Estudantes da USP saem à frente no processo grevista que pode mudar a conjuntura estadual (SP), derrotar os ataques de Tarcísio e impactar o cenário nacional
POR ANTONIO SOLER
O governador bolsonarista do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), como era de se esperar pela sua trajetória, apadrinhamento, base de apoio e programa eleitoral, desde o começo do seu governo, em que pese suas idas e vindas para tentar se parecer mais palatável, leva adiante uma ampla política ultrarreacionária de ataques aos direitos dos trabalhadores, privatizações e genocídio contra a população negra e periférica.
No entanto, uma nova onda de lutas em vários setores (universidades, transportes, saneamento e periferias) pode alterar a conjuntura política no Estado de São Paulo – colocando uma correlação de forças mais favorável para a mobilização – e responder à política de Tarcísio. Além disso, uma ofensiva dos trabalhadores e oprimidos em São Paulo pode impactar o cenário político nacional, em que a derrota eleitoral de Bolsonaro abriu o caminho para um processo mais favorável de mobilização.
A derrota do neofascismo não ocorreu no terreno direto da luta direta, porém em seu lugar foi colocado um governo de conciliação de classes com intenções normalizadoras que – além de não revogar nenhuma contrarreforma dos governos anteriores – combina ataques neoliberais (novo teto de gastos, reforma tributária regressiva e outros ataque estão por vir, como a reforma administrativa) com velhas políticas de compensação social que estão cada vez mais longe de resolver os problemas estruturais da nossa classe.
Uma nova conjuntura de lutas nas ruas desde a base de importantes categorias pode colocar um freio aos ataques do governo de extrema direita paulista contra os serviços públicos e a juventude, repercutindo assim em um processo mais geral de mobilização que também responda às contrarreformas do Lula 3 e à necessidade de derrotar definitivamente o bolsonarismo.
Tarcísio: inimigo dos serviços públicos, dos trabalhadores e da juventude negra e periférica
Na frente da segurança pública, Tarcísio comporta-se absolutamente como um genocida contra os trabalhadores negros e periféricos. A operação “Escudo” em favelas da Baixada Santista (Guarujá), a partir do dia 28 de julho, que tinha a justificativa formal de prender o assassino de um soldado da ROTA (batalhão da PM famoso pelas abordagens que invariavelmente acabam em mortes), levou a 16 mortos. Logo depois da chacina, Tarcísio ao lado do seu secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (deputado federal bolsonarista e policial da reserva da ROTA que afirmou que era vergonhoso para um policial não matar 3 pessoas em 5 anos), disse que estava “extremamente satisfeito com a operação da polícia” e que não se combate ao crime sem “efeitos colaterais”.
Segundo depoimentos de moradores das favelas, muitos mortos não eram ligados ao crime ou não foram vitimados em confronto direto com a polícia, mas sim vítimas de torturas e execuções sumárias durante a intervenção policial. A promotoria pública diz estar investigando o caso: policiais estavam sem câmeras em seus uniformes ou estavam desligadas. Mas, sabemos que se não houver uma tremenda pressão das ruas esse será mais um caso em que os genocidas dos governos e de suas forças policiais passarão impunes.
Os moradores das favelas do Guarujá já realizaram manifestações exigindo justiça, mas a sua luta contra os genocidas da população negra e periférica precisa ganhar mais espaço no interior de todos os movimentos sociais, sindicatos e organizações políticas. Essa chacina é de responsabilidade política direta do governo do Estado de São Paulo e de sua Polícia Militar, por essa razão, os moradores das favelas de todo o Estado devem contar com o apoio de todo o funcionalismo público em sua luta contra a necropolítica. A necropolitica contra a população negra não se restringe apenas aos governos de direita ou de extrema direita, vide o caso do Estado da Bahia, que é dirigido pelo PT e bate recordes de violência política contra a população negra.
A política deste governo que mais tem reverberado na grande mídia é a educacional. Tarcísio de Freitas, no primeiro semestre deste ano, fechou salas de aula, privatizou a gestão de centenas de escolas e retirou dos alunos o direito de terem materiais educativos impressos. Além disso, sem a menor consulta aos educadores, com a recusa em participar do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), tentou impedir que os estudantes tivessem acesso a esse importante recurso pedagógico que não tem custo algum às unidades da federação.
Essa situação só foi revertida depois de uma tremenda repercussão negativa e uma medida judicial que obriga o governo do Estado a aderir ao PNLD. Lembre-se que Feder, quando ainda não tinha sido indicado para a pasta da Secretaria da Educação e era presidente da Multilaser, fechou um contrato no valor de R$76 milhões no final do governo anterior, Rodrigo Garcia (PSDB), que apoiou entusiasticamente as candidaturas bolsonaristas para presidente e governador).
Assim, na educação básica (sobre as universidades trataremos brevemente mais abaixo), Tarcísio combina espoliação política, administrativa e financeira da escola pública com uma série de outros ataques ao magistério. Por essa razão, é um acinte que a direção lulista do sindicato dos professores da rede estadual de ensino (APEOESP), no intuito de conciliar com a extrema-direita em vez de enfrentá-la nas ruas, não convoca uma assembleia para o dia de greve unificado dos trabalhadores da SABESP, CPTM e Metrô, chamando-a apenas para o dia 20 de outubro.
A política bolsonarista em São Paulo para o transporte e o saneamento básico é centralmente pautada pela terceirização, precarização e privatização. Com ainda mais ênfase nesse terceiro elemento, pois para os grandes capitalistas estes setores aparecem nesse momento como mais operacionais e lucrativos. Essa política tem levado à queda de qualidade dos serviços, à acidentes constantes, perda de direitos e sobrecarga sobre os trabalhadores. Como consequência, empresas terceirizadas não pagam salários dos trabalhadores, ocorrem descarrilamentos, trens partem com portas abertas por excesso de usuários, a velocidade de movimentação foi reduzida durante 200 dias e acontecem colisão de trens em plataformas.
Situação que tem levado a uma crescente indignação dos trabalhadores e a protestos espontâneos contra a falta de pagamentos; como a que vimos das trabalhadoras terceirizadas da bilheteria das linhas 8 e 9 dos trens que – em um grande exemplo de luta – em protesto se retiraram do seus locais de trabalho e chegaram a ocupar as linhas férreas.[1] Mesmo diante dessa catástrofe, sob comando de Tarcísio, a direção do Metrô e da CPTM insistem no processo de privatização com um novo edital para terceirizar todo o atendimento nas estações.
Esse é um cenário explosivo que coloca a necessidade de que essas duas importantes categorias se unifiquem, superem os entraves que encontram em parte de suas direções e caminhem à greve unificada com os trabalhadores da SABESP.
O saneamento básico é hoje o centro do entreguismo bolsonarista dos bens públicos ao capital privado. A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) – empresa que atende quase 70% da população urbana de São Paulo (27 milhões de pessoas distribuídas em 375 dos 645 municípios do Estado) – está na mira de Tarcísio, pois quer transferir a maior parte de sua enorme lucratividade diretamente ao capital privado.[2]
Essa empresa, que passou por um primeiro processo de privatização vendendo ações em 2002, hoje é de capital aberto e o Estado tem participação majoritária com 50,3% das ações. Com a falácia de que com a privatização da empresa será garantida a universalização do saneamento, a despoluição dos principais rios paulistanos e a redução das tarifas – em centenas de cidades pelo mundo há um processo de reestatização das empresas de saneamento básico, porque além das altas tarifas, o capital privado, por procurar sempre o lucro máximo, não atende as regiões mais periféricas das cidades.
O governo do Estado tem pressa em entregar essa gigante do saneamento básico, que proporcionou em 2022 um lucro de cerca de R$22 bilhões, o que supera em 13,2% o lucro obtido no ano de 2021, exclusivamente para a valorização privada através de um envio de projeto à Assembleia Legislativa. Se esse projeto for votado significará um tremendo retrocesso para a população do Estado, com resultados exatamente opostos aos que propagandeiam o governo, ou seja: aumento das tarifas, redução da rede sanitária e demissão de trabalhadores.
A unificação dessas 3 categorias no dia 3 de outubro pode ser um momento transcendente da conjuntura política estadual com forte repercussão em todo o país. Para tanto, é fundamental que essa seja uma greve em que a base das categorias participe de forma direta dos piquetes, organizem comandos de greve e uma grande manifestação conjunta no dia da paralisação. Por essa razão, é fundamental que a Apeoesp (sindicato dos professores do ensino básico) antecipe a convocação da assembleia com paralisação para o dia 3: unificar todas as categorias nesse momento é decisivo para colocar na defensiva esse governo de extrema direita, que quer privatizar, demitir, precarizar ainda mais as condições de trabalho e impor o terror à juventude negra e periférica.
USP aponta o caminho para derrotar Tarcísio
Nesse processo de mudança da conjuntura política estadual que parece estar em curso, o setor que está mais avançado em termos de mobilização são os estudantes universitários, particularmente os estudantes da USP.[3]
Não é por menos. Podemos dizer que a Universidade de São Paulo vem passando por um processo de profundo sucateamento, e isso ocorre particularmente em relação aos cursos que não são de interesse imediato do mercado. Na USP, Tarcísio e o Reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior colocam em prática uma modernização reacionária, em que a modernização mercadológica convive com a mais absoluta precarização das condições de estudo, permanência e pesquisa. Essa é uma situação de tamanha decadência que faz com que os estudantes do CRUSP (Moradia Estudantil da USP) tenham que lutar até por água encanada.
Essa situação objetiva somada à uma crescente mobilização dos estudantes e à repressão dos dirigentes da universidade levou à eclosão da luta grevista. O diretor da FFLCH (Paulo Martins), ao tentar criminalizar e reprimir o movimento estudantil, que fazia um protesto contra a situação no dia no dia 18/09, deu um tiro pela culatra. No dia seguinte, em Assembleia Geral no Vão da FFLCH, os estudantes aprovaram a greve geral. A luta por professores (nos últimos 9 anos a USP perdeu 1.039 professores, o que tem feito com que em alguns cursos não se pode concluir a carreira por falta de disciplinas obrigatórias), pelo ajuste nas bolsas de permanência (atualmente é de R$800 enquanto o preço médio do aluguel é de R$1261,36 em qualquer quartinho nas redondezas da USP) e por democratização da universidade (a USP é comandada por um Conselho Universitário que elege um Reitor que tem plenos poderes enquanto a maioria da comunidade acadêmica está alijada do poder) estão no centro do conflito.[4]
Em que pese que a greve dos estudantes esteja crescendo, é preciso unificar a luta dos três setores (estudantes, funcionários e professores) em torno de uma pauta comum de mobilização que dê conta das necessidades de todos. Nesse momento, a grande tarefa que se coloca é massificar e radicalizar (aprofundar sua pauta e métodos de luta) o movimento, o que passa pela incorporação direta dos funcionários na greve e por nacionalizar o movimento.
É fundamental que, além de fortalecer o seu próprio setor com ações de rua, construção de piquetes unificados, atos e panfletagens, toda ação dos estudantes em greve apoie o processo de mobilização dos funcionários (o que sempre envolve mais cuidados porque se trata de trabalhadores que tem o seu salário e emprego em jogo) rumo a sua participação efetiva na greve. Assim, é preciso desenvolver uma série de diálogos com os trabalhadores nas unidades, bem como com a direção do SINTUSP no sentido de apoiar os companheiros para que possam se somar efetivamente ao processo de mobilização grevista.
Além da necessária incorporação dos funcionários na greve, do ponto de vista da dinâmica geral do movimento, nossos companheiros e companheiras da Juventude Já Basta! tem defendido a unificação da luta através da realização de Plenária dos 3 Setores; que os estudantes se somem às principais manifestações dos movimentos sociais fora da universidade e da greve estadual centralizada (metroviários, ferroviários e trabalhadores da SABESP). É preciso que o movimento estudantil da USP se jogue no apoio efetivo aos piquetes de greve e nas ações centralizadas (em relação às quais precisamos realizar um processo de exigência/apelo junto aos sindicatos para que ocorra ao menos um grande ato centralizado) no período da tarde do dia 3 de outubro e nas próximas jornadas.[5]
Esse será um momento decisivo – e os estudantes da USP em greve tem total condições contribuir de maneira efetiva – para colocar em prática a unidade operário-estudantil e unificar a luta de todos os setores contra o sucateamento dos serviços, privatização, precarização do trabalho nos serviços públicos e o genocídio da juventude negra e periférica pelo governo de extrema-direita de São Paulo.
A greve na USP cresce, mas temos que reconhecer que esse será um duro embate, pois ainda estamos nos estertores de uma mudança cabal na correlação de forças (tema que vamos desenvolver um pouco mais abaixo). Não podemos desconsiderar em nossa caracterização do processo que a burguesia está decidida em avançar no processo de privatização da universidade e para tanto precisa derrotar o movimento estudantil, não temos ainda um processo generalizado de lutas e o governo Lula 3 concilia com todos os setores da burguesia e seus representantes, inclusive com Tarcísio e seu partido.
Por essa razão, além de levantarmos a pauta mais específica de mobilização, de lutarmos pela unidade com os funcionários e com as demais categorias, precisamos levantar bandeiras mais políticas durante o processo de mobilização, como a do chega de Tarcísio autoritário, genocida e privatista. Lula e seu governo não podem ficar ilesos, é necessário, a partir da luta direta, que o movimento estudantil exija que ele revogue a reforma do Ensino Médio e todas as contrarreformas passadas e as que estão em curso; bem como deve se posicionar contra o processo de precarização, sucateamento e privatização da USP e de todos os serviços públicos em São Paulo.
A luta em São Paulo impacta a conjuntura nacional
Como vimos assistindo há 9 meses no país após a eleição de Lula, tivemos uma pequena mudança – quantitativa ainda – na correlação de forças entre as classes com a derrota eleitoral de Bolsonaro. Não há derrota eleitoral que dê conta de uma inversão qualitativa da correlação de forças de forma a permitir que saiamos da defensiva política na qual nos encontramos.
Bolsonaro foi derrotado – com baixa margem de votos que se diga(!) – pelas massas dos trabalhadores mais pobres, precarizadas e oprimidas, mas em seu lugar foi colocado um governo burguês liberal-social de conciliação de classes com intenções normalizadoras. O Lula 3, para obter os votos necessários para seus projetos (reformas neoliberais e alguns ajustes tributários para garantir as metas fiscais) tem cedido cada vez mais espaço para a direita (Centrão) em seu ministério, que não quer apenas verbas e cargos nas estatais, mas ter peso político no governo.
Nessa composição governamental, que prima pela conciliação com a direita e extrema direita para garantir estabilidade do regime, interesses patronais e votos necessários para os projetos do governo (muitos deles reacionários). Desta forma, mesmo algumas vitórias parciais e momentâneas, pela falta de mobilização que imponha uma derrota efetiva à extrema direita, podem não ser garantidas. Esse é o caso da derrubada da tese do marco temporal no STF que ainda vai votar se a demarcação de terras indígenas deve ser feita com indenização prévia aos grileiros.
Mas, a conciliação de classes é uma linha que perpassa não apenas o governo Lula 3, que acaba de nomear um ministro do Republicanos (partido de Tarcísio) para o Ministério de Portos e Aeroportos com o objetivo de consolidar sua base de apoio no Congresso Nacional. Ela é transversal e ocorre de forma descarada nos sindicatos e movimentos sociais dirigidos pelo lulismo (PT, PSOL e outros satélites). Não é por outra razão que a direção da APEOESP (composta por lulistas e psolistas) atrasou o processo de mobilização e só está chamando a categoria para uma assembleia no dia 20 de outubro.
O mesmo ocorre em relação à direção do DCE da USP (Diretório Central dos Estudantes Livre Alexandre Vannucchi Leme) – dirigido por UP, MES e PCB -, que só chamou assembleias e se posicionou pela greve depois de que ela já havia se colocado na prática pela ação dos estudantes da FFLCH. Por essa razão, construir uma forte luta independente da burocracia na USP e em todas as categorias que rompa com esse pacto de classes, que só fortalece nosso inimigo e atrasa a necessidade de virar o jogo desfavorável, é decisivo.
Nesse cenário político, após a derrota eleitoral de Bolsonaro, vitórias categóricas dos explorados e oprimidos ainda não se consubstanciaram. No entanto, a nova situação tem permitido o afloramento de lutas, como foi o caso dos sem-terra, das enfermeiras, metalúrgicos, professores em vários estados, entregadores por aplicativo, população negra contra a violência policial e, agora, de estudantes universitários e funcionários públicos em São Paulo. Essas mobilizações, pela expectativa que se tem no atual governo de conciliação de classes, pelo peso que ainda tem a extrema direita e a direita no cenário nacional, pela sobrevivência do bolsonarismo e pela política da direção majoritária do movimento – que adia, freia e desvia sistematicamente a luta direta dos explorados e oprimidos – ainda não foram capazes de superar a fragmentação e alcançar um status nacional para impactar os rumos políticos do país.
O processo de mobilização paulista, dos estudantes da USP, dos trabalhadores públicos do transporte e do saneamento básico e das periferias, é um ponto de apoio para todos os trabalhadores do Estado e do país. Assim, as categorias em luta têm a responsabilidade de realizar conjuntamente um dia de paralisação no dia 3 de outubro que seja capaz de parar as empresas desde a sua base e realizar um imenso dia unificado de mobilização com um ato centralizado, o que pode abrir caminho para uma greve por tempo indeterminado até impor suas reivindicações, um processo de luta nacional de todo o funcionalismo e do conjunto da classe.
Todas as categorias do funcionalismo público de São Paulo e de outros Estados devem marcar paralisações, manifestações e atos para essa data. Assim, podemos construir um grande dia estadual de mobilização com repercussão nacional para enfrentar o governo de São Paulo, a privatização e demais ataques aos serviços públicos em todo o país. Além das pautas específicas, esse movimento deve politizar as suas mobilizações levantando a luta contra o novo teto dos gastos, contra a reforma tributária regressiva, contra o marco temporal e a reforma administrativa (ataques do Lula 3 e do Centrão) e pela prisão de Bolsonaro e de todos os genocidas e golpistas, tarefa central hoje para derrotar a extrema direita no Brasil.