Reportagem do The Intercept Brasil dessa última semana trouxe a público os bastidores da violência institucional cometida pela justiça em uma de suas representações máximas, a magistratura, em Santa Catarina. Trata-se da não garantia dos direitos das mulheres e, até mesmo, das crianças, no que refere-se a saúde, segurança e, principalmente, direitos reprodutivos dessas pessoas quando procuram ajuda dessa instância. Na matéria, a juíza Joanna Ribeiro Zimmer revitimiza uma criança de 11 anos que foi estuprada, tentando forçá-la a seguir com a gravidez resultante da violência.

Combater a naturalização da violência de gênero e sexual

ROSI SANTOS

O fato de uma criança ser estuprada e se encontrar gestante é, em si, assombroso. No entanto, o nível de sensibilidade do Sistema Judiciário brasileiro, representado pela juíza Joana Ribeiro Zimmer, que negou a realização de um aborto não punível a uma criança vítima de estupro, demonstrou o oposto disso. A condução da juíza foi marcada por uma retórica sórdida, de assédio moral e abuso de autoridade.

A gravidez precoce gera consequências sociais e econômicas nefastas a realidade do país. O Fenômeno aprofundam inúmeros problemas existentes e cria outros. Segundo dados do IBGE de 2019, que apontam a alta evasão escolar de meninas por essa razão, além dos econômicos, revela que a taxa de mortalidade materna perpassa essa faixa etária de gestações antes dos 18 anos.

Médicos se posicionaram diante do caso dizendo que toda gravidez pode causar problemas e dificuldades físicas e emocionais durante a gestação. Mas, que quando se trata, de uma criança, grávida, vítima de um estupro, todos esses fatores são multiplicados, e que nesses casos, sequelas e morte tanto da vítima, quanto da criança, nunca podem ser descartados.

Logo após repercussão do caso, a justiça de Santa Catarina finalmente, reintegrou a criança, que estava sendo mantida em um abrigo para o prolongamento do estado gestacional, aos cuidados da mãe. Uma vitória parcial que precisa avançar para garantir o direito a realização do aborto, mas legitima a luta de todas as formas para que a impunidade não vença e mais uma menina seja mãe nesse país.

Um enorme problema social

Sem receberam alternativa do Estado, meninas e jovens são fadada a um futuro de  pobreza, pois são forçadas e expostas mais rapidamente a desocupação ou baixa formação, o que leva por sua vez, a engrossar a participação feminina no trabalho precário e terceirizado, principalmente do ramo de serviços, retroalimentando o sistema de desigualdades.

O cumprimento desse direito, como política de estado poderia gerar uma riqueza em torno de US$ 3,5 bilhões se jovens pudessem  adiar a gravidez para depois dos 20 anos, de acordo com o relatório Situação da População Mundial do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Machismo estrutural

Outro fator importante, é que o caso absurdo dessa juíza aumenta a desconfiança nas instituições e seus agentes  o que, sem dúvidas, com essa classe de agentes públicos não poderia ser diferente. Isso coloca o Brasil no enorme desafio de atingir patamares básicos de políticas públicas, já alcançadas por outros países da nossa região.

As enormes vitórias do feminismo em nosso continente, como a legalização do aborto na Argentina, só foram possíveis quando os setores de massas passaram por cima do atraso político dessas instituições e, em diversos casos, passaram por cima de suas próprias direções burocráticas. Apostando, assim, na organização independente de governos desde a base das mulheres, dos trabalhadores, da juventude e de outros setores oprimidos para assim, conseguirem vitórias e garantirem a manutenção de seus direitos.

Não obstante, foi assim que enfrentamos em 2020 Damares Alves e sua moral mediévica e obscurantista sobre as crianças no caso da menina capixaba de 10 anos – nas mesmas condições que a catarinense. A resposta contra o governo, nessa ocasião, foi rápida e uma verdadeira corrente nacional de solidariedade se formou pelas redes sociais, além disso, a valente manifestação em frente ao hospital no Rio Grande do Norte, que chegou a enfrentar fisicamente bolsonaristas, foi decisiva para garantir a realização do procedimento.

A luta constante no momento que recebemos tantos ataques é fundamental, tem como objetivo avançar o nível da consciência, guardar reserva moral e criar possibilidades de  mudança. Assim, relâmpagos de sua expressão necessitam ser canalizados pois voltam a ocorrer nesse momento.

Essa vitória parcial precisa ser uma vitória definitiva, pelo crime do Estado em si, para que a impunidade não vença e mais uma menina seja mãe nesse país, mas também porque recoloca e legitima a luta das mulheres e pessoas com capacidade de gestar pela legalização do aborto em todos os casos!

Por isso, movimentos da sociedade civil estão convocando diversos atos em repúdio a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer. Em São Paulo, a Marcha Mundial das Mulheres convocou um ato nessa quinta (23), a partir das 17h, em frente ao Ministério Público Federal na capital paulista (Rua Frei Caneca, 1360).

Somente a mais ampla solidariedade às vítimas desse governo, e apostando na necessidade de mobilizações populares e de esquerda nas ruas, iremos derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo, ambos inimigos mortais das demandas das mulheres, da infância e de todos os trabalhadores e oprimidos.

É preciso apostar na luta para desmascarar o machismo estrutural que recai sobre todas as mulheres, em especial as mais vulnerabilizadas, como as meninas negras e pobres. Aplicação já da lei em todos os abortos não-puníveis!

O Estado é responsável!

Aborto legal!

Educação sexual científica, laica e feministas nas escolas!

Construa e lute com as Vermelhass!

#ComFeminismoNaRuaoMachismoRecua #criançanãoemãe