Milhares de famílias que se endividaram com um empréstimo hipotecário estão organizando “greves”, deixando de pagar aos bancos. Estima-se que estejam em jogo 370 bilhões de dólares em empréstimos hipotecários.

RENZO FABB

Na maior parte do mundo, as taxas de juros estão sendo aumentadas para combater a inflação global. Na China, a segunda maior economia do mundo, o oposto é verdadeiro. O Banco Popular da China acaba de baixar sua taxa de referência em 10 pontos-base e espera-se que a reduza ainda mais.

A mudança veio depois que se soube que a desaceleração econômica era muito maior do que o esperado. Na linha de frente desta crise está o setor imobiliário. Ele representa nada menos que 20% do PIB do gigante asiático.

De acordo com dados oficiais, no segundo trimestre deste ano, a economia chinesa cresceu apenas 0,4%, o valor mais baixo desde a queda de 2020, quando a pandemia eclodiu. Os analistas e investidores esperavam uma desaceleração, mas não tão pronunciada.

A desaceleração econômica é sustentada pela crise do mercado imobiliário, que caiu 7% nesse período. Há um ano, a maior construtora chinesa, Evergrande, entrou em inadimplência e levou o sistema financeiro (chinês e internacional) à beira de uma crise de pagamentos. No final, o governo teve que implementar um plano de resgate de um bilhão de dólares para permitir que a empresa pudesse cumprir suas dívidas. Entretanto, a possibilidade da bolha imobiliária estourar só foi adiada, e a crise continuou.

A maioria das grandes empresas de construção enfrenta sérios problemas de liquidez e não consegue continuar financiando milhões de projetos que já foram pré-vendidos. As vendas de apartamentos por grandes empresas de construção civil vêm caindo há 13 meses seguidos.

Na China, o mercado imobiliário é movido principalmente por um sistema de pré-venda: o cliente compra um imóvel inacabado, pagando o preço total através de um empréstimo hipotecário. No entanto, a construção de milhões de casas que já estão pré-vendidas atrasou ou foi interrompida imediatamente. O atraso médio na conclusão das casas já é de 14 meses.

A rebelião hipotecária

É por isso que milhares de pessoas que contraíram empréstimos hipotecários estão realizando “greves” deixando de pagar aos bancos, por causa da incerteza se a casa pela qual pagaram será entregue a tempo, ou pior, se será entregue de alguma forma. Estima-se que estejam em jogo 370 bilhões de dólares em empréstimos hipotecários.

Já no ano passado, com a crise do Evergrande, alguns grupos de vítimas realizaram manifestações às portas da empresa. Em julho deste ano, uma mobilização de pessoas prejudicadas pela Evergrande foi reprimida pela polícia quando se manifestou em frente à sede do governo local em Jingdezhen, onde a Evergrande planejou um megaprojeto de 14 torres residenciais no início de 2021. Desde então, a construção ficou paralisada durante a maior parte do tempo.

A “rebelião hipotecária” não é apenas um risco para os bancos, mas pode abalar a economia chinesa em geral, cuja ascensão meteórica nas últimas duas décadas foi em grande parte impulsionada pelo boom imobiliário. Até o final de 2022, espera-se que o índice de morosidade atinja um recorde histórico de 4%. Em 2019, essa taxa era de apenas 0,7%.

Por esta razão, o governo observa com grande preocupação a crescente agitação social causada pela crise no setor imobiliário, temendo que a “rebelião dos hipotecados” comece a se manifestar não apenas como um boicote “cidadão” aos bancos, mas também pelas pessoas que saem às ruas. No último relatório oficial do bureau político, é feita especial referência à necessidade de o governo tomar medidas para garantir a entrega de moradias.