Renato Assad – Juventude Já Basta!

Com quase dois anos de portas fechadas, é preciso voltar às universidades  com um planejamento verdadeiramente democrático, técnico e que descarte qualquer possibilidade de ensino híbrido.  

Em março de 2020, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) Tedros Adhanom declarava que o estado de contaminação do novo coronavírus elevava-se ao quadro de pandemia quando foram notificados mais de 115 países com casos confirmados de infecção. No dia 17 do mesmo mês o Brasil registrava a primeira morte por Covid-19 em São Paulo – a primeira das mais de 600 mil vítimas que fizeram de nosso país destaque internacional.

Caminhando para o final do segundo mês do calendário de 2022, o cenário pandêmico é outro, por mais que se mantenham algumas incertezas, a volta às atividades presenciais, como a educação básica e o mundo do trabalho, estão praticamente cimentadas – menos quando falamos no ensino superior, predominantemente o público, que ainda se mantém sobre um quadro de indefinições que já poderiam – e deveriam – ter sido resolvidas ao nosso entender.

Sem cair em qualquer simplificação ou tentativa de uma análise tecnicamente aprofundada sobre a situação sanitária, tarefa necessária e indispensável para a retomada do ensino superior presencial – na qual a área da saúde deve ser parte formuladora – pretendemos aqui dissertar sobre a importância da volta à presencialidade no ensino superior sobre a ótica educacional, política e social.

Contra a precarização e o “novo normal”

É consentido que a pandemia de Covid-19, um fenômeno de proporções ainda por serem estudadas e de consequências, todavia, em curso, explicitou e intensificou as contradições de uma antiga normalidade – até aquelas mais veladas pela antiga cotidianidade. A nível internacional e com uma piora significativa das condições de vida das massas trabalhadoras, para além das irreparáveis perdas, saltou-se como alternativa aos olhos de um mundo em estado atônito o processo de “uberização”, um fenômeno de contratendência à grave crise estrutural do capitalismo deste século e que nos explicita a ferocidade deste sistema para o atual e próximo período.

Certamente com a luta dos entregadores de aplicativos, uma categoria que teve um aumento extraordinário do seu corpo de força de trabalho, ficou evidente que as novas relações de trabalho entregam a nós uma imagem de um resultado social desastroso, contrariado pela categoria a nível internacional. Entretanto, não só os entregadores foram submersos às novas dinâmicas ultracapitalistas deste século. A educação, que remava e rema contra a maré do sucateamento não poderia deixar de ser palco também para um avanço ainda maior da precarização – agora com a “desculpa” da pandemia.

A nova dinâmica das relações educacionais de pronto nos evidenciam que é impossível substituir determinados espaços físicos e processos de aprendizado pelos espaços virtuais – o ensino a distância (EAD). Escancarou os impactos sobre a qualidade de ensino no meio virtual, que em grande parte se materializou por um processo preocupante de evasão – ressalta-se a grande desigualdade ao acesso à internet e ferramentas para o ensino virtual – e do não aprofundamento disciplinar pelas óbvias condições.[1] Latente é a saturação de todo o corpo estudantil e o déficit dos espaços de socialização e organização deste corpo que precisa retomar os seus lugares, certamente não a qualquer custo e não de qualquer maneira. Resume-se: assim como entraram em uma situação extraordinária, as ferramentas virtuais de ensino devem passar agora para o caminho de saída!

Com toda a certeza o distanciamento social se fez mais do que necessário e sem sombra de dúvidas pôde poupar milhares de vidas e ainda o é, certamente em outros moldes prévios às vacinas.[2] Estamos, é fato, diante de uma nova situação sanitária em grande parte por conta da imunização em massa – muito aquém do que poderia ser pela não quebra das patentes – fazendo-se possível retomar os espaços presenciais e uma vida cada vez menos virtualizada e consequentemente impondo limites ao EAD. Contudo, a educação superior – isto não é uma exclusividade nacional – segue amarrada por uma política negacionista e darwinista social que não garantiu lockdowns efetivos no início das ondas pandêmicas, pela falta de testagens em massa e garantia de equipamentos aos trabalhadores da educação e aos discentes, pela falta de planejamento e por uma comodidade perigosa por parte da direção das instituições de ensino e de parte dos docentes. Mas, se esta situação não for superada servirá cada vez mais para a privatizante antessala cada vez mais aconchegante para a normalização da hibridização pedagógica com consequências graves à educação, socialização e organização dos jovens.

Enquanto o ultracapitalismo avançar com políticas para que jovens trabalhadores acessem a educação apenas como um meio para fabricar diplomas, ou nos excluir dos espaços de formação e compartilhamento do conhecimento, nós edificaremos a batalha como o seu algoz.

Sob a sanha de setores do capital financeiro e uma virtualização necessária, a luta pelo planejamento de volta às atividades presenciais para ainda este semestre é uma luta contra toda e qualquer tentativa de emplacar uma nova normalidade educacional já encontrada na esfera privada da educação superior. Se já eram duras as condições que se encontravam as universidades públicas antes da pandemia, agora tornam-se ainda mais desafiadoras para o retorno presencial. Ressaltam assim um processo contraditório que deve ser enfrentado em unidade do corpo docente com o discente e com os trabalhadores sob a base de um programa de reivindicações que possa assegurar uma volta inteiramente presencial.

Uma necessidade política e educacional

Com dois anos sem qualquer espaço físico de livre organização e discussão entre os estudantes universitários e diante de um ano que tende a uma intensificação da polarização política nacional – um quadro indefinido de possibilidades e ameaças -, os estudantes devem exigir e construir o retorno às aulas presenciais bem como retomar e (re)ocupar os espaços para a organização e mobilização política que no último período teve suma importância na luta contra Bolsonaro, mas ainda extremamente carente de espaços que possam ajudar num salto qualitativo à luta política.

Como reflexo de uma política pouco capaz e pouco solidária das direções do movimento estudantil nacional, sobretudo de sua representação maior (a UNE), as universidades públicas nestes quase dois anos de pandemia não esboçaram qualquer tentativa, a priori, de campanhas de solidariedade e acolhimento, e posteriormente de retomada dos espaços para a luta política contra Bolsonaro, uma responsabilidade que não pode ser inteiramente colocada ao quadro pandêmico de maneira unilateral.

Enquanto as ruas tornavam-se palco para uma ampla vanguarda que protagonizava uma ascendente luta contra o governo Bolsonaro e apontando possibilidade real de derrotá-lo ainda em 2021, o movimento estudantil, a nível nacional, mostrava-se incapaz – por uma série de orientações políticas – de retomar os espaços estudantis para a discussão, organização e mobilização de todo o corpo universitário, que sem sombra de dúvidas poderia ter se tornado um importante centro político pelo país.

Sob uma combinação de determinantes, com maior peso para uma política de desmobilização e de orientação exclusivamente eleitoral por parte da burocracia lulista, as ruas refluíram de maneira significativa ao não darem um salto qualitativo com a incorporação de contingentes expressivos das massas trabalhadoras na luta para derrubar o governo – não se superou o caráter de ampla vanguarda nas mobilizações pelas ruas.[3] E, ao que tudo indica, a orientação política destes setores não sofrerá importantes mudanças por uma razão atrelada a sua própria natureza, o seu modus operandi.

Não se faz necessário aqui discorrer sobre o papel político-histórico que cumpre a juventude a nível internacional, sedimentada hoje como um dos setores mais dinâmicos da luta de classes. Entretanto, pela conjuntura nacional repleta de indefinições, totalizada pelo âmbito eleitoral, o que não significa uma contemplação do quadro político até as eleições – pelo contrário – e pela tendência a uma intensificação da polarização que de maneira alguma termina por definir mecanicamente os próximos capítulos conjunturais, a necessidade de retomar a organização política da juventude será de suma vitalidade para o retorno das atividades acadêmicas presenciais e para a luta contra Bolsonaro e a reversão desta barbara condição de vida dos explorados e oprimidos.

Uma das principais lições históricas e científicas que temos é que o “estado das coisas” nada mais é que uma herança dos interesses de determinada classe, a materialização de uma agenda político-econômica que configura este “estado das coisas”. O bom e velho Marx avisara que os homens e mulheres, na produção social de suas vidas, vão se encontrar com determinadas relações necessárias e independentes de suas vontades. Contudo, também nos deixa claro que de maneira alguma somos sujeitos limitados a contemplar a realidade e apenas assistir ao filme passar – sem capacidade para alterar o seu roteiro. É precisamente por isso que afirmamos, nos dirigindo sobretudo à juventude universitária, que para se lograr condições para o retorno presencial é preciso construí-las.

Será necessário um implacável resgate das reivindicações históricas do movimento estudantil, além de suas atualizações, para colocar de pé um programa que oriente a base dos estudantes, professores e trabalhadores para retornar de maneira segura, consequente e totalmente presencial às universidades. A começar destacamos algumas das reivindicações mais gerais que contribuam ao programa: Controle de acesso aos espaços universitários apenas para os/as vacinados/as; testagem para todos que apresentarem sintomas ou tiverem exposição ao vírus; disponibilização de máscaras como as PFF2 para os três setores das universidades; contratação imediata de professores para garantir a não superlotação das salas e o oferecimento de todas as disciplinas na grade curricular; licença remunerada aos docentes que se enquadram como grupo de risco e imediata substituição; ampliação dos restaurantes universitários e contratação de trabalhadores para o setor; revogação da terceirização de todos/as trabalhadores/as universitários; auxílio extra para os estudantes que terão de retornar de suas cidades com o critério dos auxílios já existentes; reformas imediatas nas moradias universitárias e sua ampliação.

 

[1] Um levantamento da Associação Profissional das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo mostrou que no primeiro semestre de 2020 608 mil alunos trancaram ou deixaram os seus cursos em instituições privadas do ensino superior. Os números para o ensino público ainda são incertos.

[2] Um estudo da UNICAMP demonstrou que no período de duas semanas uma vida era poupada a cada 1.5 minutos pelo distanciamento social e o uso de máscaras.   https://www.ime.unicamp.br/~pjssilva/vidas_salvas.html

[3] O ato do dia 24 de julho de 2021 ficou marcado pelo começo de um refluxo político das ruas por uma série de motivos que analisamos neste artigo: https://esquerdaweb.com/um-balanco-do-24j/