O ambientalista e socialista é um exemplo de luta para as novas gerações que querem defender a Amazônia da destruição do agronegócio. As suas ideias devem ser resgatadas e colocadas como principais pautas dos anticapitalistas
Martin Camacho
“No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade”
Assim defendia seus ideais o ambientalista e ativista político Chico Mendes. A citação acima resume a história do maior símbolo brasileiro da luta pela preservação da Amazônia e relembra que a batalha em defesa da floresta é também em prol da espécie humana. Mendes era um socialista e aclamava por uma sociedade sem desigualdades, sem grilagens e sem destruição da natureza.
Francisco Alves Mendes Filho nasceu, próximo à fronteira do Acre com a Bolívia, em Xapuri, estado do Acre em 15 dezembro de 1944. Filho de seringueiro passou sua infância e juventude ao lado do pai cortando seringueira. Começou a atividade de extração de látex aos 10 anos, vivenciando desde cedo as explorações e as injustiças que os seringueiros eram submetidos. Alfabetizado apenas na sua juventude, Chico tornou-se referência internacional em defesa dos direitos humanos e do meio ambiente. O ecologista aprendeu a ler as palavras e a interpretar o mundo desigual com o auxílio do exilado político Euclides Fernando Távora, que participou ativamente do levante comunista de 1935 em Fortaleza e da Revolução de 1952 na Bolívia.
Lendo os clássicos do marxismo e convivendo constantemente com a violência capitalista na selva brasileira, o ativista emplacou uma luta pacífica contra o desmatamento e a perda da fonte de renda de milhares de seringueiros. A Hevea brasiliensis, nome científico da seringueira ou árvore-da-borracha, que começava a ser destruída pelos pecuaristas a procura de novas terras para criação de gado. O ciclo da borracha já tinha “terminado” e a expansão da produção de carne conduziu os primeiros embates na década de 70, quando Chico ainda era jovem.
A construção da malha rodoviária na região amazônica, financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, colaborou com a apropriação de novas terras para a pecuária bovina. “A estrada representa uma ameaça aos seringueiros e para a Amazônia. Os trabalhadores não foram consultados sobre o asfaltamento e nós sabemos que a construção só beneficia uma meia dúzia de latifundiários”, alertava o ambientalista.
Esse relato pode ser ouvido no documentário Chico Mendes: eu quero viver (1989), dirigido pelo cineasta britânico Adrian Cowell e produzido pelo brasileiro Vicente Rios. Além disso, na dissertação de mestrado A produção da floresta “em pé”: RESEX Chico Mendes , apresentado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Pietra Cepero Rua Perez, explicou que “os seringueiros vinham resistindo contra a exploração causada pelo avanço da fronteira agropecuária na Amazônia” e que a discussão fazia parte de um cenário mundial de crise ecológica e econômica. “[…] os países desenvolvidos perceberam que a acumulação do capital, aparentemente infinita, era desproporcional à quantidade de recursos naturais” (p. 39, 2018).
Há mais de 30 anos do assassinato de Chico Mendes, o agronegócio continua agindo com “mãos de ferro”. Agora, com o aval do presidente Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Segundo levantamento realizado pelo Estado de S. Paulo/ Broadcast em 2018, a bancada ruralista possui mais de 40% de representantes no congresso nacional.
O presidente ou melhor, o capitão reformado chegou a presidência, com o projeto antiambiental, fazia coro com os discursos dos donos de terras em defesa da ampliação do arco do desmatamento (1). Em notícias recentes, tudo parece indicar que o “dia do fogo” foi impulsionado por seguidores de Bolsonaro no Pará, para mostrarem que apoiam o perdão das multas ambientais e o afrouxamento da fiscalização do Ibama. E por meio de um grupo de WhatsApp, teriam combinado incendiar as margens da BR- 163.
Em 9 meses de governo, Bolsonaro cortou verbas do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, apoiou publicamente a anistia de dívida do agronegócio e a utilização de agrotóxicos. Além disso, demitiu o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INSPE) –que apresentou os dados assustadores sobre o desmatamento-, defendeu a legalização do garimpo e discursou contra a demarcação das terras indígenas. Para completar o combo, nomeou um ministro totalmente ignorante da questão ambiental e que desconhece a luta histórica dos seringueiros.
“O que importa quem foi quem foi Chico Mendes agora?”
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, declarou em entrevista concedida ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que não conhece o líder seringueiro e que a sua história não era relevante. Em seguida, despejou uma série de mentiras “Escuto histórias de todos os lados. Dos ambientalistas mais ligados à esquerda, que o enaltecem. E das pessoas do agro que dizem que ele não era isso que contam. Dizem que usava os seringueiros para se beneficiar”, afirmou.
Ao contrário do que falou Salles, um dos legados do ambientalista foi a criação das Reservas Extrativistas. No 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, realizado em 1985, surgiu a ideia de criar reservas parecidas com a dos indígenas. Em 1990, o presidente José Sarney decretou a criação das primeiras áreas utilizadas por populações extrativistas tradicionais na Amazônia com um total de 2 milhões de hectares. Esse foi um dos triunfos da luta empreendida por Chico Mendes e pelos seringueiros para contrapor ao avanço dos ruralistas.
Depois do “dia que virou noite em São Paulo”, jovens de todo o Brasil saíram as ruas em defesa da Amazônia e levantam cartazes em memória ao ativista. A história do Francisco Mendes, desconhecida ironicamente pelo ministro, torna-se um exemplo de luta para as novas gerações se apossarem. A morte de Chico foi anunciada nos primeiros confrontos com os fazendeiros, mas decretada oficialmente em 22 de dezembro de 1988. Os tiros de escopeta de Darly Alves da Silva ainda são lembrados pelos militantes ambientais e são razão de revoltas entre muitos lutadores.
Apesar do assassinato, as suas ideias continuam presentes no coração da juventude hoje revoltadas com as queimadas do agronegócio e devem ser retomadas. Não se pode esquecer que Chico Mendes era socialista e defendia uma sociedade igualitária. Defender a natureza é propor medidas anticapitalistas, que questionem a barbárie e a exploração do capital.
Bilhete de Chico Mendes, escrito em 1988, ano de seu assassinato.
(1) Segundo especialistas, o arco do desmatamento abrange o sudeste do Pará, em direção ao Oeste, passando por todo Mato Grosso, Rondônia e Acre.