A primeira calourada da USP sob o governo de Tarcísio de Freitas teve início com mais uma onda de ataques da Reitoria à permanência estudantil. O mais grave deles é o não pagamento das bolsas do PAPFE aos alunos inscritos e a imposição de uma lista de espera que não estava prevista em edital, negligência que piora ainda mais as condições de vida e permanência dos estudantes mais pobres. Os calouros também relataram atraso e dificuldade na emissão do BUSP, cartão-transporte que dá direito à gratuidade nos ônibus que circulam pela cidade universitária. 

Por Karen Rezende e Pedro Cintra

A Reitoria da Universidade de São Paulo segue mostrando que a inclusão da juventude trabalhadora na universidade não está na ordem do dia da atual gestão. A ofensiva mais recente diz respeito às bolsas do PAPFE (Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil) que, após mudanças no programa realizadas no ano passado, oferece um auxílio de R$800,00 para custos como alimentação e moradia dos alunos considerados economicamente vulneráveis – um valor ainda pífio tendo em vista o alto custo de vida na metrópole paulista. 

Mesmo com a previsão de disponibilização de 15 mil bolsas, a esmagadora maioria dos estudantes ainda se encontra em uma lista de espera, status até então inédito do processo, sem saber se vai receber o benefício para se manter cursando o ensino superior. A medida afetou mais cruelmente os calouros mais pobres que moram fora de São Paulo, muitos deles, inclusive, ainda não conseguiram sequer se deslocar para a cidade para acompanhar as primeiras semanas de aula. 

O histórico dessa gestão, que se diz “democrática”, não deixa dúvidas do seu real projeto para a universidade: embranquecer e elitizar os corredores da instituição. Está fresca na memória da base discente a postura totalmente covarde e reacionária das autoridades universitárias contra os alunos que no final do ano passado se mobilizaram por melhores condições no CRUSP (Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo). Na ocasião, a atitude da PRIP (supostamente Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento) foi abrir um processo administrativo fraudulento contra estudantes trabalhadores que protestavam contra a tentativa da burocracia estudantil ligada à Reitoria de implodir a autonomia organizativa dos moradores durante uma assembleia da AmorCrusp (Associação de Moradores do Crusp). 

Em paralelo, a reitoria segue propagandeando o seu programa “USP Diversa”, anunciado no final do ano letivo de 2022. O projeto, que já conta com a adesão de entidades bancárias como Itaú e Santander, abre a possibilidade do financiamento de bolsas de permanência por empresas privadas. Na prática, ele representa uma tentativa de inserção orgânica dos interesses do capital financeiro na vida universitária. Um retrocesso sem precedentes que vai no completo oposto da ideia de uma universidade pública, de qualidade e para nossa classe. A justificativa da USP, a mais rica do país, é que não existe dinheiro em caixa  para contemplar o pagamento de todos os auxílios. Essa narrativa não passa de uma desculpa esfarrapada e que não consegue ser comprovada já que o livro de contas da universidade segue a anos fechado sem qualquer transparência à sociedade e à base dos alunos, que não sabem para onde vai o orçamento bilionário da universidade. 

Esse cenário nos evidencia o caráter classista e desigual do acesso às universidades públicas, que já como primeiro obstáculo impõe a realização do vestibular, um verdadeiro filtro étnico-racial para impedir o ingresso das camadas mais baixas. E mesmo após romper essa difícil barreira, os alunos mais pobres ainda se deparam com constantes ataques às já precárias condições de permanência, tornando a continuidade no curso uma tarefa quase impraticável.   

Mudanças no programa de bolsas

No ano passado, às vésperas do recesso universitário, o PAPFE passou por uma série de mudanças que foram encaminhadas pela PRIP sem qualquer diálogo com o corpo estudantil. Na época, houve mobilizações para frear essa política que na prática amplia a precarização das condições de vida dos estudantes trabalhadores.

O auxílio moradia, que era inicialmente de R$500, passou por uma unificação com outros auxílios e passou a ser de R$800. Ainda que à primeira vista pareça representar um avanço, o que se vê é um retrocesso, já que a unificação das bolsas e dos demais auxílios antes oferecidos somavam um valor superior ao que agora é ofertado. Além disso, somente cerca de 15% do corpo estudantil (15 mil estudantes) receberiam o auxílio, em uma universidade que conta com em média 100 mil estudantes. 

O projeto inicial do novo PAPFE ainda contava com uma série de outras problemáticas.  Entre elas, a previsão do pagamento somente durante o período ideal de conclusão do curso e a obrigatoriedade dos alunos participarem de eventos de apresentação da universidade, o que descaracterizaria o caráter de auxílio. Essas medidas foram derrubadas após a mobilização estudantil, sendo que a duração do auxílio agora está vinculada ao tempo de jubilamento, um critério que desconsidera, por exemplo, estudantes que realizam transferência de curso. Não bastasse todas essas implicações, a implementação do novo PAPFE tem tomado contornos ainda mais graves, com a demora para a divulgação dos resultados, imposição de uma lista de espera e a ampliação da colaboração público-privada através da oferta de bolsas pagas por empresas como Itaú e Santander. 

O caráter higienista da Universidade de São Paulo não é de hoje. A exemplo dos acontecimentos recentes da perseguição de moradores do Crusp, sem contar a precarização desse conjunto residencial que é um projeto que se arrasta há anos, com a falta de luz e água, estruturas precárias, a própria falta de vagas para os estudantes que necessitam da moradia para frequentar as aulas na universidade.

O avanço das políticas reacionárias na USP tem se refletido em episódios cada vez mais comuns de violência contra a base estudantil. O caso mais recente foi a presença de um policial civil armado com um fuzil no Crusp, que entrou no prédio para intimidar uma estudante negra, um ato que nos remete aos tempos da ditadura militar. Isso aconteceu às 13h, horário em que há ampla circulação de estudantes no local que dá acesso ao bandejão central.

Longe de ser um acontecimento isolado, isso faz parte de um projeto elitista da USP, que a todo momento cria novas estratégias para impedir e dificultar o acesso dos estudantes pretos, pardos, indígenas e dos mais baixos substratos sociais. A perseguição de estudantes vem se tornando cada vez mais frequente e exigem uma resposta efetiva do movimento estudantil para colocar um categórico basta à situação!

O papel do movimento estudantil

Em meio a tudo isso, temos um cenário de refluxo do movimento estudantil, ilustrado com mais evidência durante a semana de calourada, momento de recepção dos estudantes na universidade.

Esse refluxo se dá sobretudo pela derrota eleitoral de Bolsonaro nas últimas eleições, que gerou sobre a base discente e as organizações estudantis um sentimento de maior “tranquilidade política” e esperança diante da interrupção do projeto bonapartista do ex-presidente que, vale lembrar, se deu apesar da frente ampla burguesa de Lula (caracterização trabalhada em artigos anteriores da nossa organização). O ânimo com a derrota de Bolsonaro é algo totalmente legítimo mas que não pode se traduzir em desmobilização do movimento estudantil, ainda mais em um cenário em que Tarcísio de Freitas, um dos principais representantes do bolsonarismo, ocupa o cargo de governador do estado e prepara uma série de ataques aos estudantes. 

O que se viu na semana da calourada foi uma postura passiva e uma mobilização insuficiente por parte do DCE e das organizações políticas na universidade diante do grave cenário que coloca em risco a permanência de milhares de jovens trabalhadores na universidade. Esse quadro se refletiu em atividades esvaziadas que esboçam o contrário daquilo que é emergencial para a atual situação política nacional e universitária – uma assimetria entre o quadro situacional e as ferramentas políticas. 

Nesse sentido, nós, da Juventude Já Basta! destacamos que a necessidade da contínua mobilização estudantil se coloca na ordem do dia. Deve-se organizar, desde as bases, uma ampla unidade de ação com todos os centros acadêmicos, cursinhos populares, organizações e coletivos políticos, DCE Livre da USP, Sintusp e Adusp para lograr uma correlação de forças efetiva de garantir o pagamento imediato das bolsas de permanência e pela melhora das condições da moradia estudantil para que nenhum estudante deixe de frequentar a universidade como consequência da negligência da PRIP e da Reitoria em relação à permanência. Isso somado também a diversos outros fatores que contribuem para a precarização trabalhista e do ensino na instituição, como, por exemplo, a falta de contratação de professores e a terceirização de diversos serviços em uma universidade com orçamento bilionário. Desse modo, se houver necessidade, devem ser construídas paralisações e greves, que contem com os três setores, para não deixar que essas políticas reacionárias e elitistas se façam cada vez mais presentes nos espaços da universidade. 

PELO IMEDIATO PAGAMENTO DAS BOLSAS PAPFE!

PELA ABERTURA DO LIVRO DE CONTAS DA USP!

NENHUM ESTUDANTE A MENOS!

Foto: Pedro Lima.Trancasso do P1 na paralisação da USP, dia 20/09/2022.