Resistir aos ataques para virar o jogo

Resistir aos ataques do governo e dos patrões para virar o jogo

ANTONIO SOLER

A luta contra Temer teve seu pico em 2017 no primeiro semestre com a poderosa greve geral de 28 de abril que mobilizou nacionalmente a classe trabalhadora e a juventude. O que colocou em cheque as contrarreformas de Temer e reabriu a perspectiva do impeachment e da mudança da correlação de forças.

Mas, depois desse momento de reação da classe trabalhadora que colocou o governo contra a parede, a burocracia sindical tratou de desarticular o movimento, possibilitando que o governo, mesmo com baixíssima popularidade e crivado por denúncias de corrupção e formação de quadrilha, mantivesse a ofensiva.

Reforma Política pretende esmagar esquerda socialista

Nessa conjuntura pós greve geral, a ofensiva reacionária caminha através de uma miríade de ataques aos direitos dos trabalhadores.

Tivemos nesses últimos meses eventos reacionários que vão da aprovação da contrarreforma trabalhista à liminar de um Juiz de Brasília que autoriza pesquisa e terapias de reversão da homossexualidade, a chamada “cura gay”.

Isso sem deixar de passar pela Medida Provisória que permitiria atividades de mineração na Reserva Nacional de Cobre e Associados, que diante da pressão o governo foi obrigado a recuar momentaneamente, e pela declaração de um General do Exército de que uma intervenção militar pode ser usada para solucionar o problema de corrupção no Brasil. [1]

No entanto, a ofensiva reacionária não para por aí. O mais recente ataque ao conjunto da esquerda socialista ocorre pela aprovação da mini “reforma política” pelo Congresso e sancionada por Temer. A reforma aprovada institui 1) o fim da coligação nas eleições proporcionais, 2) o financiamento através de um fundo público e a 3) cláusula de barreira para que os partidos tenham acesso a esse fundo e tempo gratuito de rádio e TV.

A partir de 2020 as coligações entre partidos para a eleição proporcional (Vereadores, Deputados Estaduais e Deputados Federais) será proibida. Com esta medida, apenas as candidaturas proporcionais (Prefeito, Governador e Presidente) poderão contar com coligações partidárias.

Com a proibição feita pelo STF de que as eleições sejam financiadas por empresas privadas em 2015, criou-se a necessidade de fazer uma alteração no financiamento do sistema eleitoral. Assim, ampliou-se o fundo partidário, que passou de algo em torno a R$ 1 bilhão para R$ 2 bilhões.

Além disso, as doações de terceiros poderão ser feitas até o montante de até 10% da renda bruta do doador, isso de acordo com a renda do ano anterior da eleição. Não se estipula limites do autofinanciamento da campanha e o teto de gastos para a campanha para Deputado Federal será de R$ 2,5 milhões – na última eleição a média de gastos dos 501 deputados eleitos foi de R$1,4 milhão.

Com a justificativa de combater a fragmentação na representação política – hoje temos 39 legendas partidárias no Brasil – , a cláusula de barreira exigirá para que os partidos tenham tempo de TV e acesso ao fundo partidário no mínimo 1,5 % de votos em 9 Estados a partir da eleição de 2018, porcentagem esta que chegará a 3% em 2030.

Em relação às coligações, se estivéssemos tratando de uma proposta que garantisse o alinhamento nacional das coligações, ou seja, se a coligação partidária feita para as candidaturas presidências fossem estendidas para todos os cargos majoritários e proporcionais, alguma coerência político-ideológica poderia ser dada às eleições. No entanto, o sentido dessa “reforma” não é ideologizar as eleições e o sistema político, objetiva sim fortalecer a posição dos partidos burgueses e as frações da classe dominante que já monopolizam o poder político.

Como se pode observar, também, esta longe de combater o abuso do poder econômico, essa é uma “reforma” construída para assegurar e fortalecer a hipertrofia do poder econômico sobre o processo político. Assim, os candidatos apoiados pelo grande capital e os donos das grandes fortunas serão ainda mais beneficiados, pois os partidos burgueses terão exclusivo acesso ao fundo partidário constituído por verba pública, serão beneficiados pela doação dos grandes empresários e os candidatos burgueses poderão investir pesadamente em sua própria eleição sem restrição de gastos.

O fundo público de campanha, que poderia ser uma medida progressiva que ampliaria a representação dos de baixo no parlamento ou cargos majoritários, na mão de uma legislatura de clara orientação reacionária acabou se transformando em seu oposto. Ou seja, é um mecanismo que, somado à cláusula de barreira, tem o objetivo de fortalecer o monopólio dos partidos burgueses sobre a representação política no legislativo e no executivo e jogar em uma espécie de exilio político os partidos que de fato representam os interesses imediatos e históricos dos trabalhadores, como é o caso do PSOL, do PSTU e do PCB.  

Com esta contrarreforma política imposta pela ofensiva reacionária, impõe-se para os partidos de esquerda, se não quiserem cair na total marginalidade, um processo de construção programática e organizativa que permita alianças político-eleitorais para manter e ampliar o diálogo com setores de massas antes, durante e depois das eleições parlamentares.

Organizações – a exemplo do PSTU e outras – que têm se recusado a desenvolver frentes políticas de esquerda, frentes únicas para lutar e até a unidade de ação, terão que rever profundamente sua análise de situação política e suas táticas. Do contrário, além de sofrer com a própria marginalização, dificultarão que as demais organizações da esquerda socialista acessem setores de massas para iniciar o difícil processo de superação do lulismo nessa situação de ofensiva burguesa reacionária.   

Superar a correlação de forças conjuntural

Temer amarga índices históricos de impopularidade, mas tem conseguido uma correlação de forças que impõe ataques aos trabalhadores e ao conjunto dos oprimidos.

Apesar da burguesia ter se dividido em relação a sua viabilidade à frente do governo a partir das denúncias de corrupção vindas da operação Lava Jato, Temer tem conseguido fazer avançar as contrarreformas para aprofundar o grau de exploração, opressão e devastação ambiental. Também não podemos deixar de considerar, no cálculo da correlação de forças da atual conjuntura, que em relação às contrarreformas existe unanimidade total no interior da classe dominante.

Também não podemos nos furtar nesse cálculo a considerar que o impeachment e a ofensiva reacionária do impeachment contra Dilma, contraditoriamente, fortaleceu relativamente a burocracia lulista, reforçando o seu domínio sobre as principais organizações de massas dos trabalhadores e da juventude.

As greves gerais convocadas no primeiro semestre demonstram esse fato. Quando a burocracia se viu obrigada a chamar a Greve Geral em 28 de abril, devido à pressão de baixo tivemos um significativo processo de mobilização. Depois, quando uma parte da burocracia (Força Sindical e UGT, principalmente) traiu abertamente a convocação da greve geral de 30 de junho e a outra parte (CUT e CTB) fez uma série de manobras, não menos traidoras para desmobilizar a luta, ficou claro o peso que ainda a burocracia exerce sobre a luta dos trabalhadores. 

Fato que não significa que não exista um profundo desgaste, uma perda de representação e espaço para construir alternativas políticas ao lulismo, ou que os trabalhadores tenham sido derrotados estruturalmente e não irão resistir aos próximos ataques. Ao contrário, pensamos que os embates fundamentais contra Temer, que tem na luta contra a reforma da previdência um dos mais importantes, ainda estão por vir.

Mas, não podemos desconsiderar – como faz o PSTU em todas as suas análises –  que o processo de impeachment, inclusive devido a política do PT e da CUT, impôs uma correlação de forças de alcança conjuntural desfavorável para os trabalhadores. Afirmar isso não significa que haja uma derrota histórica ou coisa que o valha, há muita disposição de luta e resistência, isso pode se verificar em uma série de greves, ocupações e demais ações por salário, moradia e direitos.

Não podemos perder a bússola da conjuntura política que, evidentemente, girou de forma desfavorável. Não podemos fazer política apenas a partir de elementos circunstanciais, desconsiderando o ciclo de lutas progressivas aberto em 2013, mas não podemos fazer política concreta sem considerar a conjuntura concreta, como fazem os companheiros citados.

Obviamente, as derrotas circunstanciais não podem alterar uma situação política mais de fundo, porém não se ganha uma guerra apenas perdendo as batalhas. É necessário uma combinação e um balanço favorável entre vitórias e derrotas. As derrotas, evidentemente, afetam conjunturalmente o ânimo dos trabalhadores.

No momento não estão ocorrendo vitórias significativas para a nossa classe, mas temos condições para reverter o jogo do ponto de vista político. Para isso, não podemos perder a bússola política conjuntural que permite ver que o governo e a burguesia têm imposto ataques profundos, que a burocracia lulista, e não-lulista, tem um peso central sobre a organização e resistência da classe trabalhadora, da juventude e do movimento social como um todo, por isso, são necessárias táticas adequadas para armar a resistência para poder virar o jogo e sair da defensiva.

Tripé necessário: Unidade, Frente de lutas e Frente de Esquerda

Nas batalhas localizadas e nas gerais contra esse governo é fundamental total atenção! Será uma batalha decisiva a luta contra a contrarreforma da Previdência, o file mignon das contrarreformas, prevista para o mês de novembro, que ocorrerá após o julgamento na Câmara dos Deputados da segunda denúncia da Procuradoria Geral da República contra Temer por corrupção. Por isso, é preciso convocar o Dia Nacional de Lutas e Paralisação, 10 de novembro, no espírito da mais ampla unidade de ação com todas as centrais e movimentos.

Além da unidade total contra Temer, inclusive em atos unificados com a burocracia, nos quais a esquerda socialista deve se apresentar de forma independente, com programa, discurso e colunas próprias, ou seja, com total diferenciação com a burocracia, é preciso construir frentes de luta com todos que queiram combater o governo. É necessário desenvolver táticas para disputar setores que estão lutando, semi independentes, como é o caso da Frente Povo Sem Medo, por exemplo, que são ainda polarizados pelo PT e a CUT, mas que pela sua dinâmica de mobilização tende a se esquerdizar.

Outro erro, que pode ser mortal, é não participar ou impulsionar imediatamente uma Frente de Esquerda Socialista entre o PSOL, PSTU, PCB, MTST e outros para construir uma alternativa política ao lulismo. Uma frente que sirva para fortalecer a posição da esquerda socialista nas lutas imediatas, nas disputas com a burocracia do processo de reorganização da classe trabalhadora e nos processos eleitorais. Inclusive, desprezar este último é um erro mortal, pois, apesar das eleições se darem no campo da institucionalidade burguesa, ganhar espaço nelas, disputar o voto com a burguesia e com a burocracia é fundamental para o fortalecimento político e organizativo da esquerda socialista. Não é porque a luta de classes direta é nosso campo privilegiado que devemos secundarizar este aspecto da luta política e as táticas necessárias para isso. Do contrário, as possibilidades de superar a marginalidade da esquerda socialista e, consequentemente, a construção de uma alternativa socialista viável estará cada vez mais adiada.

 

[1] Antônio Hamilton Mourão, General do Exército, propôs recentemente em um evento a intervenção militar no Brasil para solucionar o problema da corrupção sem que nenhuma punição fosse dada pelo alto comando das forças armadas.