O assassinato de Marcelo Arruda não é fato isolado e preanuncia enfrentamentos políticos mais duros até as eleições de outubro. Assim, as candidaturas da esquerda socialista e suas organizações – Vera Lúcia (PSTU), Sofia Manzano (PCB) e Leonardo Péricles (UP) – precisam imediatamente sentar à mesa para juntas comporem uma frente política de lutas para impulsionar a mobilização de rua como tarefa central.

“As armas da crítica não podem, de fato, substituir a crítica das armas; a força material tem de ser deposta por força material, mas a teoria também se converte em força material uma vez que se apossa dos homens. A teoria é capaz de prender os homens desde que demonstre sua verdade face ao homem, desde que se torne radical. Ser radical é atacar o problema em suas raízes. Para o homem, porém, a raiz é o próprio homem.” (Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – Karl Marx)

ANTONIO SOLER

Na noite do sábado passado, 9/7, em Foz do Iguaçu (PR), o policial penal federal Jorge José da Rocha Guaranho invadiu a festa de aniversário de 50 anos de Marcelo Aloízio de Arruda, que ocorria na da Associação Esportiva Saúde Física Itaipu, e o assassinou com dois tiros. Os relatos das testemunhas e as filmagens dão conta de que lá pelas 22 horas, Guaranho, que estava com mulher e filho, parou seu carro em frente ao local em que ocorria a comemoração – que tinha como tema o PT e Lula – e passou a gritar “aqui é Bolsonaro” e “Lula ladrão”, e mais um conjunto de impropérios. 

Arruda pensou que se tratava de um conhecido que havia chegado para a festa, segundo testemunhas a vítima tinha amigos bolsonaristas e pensou que os gritos do lado de fora se tratar de uma brincadeira de algum conhecido. Mas quando foi até a porta do local em que ocorria a confraternização e se deparou com o agressor, que depois de uma rápida discussão, fez ameaças e sacou sua arma e disse que voltaria para “matar todo mundo”. Como Arruda tinha uma arma funcional, a foi pegar em seu carro temendo que as ameaças se confirmassem. Depois de 20 min, de forma premeditada, o agressor volta e com a arma em punho, mesmo a mulher de Arruda, que é policial civil, colocando-se a frente e se identificando para evitar que os tiros fossem disparados. Ainda assim, Guaranho dispara e atinge inicialmente a perna e depois atinge o petista pelas costas, todavia podendo reagir, Arruda se vira e faz disparos que atingem o bolsonarista.

Como balanço de mais esse show de horrores, tivemos a morte de Arruda e o sofrimento de seus familiares e companheiros, mas ao reagir com sua companheira e demais presentes, salvaram outras vidas que poderiam ter sido eliminadas pela violência bolsonarista. Esse é um fato transcendente e corrobora com a dinâmica violenta do processo que estamos vivendo, assim, deve ser respondido com toda a seriedade e consequência pela esquerda, particularmente pela esquerda radical.

Partidos da coligação Lula-Alckmin recorrem aos golpistas?  

Certamente esse é um crime que tem motivação política e é responsabilidade de Bolsonaro e de seu movimento que passa cada vez mais da violência simbólica nas redes para a violência física nas ruas. A premeditação do crime político contra Arruda é de difícil refutação, pois ele era uma figura pública na cidade sendo tesoureiro do PT, havia sido candidato a vice-prefeito nas últimas eleições municipais  e era diretor do sindicato dos Servidores Municipais de Foz do Iguaçu (Sismufi).

Diante da violência contra lideranças sociais, indígenas, mulheres, ecologistas, sindicalistas e da esquerda em geral, Bolsonaro invariavelmente coloca-se do lado do agressor e responsabiliza a vítima. Apenas no domingo às 19h foi se pronunciar sobre o caso afirmando cinicamente que “dispensamos qualquer tipo de apoio de quem pratica violência contra opositores. Para esse tipo de gente, peço que por coerência mude de lado e apoie a esquerda, que acumula um histórico inegável de episódios violentos”. 

Ontem o mesmo tom foi mantido, em conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, disse: “vocês viram o que aconteceu ontem, né? Uma briga de duas pessoas lá em Foz do Iguaçu. ‘Bolsonarista não sei o que lá’. Agora, ninguém fala que o Adélio é filiado ao PSOL, né? A única mídia que eu tenho é essa que está nas mãos de vocês aí”. O vice-presidente, Hamilton Mourão, foi na mesma linha, depois de afirmar que o fato não tem nada de político, reforçou que essa é uma ocorrência de “todo final de semana”, são brigas com “gente que provavelmente bebe e aí extravasa as coisas”. 

Do lado petista, Lula pelas redes no domingo destacou o heroísmo de Arruda que “evitou uma tragédia maior”, pediu “compreensão e solidariedade” aos familiares Guaranho, que “perderam um pai e um marido para um discurso de ódio estimulado por um presidente irresponsável” e afirmou que “precisamos de democracia, diálogo, tolerância e paz.”

Nesta segunda, em reunião do conselho político da candidatura de Lula que conta com os presidentes dos partidos que compõem a frente eleitoral (PT, PSB, PSOL, Rede, PV, PC do B e Solidariedade), segundo participantes, Lula pediu cautela em virtude do crescimento dos casos de violência que não se pode deixar intimidar e que não se deve responder provocações com violência, segundo um dos participantes, “traduzindo o que Lula recomendou, vamos responder com flores”. 

Em texto conjunto, os presidentes dos partidos da coligação, diante do aumento da violência política neofascista, limitam-se a defender apenas uma “ampla mobilização de instituições e partidos comprometidos com a democracia em favor e contra a escalada da violência de forma a garantir uma disputa civilizada na campanha política”. A grande orientação tirada pelos dirigentes da coligação foi recorrer às instituições, campanhas do congresso nacional, normatização eleitoral do TSE e federalização das investigações pela PGR. Segundo Gleisi Hoffmann, é preciso um “contraponto institucional” para que tenhamos eleições pacíficas. 

Assassinato político como tendência

Pesquisa do Observatório da Violência Política e Eleitoral organizada por professores da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro monitora um crescimento atípico da violência política (ameaças, agressões e assassinatos) no Brasil. Em relação a 2020, tivemos em 2022 um crescimento de 23% da violência política nos primeiros seis meses do ano, passamos de 174 para 224 casos respectivamente. 

Além do crescimento dos casos, o aumento da violência não era esperada pelos pesquisadores porque em relação às eleições municipais ocorridas em 2020, as eleições deste ano tem um número muito menor de candidatos, o que pode ser explicado, logicamente, pela recorrência com a qual Bolsonaro e o bolsonarismo se utilizam da violência como linguagem política, método e estratégia. Todos se lembram da campanha de 2018 quando Bolsonaro em palanque eleitoral fez do tripé para câmeras uma metralhadora e afirmou que iria fuzilar a petralhada (alusão ao PT) e que os que eram contra ele iriam para a ponta da praia (alusão a local de tortura durante a ditadura militar).

Segundo pesquisadores, o tipo de violência que tem predominado até agora é o de tipo local, mas não podemos destacar que a violência motivada pela disputa nacional não se generalize como método para assegurar a manutenção do bolsonarismo no poder. O caso do assassinato de Arruda não é um ponto fora da curva ou apenas a ação de um lobo solitário, os dados do crescimento da violência política confirmam isso. No dia 15/06, a manifestação de apoio a Lula foi atacada em Uberlândia (MG),  no dia 7, antes que Lula chegasse uma bomba caseira foi lançada na multidão no centro do Rio de Janeiro. Além disso, parte do crescimento da violência policial nas periferias das grandes cidades e a violência no interior do país, podem ser tributadas ao bolsonarismo que no poder tem facilitado, incentivado e organizado a violência estatal e paraestatal. 

No Brasil desde a ascensão do bolsonarismo não vivemos mais a polarização típica das décadas anteriores, aquela que havia entre o PT e o PSDB durante os anos 1990 e a primeira década deste século, ou seja, entre duas forças exclusivamente parlamentares, entre direita e esquerda da ordem. A direita, inicialmente capitaneada pelo PSDB, não aceitou o resultado das eleições de 2014 e colocou em curso um movimento de rua pró-impeachment que derrubou Dilma Rousseff, abriu definitivamente as portas para as contrarreformas, para a prisão de Lula e eleição de Bolsonaro sem que o PT esboçasse uma reação à altura dos fatos. 

Certamente que o bolsonarismo é um fenômeno de responsabilidade da classe dominante, que precisava de um governo bonapartista de extrema-direita para impor os duros ataques, porém, afirmamos reiteradamente que não podemos deixar a política de conciliação de classes do PT – que se repete na forma de farsa com a fórmula Lula-Alckmin – fora da equação para que entendamos o conjunto dos elementos que nos trouxeram até aqui. Ou seja, os anos 90 não existem mais, ao contrário da pregação da grande mídia da polarização entre Lula e Bolsonaro, vivemos hoje uma pseudo polarização, pois ocorre entre uma força que combina a atuação parlamentar e extraparlamentar (bolsonarismo) e uma força exclusivamente parlamentar (o lulismo e seus satélites).   

Essa é uma situação estrutural que explica os sucessivos “golpes”, manobras reacionárias, que estamos vivendo desde o impeachment de Dilma e que coloca um perigo real para os direitos democráticos. O fato de não haver efetividade plena hoje para um outra manobra reacionária que signifique a permanência de Bolsonaro no poder independente da vontade popular, como ocorreu em 2018 com a prisão de Lula, não significa que as condições sociais e políticas não possam ser construídas até outubro. Hoje por hoje não se tem correlação de forças para um golpe que não permita as eleições, Bolsonaro tem ainda apenas ⅓ do eleitorado, temos inflação alta, recorde de fome, a falta de apoio da extrema-direita pelo imperialismo e pela maioria da burguesia para uma eventual aventura golpista. 

Porém, temos elementos vivos dentro da conjuntura que podem alterar esse cenário e uma nova efetividade mais favorável ao golpismo se colocar. Se a PEC 15 passar na Câmara dos Deputados, Bolsonaro, que na última pesquisa demonstrou ligeira recuperação, atuará sobre os setores mais empobrecidos que são mais de 40% da população, passando o Auxilio Brasil de R$400 para $600, além da ajuda aos caminhoneiros e taxistas. Isso somado ao controle de preços dos combustíveis, propiciado pela redução do ICMS dos estados e a imposição de um novo presidente para a Petrobras – comprometido em não aumentar o preço dos combustíveis até outubro, arrefecendo a inflação -, são elementos que podem gerar um aumento das intenções de voto em Bolsonaro, fazendo-o emparelhar com as intenções de voto em Lula. 

Uma conjuntura de melhoria das condições políticas para Bolsonaro, pode ser extremamente perigosa. Em condições políticas mais favoráveis, ações solitárias, como o assassinato de Arruda podem se combinar com uma movimentação golpista orquestrada pelo bolsonarismo utilizando sua capacidade de mobilização violenta, extraparlamentar, para impor o terror nas ruas, neutralizar a oposição e garantir cenários golpistas. Podemos ter um cenário em que, 1) apesar de algumas escaramuças, as eleições não sejam questionadas ganhando ou perdendo Bolsonaro; 2) a partir de melhorias episódicas das condições econômicas façam que Bolsonaro perca com pequena margem  não queira entregar o poder exigindo recontagem de votos; 3) em forma de autogolpe Bolsonaro diante da derrota iminente chame pelo adiamento das eleições, prorrogando o seu mandato e do Congresso. De qualquer forma, não parece ter cenário possível que não passe pela disputa nas ruas e pelo recrudescimento da violência política, é nessa estratégia que aposta o bolsonarismo. Em outras palavras, o que ainda não é efetivo hoje, pois todas as condições para um golpe não estão dadas, carrega elementos e contradições internas que em dinâmica podem mudar a conjuntura. O bolsonarismo não é cachorro morto, tem poder parlamentar e extraparlamentar, trabalha diuturnamente para criar as condições para mais uma manobra golpista enquanto a esquerda da ordem se conforma em atuar no campo meramente parlamentar. 

Por fora da mobilização de massas não se derrota o golpismo 

Não podemos desconsiderar que na realidade efetiva há possibilidades, elementos e contradições de dinâmica que coloca o golpismo em condições mais favoráveis, como fazem muitas correntes sectárias, isso é um crime político, por um lado. Da mesma forma, confiar nas instituições do estado dominadas pelo bonapartismo bolsonarista para fazer a defesa da democracia – como PT, PSOL e cia – é também um crime político, por outro lado. É preciso negar veementemente as duas formas de unilateralismo – o sectário e o oportunista – e apostar todas as fichas na mobilização direta dos trabalhadores e em sua auto-organização para derrotar o neofascismo bolsonarista e impor uma correlação de forças favorável para a nossa classe, o que apenas elegendo Lula não é possível. 

Em que pese as diferenças políticas com a direção do PT, somos solidários com a esposa de Arruda, amigos, família e militantes de base que diante da violência neoefascista atuaram de maneira corajosa, violência essa que ainda não deu verdadeiras mostras da sua capacidade de se impor pela força e que por isso precisa ser enfrentada e aplastada. A questão política que precisa ser discutida é que a estratégia da direção do PT de conciliação de classes – bem como a do PSOL que liquidou o partido rifando sua independência de classe neutralizando-se para táticas efetivas de luta contra o bolsonarismo -, de não chamar à luta direta e à auto-organização e autodefesa da nossa classe, ou seja, atuar nos exclusivos limites da ação parlamentar, contribuíram para criar as condições para a vitória de Bolsonaro em 2018 e agora, com a mesma estratégia, desarmam para a resistência diante dos perigos neofascistas.

Os partidos que compõem a frente de conciliação de classes Lula-Alckmin depositam confiança nas mesmas instituições que estão dominadas quase que em sua totalidade pelo bolsonarismo, como é o caso do Congresso, da PGR e da PF. Já conhecemos essa história, a confiança no aparato estatal dominado pelo bonapartismo de direita contribuiu para a derrota da classe trabalhadora alemã e para a ascensão do nazismo na década de 30, bem como em outras experiências históricas. Certamente que é necessário fazer exigências, porém cabe também denunciar esses órgãos e afirmar categoricamente que a defesa dos direitos democráticos, da vida das nossas lideranças e outro futuro melhor estão exclusivamente em nossas mãos. Será através da mobilização de massas nas ruas e da organização da autodefesa – não na confiança nas forças repressivas como sempre pretendem os conciliadores de plantão – desde os organismos de base  com um programa anticapitalista à frente que poderemos fazer o neofascimo recuar e derrotá-lo. 

Assim, os atos de campanha de todas as candidaturas da esquerda de fato precisam ser transformados em atos contra o golpismo. Além disso, um teste fundamental será o 7 de setembro. O bolsonarismo quer fazer uma grande demonstração de força, um ensaio golpista mais poderoso do que o do ano passado. Por essa razão, as candidaturas da esquerda socialista e suas organizações – Vera Lúcia (PSTU), Sofia Manzano (PCB) e Leonardo Péricles (UP) – precisam imediatamente sentar à mesa em uma frente política e a partir daí organizarem ações comuns que levem às massas a exigência de que Lula, PT, CUT e a direção de todos os aparatos de massas encarem a necessidade de enfrentar o bolsonarismo através do movimento de massas nas ruas. Apenas a auto-organização das massas pode construir a força material que coloque o bolsonarismo e a classe dominante na defensiva para que possamos combater a fome, o desemprego, a violência, a precarização e todas as mazelas impostas pela classe dominante e seus governos. 

Bolsonaro é o responsável político!

Justiça por Marcelo Arruda!

Frente política das candidaturas da esquerda socialista para organizar a luta!

Lula, PT e CUT devem chamar a mobilização de rua e organizar Comitês de Autodefesa para enfrentar a violência política neofascista!