A corrida pela vacina

Nos Estados Unidos, a Pfizer (em 20/11) e Moderna (em 30/11) solicitaram à FDA* a “aprovação de emergência” de suas vacinas, enquanto o Reino Unido se tornou o primeiro país do Ocidente a conceder a aprovação da vacina da Pfizer, em um processo relâmpago, resultando em uma nova birra de Trump contra a FDA por não ter sido o primeiro a tê-la.

*FDA (Food and Drug Administration) é uma agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. 

Marcelo Buitrago

Além de sua própria revisão, a FDA agendou uma reunião de seu Comitê Consultivo Externo para rever os dados dos testes nos dias 10 de dezembro para a vacina Pfizer e 17 de dezembro para a vacina Moderna, cuja decisão não é obrigatória, mas é geralmente aceita pela agência, anunciando a transmissão pública da reunião e a publicidade dos antecedentes e da agenda.

Se aprovadas, e se fossem seguras e eficazes, seriam um marco científico: uma vacina em menos de um ano a uma velocidade inimaginável.

10 de janeiro – O vírus é seqüenciado

16 de março – Moderna inicia a fase 1-2 de testes

2 de maio – A Pfizer/BioNtech inicia os testes da fase 1-2

14 de julho –  Moderna publica testes fase 1-2

27-28 de julho – Moderna e Pfizer iniciam a fase 3 de testes

12 de agosto – A Pfizer/BioNtech publica testes fase 1-2

22-27 de outubro – Inscrição completa da Fase 3 com mais de 74.000 participantes

18 de novembro – A Pfizer anuncia 95% de eficácia como resultado final

20 de novembro – A Pfizer solicita autorização de emergência

27 de novembro – Distribuição antecipada de vacinas a todos os Estados Unidos

30 de novembro – Autorização de emergência para pedidos modernos

10 de dezembro – Reunião do Comitê Consultivo Externo da FDA

11 de dezembro – Autorização?

Entretanto, uma pesquisa da Gallup divulgada em novembro afirma que apenas 58% dos americanos disseram estar dispostos a se vacinar. A “Operação Warp Speed”(velocidade da luz) de Trump, que investiu bilhões de dólares no desenvolvimento e fabricação de vacinas, sempre foi impulsionada pela necessidade eleitoral da Trump e por sua política de evitar as restrições: Daí a pressão contínua sobre a FDA (o órgão regulador) para uma aprovação rápida. Por isso, em um movimento sem precedentes, a Pfizer, Moderna e AstraZeneca foram obrigadas a publicar os protocolos de suas diferentes fases de teste, em resposta à exigência de transparência da comunidade científica, e a própria FDA decidiu não aprovar a vacina com base nas análises intermediárias estipuladas em cada protocolo, mas esperar pelo resultado final.

“Mas este não é um processo normal de aprovação de vacinas, que leva anos de observação e é processado como um pedido de licença biológica (BLA). Estas não serão vacinas licenciadas. Em vez disso, eles poderão ser utilizados através de uma autorização de uso emergencial (EUA).

Embora o tamanho dos testes (Johnson & Johnson 60.000 pessoas, Pfizer 44.000, Modern 30.000) seja o tamanho típico para uma aplicação de bio-licença, a FDA nunca autorizaria um produto que fosse testado em um período de tempo tão curto (4 meses). Não saberemos realmente nada, não apenas sobre a eficácia a longo prazo, mas até mesmo sobre a eficácia a relativamente curto prazo; saberemos que há eficácia por meses, mas não necessariamente por um ano. Enquanto o ensaio do HPV [Vírus do Papiloma Humano]  foi um estudo de 7 anos e a vacina contra rotavírus foi um estudo de 4 anos. Normalmente são vários anos. Portanto, isto é inédito em termos do tempo que leva para monitorar a eficácia e também, possivelmente mais importante, a segurança.”(Medscape, entrevista com Paul Offit, membro do comitê consultivo de vacinas da FDA) 

O próprio diretor da FDA, está ciente da desconfiança pública: “Percebemos que existe um problema entorno das dúvidas sobre as vacinas… e a rapidez com que foram desenvolvidas” e então “cumpriremos nosso padrão ouro de segurança e eficácia”, depois de conceder, naquele momento ao Trump, uma autorização de emergência para o uso da hidroxicloroquina, que não só não funcionou como causou problemas cardíacos.

Na União Européia, entretanto, a Agência Européia de Medicamentos (EMA) recebeu os pedidos da Pfizer e Moderna em 1 de dezembro e marcou a reunião de seus comitês de especialistas para avaliar as vacinas “a mais  tardar” para 29 de dezembro e 12 de janeiro. Uma vez aprovada, a Comissão Européia estará encarregada de autorizar seu uso: já adquiriu, segundo o jornal El País, mais de 1 bilhão de doses (160 milhões de Moderna e 300 milhões de Pfizer).

“A EMA instituiu um procedimento de revisão específico, que permitiu que os dados fossem monitorados ‘continuamente’ à medida que saíam. Assim, quando chega o pedido de aprovação oficial dos laboratórios, o comitê de especialistas já tem uma boa parte do trabalho de casa feito.  Mas sem pular nenhum passo pelo caminho. Se a EMA concluir que os benefícios da vacina superam seus riscos na proteção contra a COVID-19, recomendará a concessão de uma autorização condicional de comercialização. A Comissão Européia concederá então uma autorização condicional de comercialização válida em todos os Estados Membros da UE”.

A Rússia, com a Sputnik V, é outro dos países que se destacaram na corrida; mas só publicou na revista The Lancet em 4 de setembro os testes da fase 1-2 com uma amostra de 76 pessoas entre 100 voluntários entre 18 e 60 anos de idade. A Fase 3 está em andamento, com 40.000 voluntários, e uma eficácia de 92% foi relatada na primeira análise intermediária, que não foi publicada.

Após a conclusão dos ensaios clínicos da Fase 3, o Centro Gamaleya anunciou que dará acesso ao relatório completo do ensaio clínico, enquanto “a observação dos participantes do estudo continuará por seis meses, após o qual o relatório final será apresentado”.

Finalmente, a chinesa Sinovac publicou no Lancet, em 11 de novembro, estuda com 143 voluntários na fase 1 e 600 na fase 2, todos entre 18 e 59 anos de idade. Nenhuma vacina chinesa está mais avançada, o que não teria impedido que mais de 1 milhão de pessoas fossem vacinadas segundo diferentes meios de comunicação, o que foi desmentido pelo governo chinês.

Assim, em junho, CanSino recebeu autorização para vacinar os militares, e desde então tanto o Sinovac quanto o CNBG foram aprovadas para vacinar grandes populações na China fora dos ensaios clínicos em andamento.

A CNBG diz que “centenas de milhares” de pessoas na China receberam suas vacinações. “Ao fazer isso, podemos construir uma barreira imunológica entre grupos específicos de pessoas como trabalhadores da saúde, pessoal de prevenção de pandemias e pessoal de inspeção de fronteiras”. Sinovac, entretanto, diz que mais de 90% dos funcionários da empresa receberam suas vacinas porque são considerados um grupo de alto risco.

O negócio da vacina

O desenvolvimento da tecnologia e do conhecimento científico, juntamente com os esforços de milhares de profissionais de saúde, tornaram possível desenvolver as primeiras vacinas em um período de dois a quatro meses. Centenas de milhares de pessoas se voluntariaram para que pudessem ser avaliadas. Esta é uma conquista impressionante, mesmo que seja apenas temporária, dado o pouco tempo que leva para monitorar sua eficácia e segurança. 

Mas não podemos deixar de olhar com espanto o número de vacinas em desenvolvimento: mais de 200, das quais 190 na fase pré-clínica, 15 na fase 1, 14 na fase 2 e 11 na fase 3 CONCORRENDO entre si, considerando que utilizam apenas um punhado de tecnologias (ácido nucléico, vetor viral, vacinas subunitárias, vacinas contra vírus enfraquecidos ou inativados).

Assim como a pressão da patronal levou os governos a reabrir indiscriminadamente na melhor das hipóteses, ou a negar na pior, causando milhares de mortes, sem um retorno aos níveis econômicos pré-pandêmicos, deve ficar claro que os bilhões de dólares em jogo impedem qualquer cooperação entre empresas; afinal, sob o capitalismo, os patrões não só se unem para enfrentar os trabalhadores, mas no plano econômico também se enfrentam entre si, em uma batalha mortal para derrotar a concorrência.  Com uma população mundial de cerca de 7,7 bilhões de pessoas, com a possibilidade de doses periódicas que multiplicariam as vendas, não há nenhum governo capitalista nacional ou agência internacional que possa impor uma colaboração real entre as empresas farmacêuticas para concentrar esforços em vez de dissipá-los, como agora, com muitas vacinas que ficarão pelo caminho, para colaborar por vidas em perigo em vez de competir pelo mercado.

Assim como o desenvolvimento capitalista é uma usina de pandemias e transmissão de novos vírus, o curso da pandemia mais uma vez põe em questão os próprios fundamentos desta organização social, onde o mais importante não é o lucro,mas a única coisa que importa. Será a voz dos trabalhadores e suas lutas que poderá construir um mundo onde o importante é a vida humana em harmonia com a natureza.

Tradução Gabriel Mendes