O racismo em tempos de Covid 19

Severino Félix para “ Professores em Movimento”

“Não, eu não sou um americano. Eu sou um dos vinte e dois milhões de pessoas negras … que são vítimas da democracia, nada mais que a hipocrisia disfarçada… Eu estou falando como uma vítima deste sistema americano. E eu vejo a América através dos olhos da vítima. Não vejo nenhum sonho americano; vejo um pesadelo americano”  Malcon X (citado em “O legado de Malcon X” de Ahmed Shawki, tradução de Álvaro Bianchi publicado em bloguinho.com.br em 22/02/2016)

A pandemia do coronavírus, que teve início em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan na China, se espalhou de forma acelerada pelo mundo, tendo como porta de entrada o continente Europeu, onde países como Itália e Espanha sentiram de imediato os efeitos do Covide- 19.

Ao não dar a devida atenção aos casos de contaminação em seu território, o governo italiano presenciou a elevação dos casos de contágios em questão de dias. Em 30 de janeiro haviam dois casos de pacientes infectados – um casal chinês – e em 19 de março, um mês e maio depois, a Itália já tinha 41.035 infectados e 3.405 óbitos, tendo então superado a marca da China neste quesito.

Um grande número de turistas em férias, na Europa principalmente, no seu retorno aos países de origem, levaram também o vírus, vindo a corroborar na propagação inicial da pandemia a nível mundial. Consequência disso, foi o estabelecimento de uma terrível crise sanitária sem precedentes na história desde a gripe espanhola de 1918, bem como do recrudescendo da crise econômica (que já se arrastava desde 2008), com alguns analistas comparando-a a de 1929.

Neste momento a Espanha contabiliza mais de 22.000 mortes; Itália passou das 25.000; Estados Unidos a cifra de mais de 46.000 óbitos e, por fim, o Brasil, numa curva ascendente, 2.906 casos fatais.[1]

No entanto, contrariando a máxima da globalização de unificação dos negócios com ações globais, a resposta em todo o mundo para a pandemia foi a de “cada um por si” (acompanhando o giro à direita na política mundial da última década e as posturas de ultradireita e “nacionalistas” que o acompanharam, vide o BREXIT). Apesar dos apelos da OMS por uma solução global para superação do problema, notadamente a UE-União Européia, mas, também, o G-20, jamais buscaram isso. Nem mesmo, até agora, para a pesquisa de vacinas.

OS NEGACIONISTAS ESCANCARANDO SEU DARWINISMO SOCIAL

Presidente da maior economia do mundo, Donald Trump, após ter a confirmação do primeiro caso em meados de janeiro deste ano, simplesmente ignorou o grau de potencialidade de disseminação em território norte americano.  Mesmo vendo o exponencial aumento dos casos em questão de dias, o mandatário insistia que tudo se resolveria em questão de semanas.

Política essa condizente com governos de ultra-direita, neo-fascistas e/ou “nacionalistas”, aplicada por alguns chefes de estado ao redor do mundo, tais como: Daniel Ortega (Nicarágua), Alexander Lukashenko da Bielorrússia que governa o país há 26 anos, Gurbanguly Berdymukhamedo do Uzbequistão, Jair Bolsonaro no Brasil, etc Todos tem em comum a negação da propagação da pandemia pelo coronavírus.

No Brasil, Bolsonaro insiste que a pandemia não passa de uma gripezinha e que seu histórico de atleta não o contaminaria, e sugerindo a cura pelo uso do medicamento antimalárico hidroxicloroquina, o que até agora não tem nenhuma comprovação [2]científica.

Mais que isso, circula em Brasília pelos supermercados, farmácias, ruas e manifestações pró ditadura, discursando “pelos pobres” e “contra o desemprego”, em franca oposição a política de isolamento social orientada pelo próprio ministério da saúde.

O negacionismo desses governos tem duas lógicas: uma mais clara, a do mercado, e outra, subjacente, mais afeita ao pensamento conservador, que é a do darwinismo social.

No caso particular de Bolsonaro as reiteradas exigências pelo fim do isolamento social, tem o objetivo da volta a atividade da área de comércio e serviços, onde se encontra a sua maior base social, que vem apresentando altos índices de desemprego.[3] A base de sustentação disso é o dado – colocado pelo presidente na entrevista dada no dia seguinte ao seu apoio à manifestação pró-AI5 em Brasília – de que 70% da população onde insida a epidemia será infectada, o que deriva na conclusão de que muitas mortes serão inevitáveis, principalmente dos fragilizados que estão em situação de risco, afirmando aí o seu darwinismo social: a posição maltuziana de que a morte de pessoas improdutivas era benéfica para a economia.

Evidentemente, não há população mais fragilizada, marginalizada e em situação de risco, que as das favelas, das periferias, onde vivem em sua maioria os negros.

A POLÍTICA NEGACIONISTA É GENOCÍDA

Para milhares de trabalhadoras/es que não podem usufruir do afastamento de suas atividades profissionais, e ter direito a licença remuneradas enquanto durar o período de contágio pelo coronavírus, o grande dilema é ter que realizar o deslocamento de sua residência aos seu local de trabalho e desta forma   tornando-se vulnerável ao contágio do covide-19.

Em sua grande maioria os trabalhadores dos chamados serviços essenciais são trabalhadoras/es das periferias membros da comunidade negra, homens e mulheres e negras, pessoas que ficam no final do atendimento aos serviços da saúde pública ou privada.

Para parte da população dos chamados serviços informais, que viram suas rendas derreterem com a pandemia do coronavírus e o isolamento social, outra parte precisa sair às ruas e continuar a desempenhar suas atividades profissionais, realidade fruto da desigualdade social e racial em nosso país.

Dados divulgados pelo Ministério da Saúde no último dia 10/04, aponta que o contágio do coronavírus é mais letal entre a população negra no Brasil. Os números ainda são pequenos para uma base e em 32% do total de casos fatais não houve identificação raça/cor, mas os dados indicam que negros e pardos representam 23,1% das internações por SARS, no entanto, totalizam 32,8% dos casos fatais.[4]

No caso da população não negra, esse percentual se inverte são 73,9% as às pessoas hospitalizados com Covid-19, porém apenas 64,5% são vítimas fatais.

Uma razão está em que a quantidade de dependentes do Sistema Único de Saúde (SUS), também é composta em sua grande maioria por pessoas pertencentes a comunidade negra, que não dispõe de planos médicos de saúde devido ao desemprego, ao trabalho informal ou empregos precarizados que não lhe fornecem este tipo auxílio saúde.

Outro agravante para população negra é pertencer ao grupo de risco com algumas doenças como, diabetes, hipertensão, tuberculose entre outas, fatores complicadores para evolução da doença.

A desigualdade social e racial não se restringe apenas ao Brasil, a crueldade do sistema capitalista é internacional. Nos estados Unidos onde não existe saúde publica e nem licença médica para cidadãos mais pobres e o contágio do covide-19 e os números de mortos a cada dia só vem aumento.[5]

Tido como a vitrine do capitalismo mundial os Estados unidos não têm uma legislação que obrigue os patrões a fornecer licença médica aos seus funcionários em caso de doença. O país também não dispõe de um Sistema de Saúde Pública, uma bandeira de campanha de Donald Trump, foi destruir o “Obamacare” e de fato o fez. Neste cenário mundial de contaminação pelocovide-19, os trabalhadores que não podem exercer suas funções no chamado home office, são obrigados a se locomoverem pelo país, expondo-se desta forma ao contágio do vírus.

Ao não poderem se afastar dos seus postos de trabalho por doença, as trabalhadoras/es em sua grande maioria membros também da comunidade negra, precisam ir trabalhar mesmo que doentes para não perder o emprego por pior que seja.  Além disso os trabalhadores ficam a mercê dos patrões a todo momento, caso venham a faltar por algum motivo de doença, podem ser demitidos a qualquer momento pois não existe um ampara legal ao trabalhador no sistema norte-americano.

A principal potência econômica do mundo é exemplo de como explorar a classe trabalhadora e sugar seu sangue até a última gota. Os trabalhadores simplesmente não têm direitos básicos como; licenças médicas, férias remuneradas, licença maternidade, caso venha a requerer algum deste benefícios precisam dispor da boa ação dos seus patrões.[6]

No entanto, mesmo sob o isolamento social para conter o contágio do coronavírus, milhares de trabalhadores se deslocam pelo país a fora, e desta forma contraindo o vírus e muitos indo a óbito.

CORONAVÍRUS ATINGE DIRETAMENTE A POPULAÇÃO NEGRA.

A crise mundial do coronavírus afeta diretamente as populações mais vulneráveis da classe trabalhadora. Segundo relatos do secretário da Previdência Social podemos chegar a números estratosféricos de trabalhadores informais (chamadas “pessoas invisíveis”), de cerca de 40 milhões de pessoas, em estimativa por baixo, nas contas do governo.

Agregemos a isso que os trabalhadoras/es de baixa renda, funcionários do comércio, dos serviços de limpeza, da área de segurança, se compõe em quase sua totalidades por pessoas negras, sem planos de saúde, e muito menos para seus dependentes, vincaludos a um sistema público de asúde precário que vem sendo sistematicamente sucateado.

 Tais contradições socioeconômicas demonstram maior vulnerabilidade destas populações em a relação utilização dos sistemas de saúde que vai pesar durante período de pandemia. Essa discrepância é fruto das desigualdades (racismo estrutural) que fazem com que comunidades negras no país fiquem mais suscetíveis ao contágio e tenham mais chances de desenvolver formas graves da covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus.  Ao não existir uma campanha de testes em massa para população, os poucos testes ficam restritos a um seleto púbico de pessoas e administrados por empresas privadas, onde o custo não está na podem do dia para a classe mais vulnerável ao contágio.

No Brasil os dados apresentados sobre o contágio da população negra, ainda sendo um retrato parcial, indica grandes disparidades no impacto do coronavírus na relação de classes e precisa ser estudado para dar base a construção de uma política que atenda as necessidades do povo trabalhador e supere o sistema do lucro, o sistema do capital.

COVID-19 E OS EFEITOS DO RACISMO NOS ESTADOS UNIDOS

 No país de Donald Trump por termos um racismo mais declarado, é mais fácil obter dados da pandemia de coronavírus e suas consequências, não só econômicas, mas também de caráter social que demonstram sua maior incidência na população mais pobre e dramaticamente na polução negra.

Os dados percentuais neste país são terrivelmente estarrecedores, em cidades onde a população negra é minoritária em sua composição demográfica, os números de óbitos pelo covide -19, deixam claro que somente a superação do capitalismo pode colocar fim à barbárie social atualmente imposta ao mundo por ele.

 Na cidade Chicago, 30% dos moradores são negros, porém metade dos casos confirmados e 70% das mortes relacionadas ao coronavírus são de pessoas negras. negros. Os números refletem desigualdades históricas na cidade, onde moradores negros têm expectativa de vida 8,8 anos menor que a dos brancos.

 No, estado de Illinois (onde fica Chicago), apenas 15% da população é negra, mas 35% dos casos e 40% das mortes são de membros da comunidade negra

No Estado de Michigan, 14% da população é negra, mas um terço dos casos e 40% das mortes são de pacientes negros.

Grandes disparidades também são registradas no Estado de Wisconsin. No condado de Milwaukee, onde 26% da população é negra, pacientes negros representam metade dos casos confirmados e 81% das mortes.

No Estado da Louisiana, 32% da população é negra. “Um pouco mais de 70% das mortes (por covid-19) na Louisiana são de afro-americanos“, disse o governador John Bel Edwards em entrevista coletiva na semana passada.

Isso merece mais atenção, e nós teremos de ir a fundo para ver o que podemos fazer para desacelerar isso“, afirmou Edwards.

Na cidade de Nova York, os negros representam 22% da população, mas dados preliminares indicam que são 28% das vítimas. Calcula-se que pelo menos 40% dos trabalhadores no setor de transportes da cidade sejam negros. Na capital americana, Washington, 60% das mortes até agora foram de pacientes negros, apesar de apenas 46% dos residentes serem negros[7].

VIDAS NEGRAS IMPORTAM!

Bradamos “Vidas negras importam!” porque a vida humana é o que importa. E ninguém mais que os negros representam, e nos marcam na memória, a violência e marginalização dos trabalhadores com que o Estado Burguês, em suas diversas etapas, oprimiu e explorou aqueles de quem obtém o seu único objetivo de lucro.

A pandemia expõe de forma clara todas as mazelas do capital em seu atual estágio predatório, que deixam 30% da população mundial no mais absoluto estado de fome permanente, a destruição da natureza e o nível da hiper-exploração da classe trabalhadora, atendendo ao clamor do mercado financeiro internacional e relegando a população pobre e negra a tentar sobreviver das migalhas sob o mais completo abandono das políticas sociais.

Fica claro, que se torna cada vez mais atual a disjuntiva de Rosa Luxemburgo “Socialismo ou Barbárie” e o quanto é preciso que os explorados e oprimidos saiam a campo por travar uma luta feroz contra o estado de coisas atual, na perspectiva do socialismo.

No Brasil, em particular, devemos começar pelo Fora Bolsonaro e Mourão e por eleições gerais em que o povo decida.


 1 https://brasil.elpais.com/brasil/2020-04-24/ao-vivo

[2] Dados do Financial Times, através da reportagem do jornal GGN

[3] https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2020/04/22/conoravirus-no-brasil-39-dos-patroes-dispensaram-diaristas-sem-pagamento-durante-pandemia.

[4] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/04/coronavirus-e-mais-letal-entre-negros-no-brasil-apontam-dados-da-saude.shtml

[5] Reportagem G1 Bem Estar

[6] Reportagem BBC Brasil

[7] Reportagem BB Brasil