Concentração no centro de Beirute. (Foto, AFP)

Após duas semanas de protestos sem precedentes na história do país, o primeiro-ministro libanês Saad Hariri anunciou nesta terça-feira sua renúncia. A renúncia não garante colocar um ponto final as imensas mobilizações que vem ocorrendo, os protestos levam ao fechamento de bancos, escolas, universidades etc, e manifestantes fazem barreiras nos principais pontos de acesso à capital Beirute.

“O Líbano atravessa uma crise muito grave (…) uma crise de confiança” (Jean-Yves Le Drian, Ministro de Relações Exteriores da França).

Líbano luta sem trégua contra o neoliberalismo

ROSI SANTOS

Depois de mobilizações quase diárias em todo o país, o primeiro-ministro Saad Hariri apresentou sua renúncia; o anúncio ocorreu em um breve comunicado televisivo nessa terça-feira (29). A renúncia foi recebida com fogos de artifícios em vários pontos do país. O clima de comemoração, além de moralizar o movimento, indica que a instabilidade política continua, e manifestantes prometem seguir exigindo a saída de toda classe política corrupta do país.

Os protestos começaram no dia 17 de outubro, quando o governo de Saad Hariri anunciou que pretendia criar um imposto sob as ligações feitas pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, uma medida que pretendia beneficiar as empresas de telefonia e encarecer ainda mais a vida das camadas populares. 

A proposta foi retirada em seguida devido a intensidade das manifestações na capital Beirute já nas primeiras horas do comunicado. Mesmo com o recuo do governo, o descontentamento prosseguiu e, como ocorrido no Chile, rapidamente, foi canalizado contra a terrível situação econômica que vive os libaneses há décadas.

Mesmo após trinta anos da guerra civil (1975-1990), as imensas desigualdades sociais entre pobres e marajás ainda estão presentes no Líbano. E a política de seguidos governos de orientação neoliberal da região, sempre foi a de manter os ricos encastelados e relegar à classe trabalhadora e maiorias populares esquecidas, à extrema pobreza.

O povo libanês não se convence mais das velhas desculpas

Está colocada uma exigência de mudanças estruturais no país. Os seguidos períodos de instabilidade política e os terríveis efeitos dos conflitos locais, não justificam a crônica escassez de água e eletricidade no país, como querem cinicamente fazer crer a burguesia local, e a casta política milionária e absurdamente corrupta.[1]

No dia 21 de outubro, na tentativa de conter o movimento o ex primeiro-ministro Hariri havia anunciado um amplo plano de reformas, mas, os manifestantes não se convenceram e agora, mesmo com sua renúncia já apresentada, a luta deve continuar pela saída de todo o governo corrupto e por transformações sociais de fundo no país.

As manifestações populares no Iraque e no Líbano acenderam um sinal de alerta para a burguesia ocidental, que já vem se manifestando a favor da pseudo paz na região, em Paris e Washington houve declarações nesse sentido. O governo francês chegou a pedir que a Hariri permanecesse em seu posto em nome da “estabilidade” política no país, “a França apela a todas as autoridades libanesas que façam tudo para garantir a estabilidade das instituições e a unidade do Líbano”, declarou o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian.

Veja também:Uma radicalizada rebelião popular no Iraque

No entanto, contrariando os anseios desses países neoliberais, os manifestantes não só conquistaram a renúncia do primeiro-ministro, como de acordo com a agência nacional de notícias libanesa NNA, como já dissemos, afirmam que continuarão concentrando-se na capital pretendendo seguir marchando até a sede do Banco Central – como tem sido de costume em todas as manifestações – até a saída de todo o governo de Hariri.

Esse foi o terceiro governo liderado pelo ex primeiro-ministro, ele esta no poder desde de 2009. Hariri se manteve tanto tempo, no governo central do Líbano graças à influência da Arábia Saudita, já que é pertencente a uma influente família que possui grandes negócios com a burguesia saudita.

O ex primeiro-ministro assumiu o poder após a morte do pai, Rafik Baha’eddin Al-Hariri que foi primeiro-ministro duas vezes do país. Rafik Baha’eddin, foi um importante magnata e filantropo possuía certa simpatia popular, mas foi morto em 2005, fruto de um atentado atribuído supostamente ao governo sírio. A comoção popular após o atentado e a influência política da Arábia Saudita, contribuíram para que Hariri assumisse o comando do país logo após o assassinato do pai.

A importância da democracia popular e da solidariedade internacional

É extramente valioso que as manifestações impressionantes desse último domingo, ocorridas em todo o país, tenham colocado um fim a esse legado mafioso nessa região do Oriente Médio. A força e unidade dos manifestantes nunca vista no país demonstrados pela formação de uma corrente humana de norte a sul do país, com mais 170 km de comprimento, também não é menor.

Esse foi o ápice do movimento que, por fim, conseguiu furar o bloqueio midiático que vinha levando as manifestações a um isolamento político criminoso a nível mundial. Anteriormente o movimento já sofria com a censura local, que levou um grupo de artistas conhecidos no país a invadiram um canal de televisão em meio a uma programação normal exibida durante os protestos. Indignados, os manifestantes exigiam a cobertura das manifestações e responsabilizavam o governo pela invisibilidade diante da situação caótica em que se encontrava o país.

A ausência de cobertura da imprensa mundial, diante do comparecimento de mais de um milhão de pessoas nas ruas do país não foi somente um crime político, mas também um atentado ao direito à informação da população mundial, que está atenta a todos os processos de radicalização hoje em curso.

Por isso, é fundamental a solidariedade internacional para que o povo libanês, a partir dessa primeira vitória, possa seguir lutando até derrotar categoricamente o governo. Além disso, o boicote midiático e a repressão do governo podem aumentar, contribuindo assim para diminuir a força da mobilização.

Solidarizamo-nos com os feridos no dia de hoje, 29, que logo após o anúncio da renúncia do primeiro-ministro foram atacados por centenas de apoiadores do Hizbolah – movimento político de religiosos xiitas- que, com bastões, se dirigiram ao principal acampamento dos manifestantes em Beirute, destruindo barracas e perseguindo até a dispersão os protestantes com a cumplicidade da polícia local.

Viva a luta do povo no Oriente Médio!

Renúncia de toda casta política mafiosa e corrupta da região!

Por uma saída socialista desde a base!


[1] O país está entre os mais corruptos do mundo.