Por Víctor Artavia

Na segunda-feira, dia 9, foram realizados cerca de sessenta atos e mobilizações em rejeição à invasão, e depredação dos prédios públicos, pelos bolsonaristas da Praça dos Três Poderes (Palácio do Planalto, Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal) no domingo passado. Essa ação teve um conteúdo abertamente golpista, pois pretendia criar as condições para o fechamento do regime, alentando a intervenção das forças armadas, policiais e grupos de extrema direita. Embora este ataque tenha fracassado, gerou um forte repúdio entre amplos setores da população, devido ao seu caráter reacionário contra as liberdades democráticas.

Milhares nas ruas contra o golpismo

Diante da intentona golpista, diversos movimentos sociais, torcidas dos principais times de futebol, sindicatos e organizações da esquerda, convocaram atos ao longo do pais. O caráter das mobilizações foi diferente em cada lugar, porque concentrou setores cujas lideranças são apoiadores do governo -como MTST ou PSOL- com outras organizações independentes. Isso foi evidente nos slogans de vários atos, sobretudo nos quais apelaram a uma defesa abstrata da “democracia”. De qualquer forma, os protestos tiveram um caráter geral progressivo contra as ações golpistas e antidemocráticas dos bolsonaristas; aliás, não ficaram na passividade promovida por Lula e o PT, cuja política é confiar nas instituições burguesas e não mobilizar nas ruas.

No caso de São Paulo, o ato teve uma participação em torno de 20 mil pessoas (segundo o relatório do jornal Estadão, a passeata atingiu as duas faixas da via ao longo de sete quarteirões). Mesmo que tenha surgido algumas consignas acríticas ao governo da frente ampla de Lula-Alkmin, também ressoaram as que impulsionou a esquerda radical, como “sem anistia”, “prisão para Bolsonaro e os golpistas”, “derrotar o neofascismo nas ruas”, entre outras.

Os relatórios das mobilizações nas outras cidades apontam num mesmo sentido. As imagens do ato no Rio de Janeiro, acontecido nos arredores da Cinelândia, mostram milhares de pessoas com cartazes contra o golpismo e pedindo punição para Bolsonaro.

Além disso, foi evidente a presença de muitas pessoas independentes, um elemento diferente em relação aos últimos atos realizados na Paulista. Nesse sentido, ainda que tenha sido uma ação de vanguarda, os atos contra o golpismo aproximaram novos setores da população com disposição de sair a lutar.

Isso tem relação com os dados da pesquisa do Datafolha realizada em dezembro anterior, na qual 75% dos entrevistados mostraram-se contrários aos “atos antidemocráticos de radicais bolsonaristas que não aceitaram o resultado da eleição presidencial”.

Uma derrota política do Bolsonarismo e da ultradireita

Os bolsonaristas tentaram um “Capitólio à brasileira”, quer dizer, emular o ataque que fizeram os trumpistas nos Estados Unidos para evitar que o Congresso ratificasse a vitória de Joe Biden nas eleições. Mas, como apontara Marx no Dezoito Brumário, a “história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.

Contudo que os trumpistas não lograram impedir a derrota, pelo menos sua ação aconteceu antes da ratificação de Biden como presidente; ademais, foi dirigida contra o Congresso com uma exigência concreta. Logo, mesmo que as condições para que a invasão do Capitólio tivesse êxito não existiam, pelo menos tinha alguma “logica” estratégica: criar instabilidade, anular as eleições e garantir a continuidade de Trump na presidência.

A versão brasileira não tinha nenhuma possibilidade de êxito neste momento, pois já Lula tomou posse no dia primeiro de janeiro e, a maior parte da burguesia brasileira e o imperialismo, oponham-se a um golpe pela perigosa instabilidade que isso pode desencadear no pais e na América do Sul. Devido a isso, os golpistas ficaram isolados nas últimas semanas e, inclusive, Bolsonaro saiu do país dias atrás para os Estados Unidos.

Por isso mesmo, a ação foi uma medida extrema dos setores mais extremistas da ultradireita, dirigida contra os três poderes da Republica com a bandeira de golpe de estado por parte das forças armadas e os corpos policiais. Ainda que não tivesse perspectiva alguma, constituiu um atentado perigoso contra as liberdades democráticas e, além disso, deixou evidente a cumplicidade da Policia Federal e setores do Exército com as hordas golpistas, as quais ficaram passivas diante o avanço dos neofascistas para à Praça dos Três Poderes.

Qual é o resultado da ação golpista? Sem dúvida representou uma derrota política para os bolsonaristas e, paradoxalmente, fortaleceu conjunturalmente ao governo de Lula e sua aliança com setores da mídia e da burguesia (além de receber um forte apoio das principais lideranças internacionais, como do presidente Biden dos Estados Unidos ou Macron da França). Aliás, a invasão dos prédios governamentais foi rejeitada pela maior parte da população e, ainda pior para os golpistas, há milhares de seus militantes detidos e enfrentarão um processo judicial por cometer atos terroristas. Por último, aprofundou as rachaduras no campo bolsonarista, acrescentadas pela ausência física e política de Bolsonaro depois da derrota eleitoral. Algumas lideranças da ultradireita diferenciaram-se dos atos em Brasília e, embora seja palavras, declararam “fidelidade” as instituições democráticas e reconheceram a legitimidade do governo Lula.

Derrotar o neofascismo nas ruas! Prisão para Bolsonaro e os golpistas!

A resposta massiva nas ruas contra a intentona golpista, demostra que, no povo brasileiro, ainda há reservas de luta, apesar da política traidora de conciliação de classe impulsionada pelo PT e suas extensões no movimento operário nas últimas décadas.

A política do PT, dos partidos burgueses e da grande burguesia brasileira -refletida nos principais jornais e na mídia- passa por aprofundar a frente ampla, agora com a denominação de “unidade nacional”, que, em seus objetivos, significa “afrontar” os golpistas por cima, quer dizer, confiando nas instituições punitivas do Estado burguês (o Poder Judiciário e a Polícia) e não mediante a mobilização nas ruas, pois isso poderia questionar as reformas antipopulares impostas por governos anteriores (Temer e Bolsonaro) e as que pretendem avançar no futuro próximo.

A esquerda da ordem no PSOL (incluídas as correntes “trotskistas” que capitularam, como Resistência, MES e outras menores), ainda que chamem a mobilização contra o golpismo, não levanta um programa independente e, pelo contrário, fica como a ala esquerda da “unidade nacional”. Assim, não prepara as condições para lutar contra as reformas burguesas que a burguesia exige e que o governo via promover para manter o apoio dos partidos burgueses.

Diante da política de passivação, a esquerda radical tem que desenvolver táticas para retomar às ruas e derrotar os neofascistas na luta direta, mantendo uma total independência diante do governo. Para isso será necessário desenvolver a mais ampla unidade de ação nas ruas (mas, insistimos, sem misturar nossas bandeiras e programa com os setores burgueses), além de construir espaços da frente única com organizações sindicais, movimentos sociais e a esquerda independente.