa liberal com pouquíssimas pitadas sociais foi apresentado e já está sendo colocado em curso, além da promessa da contra reforma administrativa já colocada em curso pela equipe de transição da qual o PSOL irá fazer parte.   

Essa proposta foi votada por 10 votos favoráveis e 9 contrários. Votaram a favor as correntes Revolução Solidária, Primavera Socialista, Insurgência e Subverta e votaram contra a resolução Fortalecer, MES, Resistência, APS e Comuna. Da mesma forma que em relação às votações sobre a criação de uma federação partidária com a Rede e depois do ingresso na Frente Lula-Alckmin, não basta votar contra a capitulação à frente burguesa, é preciso tirar todas as conclusões políticas sobre o fato para que não se caia no cinismo político de correntes como MES e Resistência. Resistência votou contra a federação com a Rede, política que abriu caminho para a liquidação política do PSOL, e MES a favor, depois a mesma Resistência votou favorável ao ingresso na frente Lula-Alckmin e MES contra. Ou seja, um oportunismo complementário entre estas duas organizações.

O jogo cínico que fazem essas correntes é nítido e escandaloso. A partir de uma contagem de votos, mesmo votando contra determinada resolução já garantida à maioria para a direção, pode-se manter uma aparência de independência perante a sua base e se vai trilhando o caminho da capitulação à perda total da independência de classe – e tirando os proveitos do oportunismo – enquanto se olha para o outro lado, não se tira a conclusão básica de que o PSOL está sendo totalmente liquidado como partido independente. Na verdade essas correntes, se não reconhecerem que o PSOL passou totalmente a linha do rubicão da independência de classes e de que é necessário romper com esse partido e passar imediatamente à construção de outra alternativa partidária, irão colaborar diretamente com a liquidação do que foi um projeto histórico de construção de uma alternativa política ao lulismo.

Mais esse passo na capitulação política do PSOL, com o muito provável ingresso no governo através de ministérios e demais cargos gerará grande comoção na base partidária do PSOL em que importantes setores se mantêm independentes e combativos, bem como risco de desmoralização e abandono da perspectiva militante. Por essa razão, não se pode mais ficar dentro do PSOL sem ser cúmplice com o processo de liquidação, é preciso que as correntes de esquerda do PSOL rompam como o cinismo político, tirem as conclusões necessárias, rompam com esse partido e iniciem imediatamente a necessária e histórica tarefa de construir um novo partido da esquerda socialista brasileira.

Da mesma forma, muitas correntes da esquerda que estão fora do PSOL, notadamente o PSTU, precisam imediatamente superar a visão sectária – a história do PSTU, por exemplo, e da ampla maioria dos partidos que lograram ser históricos é fruto de vários processos de construção de frentes únicas revolucionárias (FUR) – de que a construção revolucionária passa única e exclusivamente pela autoconstrução de suas próprias organizações para imediatamente passarem a abrir um chamado à um fórum visando a construção de uma frente única socialista revolucionária pró-novo partido da esquerda socialista no Brasil. Essa tarefa – da reorganização política – irá pautar todo o próximo período para o qual é necessário ter abertura política para que possamos oferecer à classe trabalhadora e aos oprimidos uma alternativa para fazer frente aos desafios históricos que temos.