Em tempos obscuros de ataque à arte e cultura nacional, a banda mineira vai pela contramão da maioria dos artistas de sucesso hoje, mostra com sua música livre o espírito de luta que toma a consciência de uma juventude internacional. Com profundos e emblemáticos temas, o grupo que não esconde o seu posicionamento político, vem ganhando projeção nacional.

Renato Assad

Em um cenário de encruzilhada histórica e de uma juventude internacional que toma pelas próprias mãos a arte e a ciência política, forjando na prática cotidiana uma nova experiência densa e riquíssima na luta de classes, a juventude Já Basta! vem se esforçando para incorporar ao cenário temas relacionados à arte e cultura para que a nossa luta coletiva se encha de cores, vida e inspirações.

Gostaria aqui de apresentar a vocês uma banda nacional jovem que vem ganhando um importante espaço no mundo musical entre a juventude. Uma companhia calorosa e inspiradora que me tem acompanhado nesse período de isolamento social, a banda Caldêra é carregada de uma energia única e influências, como: o Rock-Maracatu, a Lira Paulistana e lotada de referências indispensáveis da música nordestina.

A banda foi formada no ano de 2016. Ano da consolidação da ofensiva reacionária, período fundamental para explicar o atual cenário de uma crise política e social histórica, que hoje nos coloca no período mais dramático da nossa recente democracia.

Talvez possa ser por isso que o grupo, construído e pensado a partir de viagens que fizeram alguns de seus músicos pelo Brasil e América Latina em boleias de caminhão, carregue consigo uma energia e um grito vibrante de luta em suas músicas. Estética que não poderia interpretar de outra maneira que de uma semelhança com o levante internacional das novas gerações contra todo o tipo de opressão – essa é uma banda inseparável do nosso tempo.

Com quase 4 anos de existência, a Caldêra produziu até aqui um CD gravado ao vivo na plataforma Show Livre, outro produzido em estúdio, dois singles e um vídeo clipe da música “Na Caldêra”, gravado por Priscila Garcia em Barueri-SP e lançado recentemente no dia 1° de maio deste ano. Em uma, todavia, recente história, o grupo já se apresentou em várias cidades brasileiras, sendo premiado em todos os festivais que participaram, o que não poderia ser diferente.

A música “Na Caldêra”, considerada um mantra pela banda e que não podia ser mais carregada de vigor, apresenta uma letra que fala sobre o “patrão animal” que se acha deus e apresenta frases emblemáticas como “terei lutado pronto para viver”, pois é isso o que faz a juventude hoje, uma luta pelo direito à vida e que transborda vivacidade.

Essa faixa é um verdadeiro canto que vibra na capital mineira – “nosso canto é tamanho que revira a mata meu pai” – como qualquer outro/a artista que constrói o mundo da arte – como diz Tátio, vocalista da banda, ressaltando a importância de todos os cantos e gritos dos mais variados artistas que contra tudo seguem na batalha por uma sociedade cheia de cultura e arte, pois sem isso certamente não haveria vida em nossa sociedade.

Em um dos shows realizados pelo grupo, um trabalhador de uma siderúrgica disse ter se emocionado com a letra contra o patrão, identificando-se com o seu local de trabalho, a caldeira. A revolta contra as condições de trabalho é um sentimento global dos explorados e oprimidos. Apesar de não ter sido escrita com esta simbologia, segundo a banda, a arte é magnifica justamente por proporcionar diferentes interpretações conforme as diversas realidades de cada um que constrói internamente alguns dos mais fundamentais sentimentos, o de pertencimento e representação de identidade. Tátio, hoje diz que não consegue deixar de enxergar uma siderúrgica por todos os lados desta canção – risos.

Na época do governo Temer, Juliano (teclado) e Tátio (vocal) escreveram a música “Retomada” no momento em que se discutia a reforma da previdência, hoje aprovada pelo governo genocida e autocrático de Bolsonaro.

“Não me canso de dizer, não sou manso não senhor, meu trabalho é para viver, se não tem vida não vou”. Assim como o grupo, não podemos deixar de interpretar esta música como um grito contra a exploração das trabalhadoras e dos trabalhadores. Ela traz consigo a fundamental denúncia de que o trabalho não dignifica o homem, na verdade, como estamos cansados de saber, nas condições capitalistas, ele serve apenas ao capital e o empresariado através de uma histórica e desumana exploração.

A faixa “Bancada”, uma das minhas favoritas, apesar de poder estar sendo impreciso e escolher todas como favoritas, é um hino do momento histórico em que atravessamos. “Ressuscitei nessa terra pronto para ver bela rebelião, mas na conversa levaram até quem não crê nesse acordão vilão. Banca da bíblia, banca do boi, banca da bala tomou de assalto à morada do cão, e os inimigos de hoje ainda são os mesmos que deixaram em segredo a tortura”.

Ainda nesta mesma canção a letra diz, “Sobre esse corpo latino ergue-se a lei decreta a exceção. Bota na conta da corte mais um na linha de frente, pedra de atiradeira na cara do rei”. Isto te faz lembrar algo? Não consigo deixar de visualizar toda a violência racista e opressão encaminhando um levante insurreto, com as mesmas chamas que tomaram conta da delegacia de Minneapolis.

Acredito que com a música, como com qualquer outra arte, cada ser busca seu lugarzinho de identificação e de pertencimento, um sentido que coloca vida no indivíduo. E a obra artística aqui apresentada, quando a conheci, parece haver chegado com os dois pés na porta, abrindo com suas melodias e letras um espaço que dá vida aos meus sentimentos e emoções.

Confesso que poderia tentar descrever e desvendar trecho por trecho das belas, enérgicas e florescentes letras da Caldêra, mas talvez construiria uma rigidez oposta daquilo que acreditamos que deve construir a arte, a parir da diversidade de interpretações e o sentido que cada um deve tomar para si – esta é a verdadeira concretude.

Abaixo vos deixo o Clip Oficial para que conheçam esse trabalho brilhante e tão importante para a política e cultura nacional, e espero que se sintam abraçados, assim como me senti.

*Integrantes:

Tátio no vocal

Juliano Antunes no teclado

Gabriel Ladeia no violão

Davi Lima no baixo

Dgár Siqueira na bateria