PACTO NEOLIBERAL

União Europeia-Mercosul: Um acordo desindustrializador e de submissão

No dia 28 se comemorou o anúncio do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul pelos governos Macri e Bolsonaro. O acordo foi anunciado pelos porta-vozes dos presidentes como uma “vitória” e uma mudança “histórica” para a região. Como é de se esperar em toda “boa notícia” de ambos governos, o acordo não é nada bom e pode prejudicar a base industrial e os trabalhadores dos países do Mercosul.

Redação IzquierdaWeb

Como se sabe, para a análise econômica marxista, os países dependentes e atrasados têm um papel subordinado na divisão internacional do trabalho, desta forma os tratados de livre comércio só podem debilitá-los. A competição direta entre países como Argentina e Brasil, de um lado, com a indústria de países centrais da economia mundial e o imperialismo, de outro, implica, necessariamente um retrocesso relativo do desenvolvimento das forças produtivas para os primeiros.

Acordos como o que estão fechando ambos blocos econômicos implicam o fortalecimento de regras do já existente comércio internacional. Quer dizer: alguns se dedicam centralmente à exportação de matérias-primas com pouco “valor agregado” (como Argentina e Brasil para a UE). outros às exportações industriais de muito maior desenvolvimento técnico (como os da UE para o Mercosul). Essas trocas desiguais tendem a se reforçar com os tratados de livre comércio, isso é incontornável e ninguém pode escapar.  

Os próprios termos do acordo até agora conhecidos são uma clara manifestação de sua intenção de reforçar o papel de cada um na divisão internacional do trabalho. Os produtos do Mercosul que mais rapidamente serão “liberalizados” são os provenientes da agroindústria: derivados de soja, milho, carnes e etc.

Não é necessário ser marxista para saber isso, até os redatores liberais otimistas de La Nación [periódico liberal argentino] estão dando conta disso. “Ou melhoram sua produtividade ou se extinguem”, disseram hoje em uma de suas notas sobre certos ramos da economia loca. E, a sua maneira, tem razão. A questão é que “melhorar produtividade” na concorrência internacional pode ter dois conteúdos diferentes. Por um lado, pode ser um investimento alto para a média mundial em máquinas e tecnologia: com menos trabalho se produz mais. Cada unidade produtiva é (relativamente) mais barata e significa menos custos de escala. Assim funciona a competitividade para os países imperialistas como França ou Alemanha.

Em economias relativamente mais atrasadas, com um nível de produtividade média muito menor, ser “competitivo” significa conseguir o mesmo com outros meios. Em vez de investir em tecnologia e maquinário, em um desenvolvimento integrado do conjunto da economia, sobreviver na competição internacional significa “baixar custos” sob as atuais condições técnicas de relação trabalho/produto. A saída, então, é produzir mais reforçando os padrões de exploração dos trabalhadores e baixando seus salários, e quem não o consiga, “extingue-se”. Estamos diante, então, diante do eventual empobrecimento dos trabalhadores, com menos garantias, e queda de empregos na indústria. Assim, conseguem “competitividade” os países periféricos da divisão internacional de trabalho (o que não significa, claro, que as grandes potências não tentem fazer o mesmo processo também, porém o fazem a partir de um patamar muito superior).

Assim, as condições económicas consequentes destes tratados de livre comércio também têm consequências políticas. Serão eventualmente um fator “disciplinador” para os trabalhadores, pois não a aceitar condições de exploração mais duras pode implicar ir para a rua.

Os capitalistas industriais argentinos [os brasileiros também] entendem muito bem as consequências deste acordo. Seus porta-vozes da UIA [União Industrial Argentina] estão dizendo que querem ver “a letra miúda” do tratado antes de opinar sobre as consequências. Porque, apesar de apoiar politicamente o acordo devido as condições de submissão à UE e o disciplinamento dos trabalhadores que significa, são bastante conscientes da possibilidade real de competir de maneira direta com a indústria europeia.

Ao longo de sua história, aliás, os países imperialistas foram protecionistas até serem suficientemente fortes para competir sem tarifas alfandegárias. Se os ingleses eram os grandes partidários do cambio livre ao longo do século XIX pela sua indisputável hegemonia industrial; França, Alemanha e Estados Unidos eram protecionistas para não cair diante da força britânica. Assim, se colocou sem ambiguidade alguma o presidente ianque, Ulisses S. Grant: “Por séculos a Inglaterra se apoiou na proteção, levou-as a extremos e obteve resultados satisfatórios para ela. Não há dúvida que este sistema resultou em sua atual força. Depois de séculos, a Inglaterra achou conveniente adotar o livre comércio porque sabe que o protecionismo não pode lhe oferecer mais nada. Muito bem então senhores, meu conhecimento sobre nossa nação me faz acreditar que dentro dos próximos 200 anos, quando América tenha obtido a proteção de tudo o que pode oferecer, adotará também o livre comércio” [1] Seu erro foi em relação aos prazos: Estados Unidos superou o seu antecessor britânico bem antes de se cumprir dois séculos destas palavras.

Os termos mudaram do final do século para o começo do outro; quando, diante do crescente peso alemão e estadunidenses, a política econômica britânica foi adotando cada vez mais medias protecionistas. E ainda assim, por motivos mais que óbvios, todos eles foram sempre partidários da “liberdade” de compra e venda com países e regiões que não nunca puderam ameaçar (como América Latina).

Rechaçamos o acordo UE-Mercosul a partir do ponto de vista dos trabalhadores: porque a desindustrialização relativa reduz o peso a classe operária social, política e economicamente; porque tende a reforçar a exploração e disciplinar a classe trabalhadora. O tratado será uma arma nas mãos do macrismo para fortalecer e tratar de passar à ofensiva contra os trabalhadores. Da sua parte, o kirchnerismo tem uma importante cota de responsabilidade por ter jogado peso para “acalmar” a situação, para que ninguém pense em lutar e todos em votar enquanto eles negociam com os empresários e o FMI.

[1] “Capitalism and Underdevelopment in Latin America”, André Gunder Frank