O anúncio final do ministério acaba de reafirmar o caráter de governo burguês de conciliação de classes que terá o terceiro governo Lula. Diferentemente dos dois primeiros governos de Lula e dos governos de Dilma Rousseff, esse é composto por uma supercoalizão de classes para tentar, depois de 4 anos de destruição neofascista, normalizar as instituições e o funcionamento da política burguesa no Brasil. O que significa governar com a burguesia para manter o seu domínio político e a sua exploração econômica, enquanto se tenta garantir alguma política de compensação social, como foi a aprovação recente do Auxílio Brasil para o próximo ano. Políticas que diante de qualquer crise econômica séria – como a de 2008 – são desmobilizadas para que novas ondas de ajustes e contrarreformas entrem em cena. Por essa razão, é preciso construir uma oposição de esquerda antifascista, independente e organizada pela base e, também, recompor a organização política da esquerda socialista revolucionária. Essa é a única forma efetiva de defender os nossos interesses imediatos e históricos.

ANTONIO SOLER

Nesta quinta-feira, 29/12, Lula anunciou em um ato no Centro Cultural Banco do Brasil (local que abriga o governo de transição) os 16 nomes que faltavam para compor os 37 ministérios (15 a mais do que na gestão de Bolsonaro) do seu governo, que se inicia amanhã, dia 1º de janeiro de 2023.

O terceiro governo Lula será composto por representantes de todas as oligarquias políticas do país, por reacionários de toda espécie e, inclusive, por bolsonaristas. Do total de 23 partidos com representação no Congresso Nacional, contará com o apoio de 8 partidos: PSB, Rede, PC do B, PSOL, PDT, MDB, PSD e União Brasil. O PT terá 10 ministros, dentre eles, parte significativa dos mais importantes, tais como: Casa Civil, Economia e Educação. MDB e PSD terão 3 ministérios cada e o União Brasil 2 ministérios. Porém, Davi Alcolumbre (Senador da República e um dos chefes do União Brasil) indicou de Waldez Góes que se licenciará do PDT para compor o governo, o que irá garantir na prática ao União Brasil 3 ministérios.

Trocando um pouco em miúdos, teremos um governo composto por apaniguados das velhas raposas da direita brasileira. Do PSD, cujo chefe nacional (Gilberto Kassab) terá papel central no governo do bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo: Alexandre Silveira (Minas e Energia), Carlos Fávaro (Agricultura) e André de Paula (Ministério da Pesca. Das oligarquias políticas regionais do MDB: Renan Filho (Ministério dos Transportes), Jader Barbalho Filho (Ministério das Cidades) e Simone Tebet (Ministério do Planejamento), candidata à Presidência que apoiou Lula no segundo turno. Do União Brasil (fusão PSL e DEM), partido que sempre teve posições reacionárias e que hoje abriga Sergio Moro: Juscelino Filho (Ministério das Comunicações), o mesmo que votou a favor do impeachment de Rousseff e que é abertamente, Daniela do Waguinho (Ministério do Turismo) e Waldez Góes (Desenvolvimento Regional), que está migrando do PDT para a União Brasil.

Além da importante presença do “Centrão” (bloco de partidos fisiológicos de direita que sempre fazem parte das coalizões governamentais, independente do partido que esteja no poder), o próximo governo irá contar, também, com figuras como Marina Silva (Rede). Ela foi ministra de Lula, rompeu com o PT e saiu do segundo governo Lula em 2008 para ir de malas e bagagens ao neoliberalismo. No entanto, mesmo com a composição desse governo burguês de supercoalizão, conciliação de classes e de normalização nacional, devido à fissura sociopolítica que vivemos e que está longe de ser resolvida, não existe garantias de que esses partidos serão fiéis a Lula nas votações do Congresso – Luciano Bivar, por exemplo, chefe nacional do União Brasil, descontente com as indicações feitas aos ministérios, afirmou que o partido será independente ao governo.

Um governo de conciliação e normalização política

No ato político, que estavam presentes os 37 nomes indicados para compor o futuro governo, Lula reafirmou ideias que vêm propagando desde as eleições. Elas vão no sentido de que o próximo corpo ministerial fará história, pois “tivemos a coragem de assumir o Brasil numa situação extremamente delicada”, que irá pegar o país “destruído em muitas das coisas que fizemos, quase tudo na área social foi desmontado”, que não tem medo de nomear políticos aos ministérios “porque sou daqueles que acham que, fora da política, a gente não encontra solução para quase nada neste planeta” e que está convicto de que “a gente tem que montar o melhor ministério que a gente puder para todo mundo começar a trabalhar.”

Como já havia prometido na campanha eleitoral, Lula e sua frente eleitoral de conciliação de classes trabalharam para montar um governo burguês de unidade nacional. No entanto, esse não é apenas um governo burguês de conciliação de classes, como foi em 2002, quando o vice-presidente era o já falecido José Alencar (empresário da indústria têxtil), mas um governo burguês que conta com uma ampla base de partidos que tem representação no Congresso – da esquerda (da ordem) à extrema direita. Dentro de uma razão fisiológica – típica de todo governo burguês -, Lula e seu entorno negociam cargos com todo o espectro da política nacional com o objetivo de formar uma base parlamentar que lhe permita, de antemão, uma ampla maioria no Congresso para que possa aprovar projetos de lei e projetos de emenda constitucional.

Existe uma aposta, da maior parte da classe dominante, das oligarquias políticas, do PT e de seus aliados de centro e da esquerda da ordem (PSOL) de que o próximo governo, depois do governo neofacista de Bolsonaro, consiga normalizar a situação do país de maneira conservadora. Mas, como já apontamos acima, mesmo com essa supercoalizão que Lula montou, devido à profunda divisão político-social em que o país está metido – não podemos esquecer que a importante vitória eleitoral contra Bolsonaro foi apertada e que a luta contra a extrema direita e o neofascismo só pode ser vencida nas ruas -, não há garantias de que nomeando representantes dos principais partidos da burguesia, inclusive os que foram base de sustentação direta de Bolsonaro, o próximo governo terá maioria no Congresso.

De qualquer forma, como todo governo burguês de conciliação, o caráter de classe (classe dominante no caso) do próximo governo é nítido: será burguês. Não se pode fazer um governo de outra natureza quando se está apoiado em toda a estrutura institucional do Estado capitalista e na participação ativa de representante de praticamente todas as frações da burguesia, enquanto dos trabalhadores se têm apenas o consentimento passivo. Ou seja, como em governos atuais e anteriores do PT em todas as instâncias, não teremos nenhuma força política ativa das massas a partir de suas organizações autônomas. O profundo caráter conciliatório dos governos de Lula e o PT faz com que procurem sempre cooptar as organizações do movimento para o governo e suas instituições, para o interior do Estado, quando não conseguem, oprimem os movimentos, suas lutas e suas organizações, como foi, por exemplo, toda a experiência de 2013. Assim, esse tipo de governo, em meio à tentativa de aprovar uma política ou outra de compensação social, dará total suporte à exploração capitalista e futuras contrarreformas – o que em meio a um cenário econômico com tendências recessivas se manifestará ainda com mais intensidade.

A capitulação do PSOL ao próximo governo é uma traição

Uma coisa foi chamar o voto crítico em Lula para derrotar o neofascista Bolsonaro para que ele não pudesse ter mais uma gestão voltada para destruir os direitos democráticos, defender a posse de Lula diante das ameaças golpistas – extremamente minoritárias – e lutar contra os ataques que virão da extrema direita à soberania popular, outra coisa totalmente diferente é a presença orgânica de partidos ditos de esquerda na aliança eleitoral Lula-Alckmin e, agora, neste governo.

O PSOL e outros partidos que se dizem de esquerda, já estão ocupando cargos no primeiro, segundo e terceiro escalão do governo, isso já se trata de uma traição histórica aos interesses dos trabalhadores e dos oprimidos e à necessidade estratégica de construir uma alternativa política partidária independente do lulismo e da conciliação de classes. Para piorar o cenário, correntes do PSOL que se dizem revolucionárias são cúmplices dessa política de conciliação de classes. Afirmam, mentirosamente, para a sua base que o PSOL mantém independência em relação ao governo, mesmo essas correntes tendo participado ativamente da aprovação de uma Resolução política que afirma “autonomia” em relação ao governo enquanto aprova abertamente a participação de Sônia Guajajara no Ministério dos Povos Originários, a participação de todo filiado no governo, desde que renuncie a cargos de direção e compor a base do governo no Congresso. Ainda assim, descaradamente, afirmam que a essa Resolução política foi uma vitória e que o PSOL não faz parte do governo Lula.

Ao contrário das correntes que abandonaram a estratégia revolucionária, como o MES, a Resistência e a Insurgência, existem ainda algumas correntes revolucionárias no PSOL. Porém, se não romperem com esse partido reformista, conciliatório e cúmplice de um governo burguês, irão perder esse caráter – diante de governos burgueses, de conciliação de classes, de salvação/normalização nacional (natureza do atual governo Lula), burguês democrático, de extrema direita ou fascista, a obrigação de qualquer corrente revolucionária comprometida com os interesses imediatos e históricos dos trabalhadores é estabelecer uma posição independente de fato, o que hoje significa construir uma oposição de esquerda.

A justificação de que é necessário apoiar e participar desse governo porque o neofascismo bolsonarista irá o atacar não tem o menor fundamento. Como vimos recentemente em governos do próprio PT, e em vários momentos da história, mesmo diante de perder o poder, o PT e seu governo, depois de ter cometido o estelionato eleitoral em 2014, foi incapaz de fazer um giro à esquerda e apelar à mobilização de massas para se defender, o que acabou com o impeachment de Rousseff. A história da luta de classes tem como lição central que a única forma de resistir de maneira efetiva e eficiente aos ataques reacionários é a partir da luta e da organização independente dos trabalhadores e dos oprimidos. Portanto, não construir uma oposição de esquerda independente e à altura dos desafios, é uma tática desastrosa que vai totalmente na contramão da luta antifascista.

Desta forma, estamos diante dos vários desafios que se sintetizam na necessidade de organizar em todos os níveis e esferas de maneira independente. Mas, dois destes desafios são estratégicos e queremos finalizar essa nota com eles: 1) É preciso construir uma oposição de esquerda que seja antibolsonarista e que defenda os direitos democráticos, o que significa não sucumbir à conciliação de classes e não abrir mão das lutas e da organização independente; 2) diante da falência do projeto original do PSOL, ao ser parte orgânica de um governo burguês, é necessário abrir imediatamente um amplo debate sobre a necessidade de lançar um movimento pela reunificação da esquerda revolucionária no país, processo esse que se faz a partir de um profundo balanço das experiências políticas das últimas décadas e rompendo com toda inércia política, teórica, organizativa e de aparato.

Que 2023 seja um ano de radicalização da luta dos explorados e dos oprimidos e de início da recomposição da esquerda revolucionária no Brasil!