Escrito em inglês pelo economista e marxista britânico Michael Roberts, traduzido para o espanhol por Sin Permiso.
Redação

Por Michael Roberts

Kohei Saito é professor associado da Universidade de Tóquio e um erudito acadêmico marxista. Você pode pensar que não parece um candidato a best-seller no mundo dos livros de ensaio. Mas você estaria errado neste caso. O novo livro de Saito (atualmente em japonês), que analisa a relação entre o capitalismo e o planeta, tem sido um grande sucesso no Japão, com mais de meio milhão de vendas até agora.

Na versão em inglês que será lançada em breve, o livro é intitulado Marx in the Anthropocene: Towards the Idea of Degrowth Communism.

A mensagem do livro é nua e crua. A voracidade do lucro do capitalismo está destruindo o planeta e somente o “decrescimento” pode desfazer o estrago, desacelerando a produção social e compartilhando a riqueza. Os humanos precisam encontrar uma “nova forma de viver”, e isso significa substituir o capitalismo.

Saito é profundamente cético em relação a algumas estratégias amplamente aceitas para lidar com a emergência climática. “No meu livro, começo uma frase descrevendo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [ODS] como o novo ópio das massas”, diz ele, referindo-se à visão de Marx sobre religião. “Compre sacolas e garrafas ecológicas sem mudar nada no sistema econômico…Os ODS mascaram o problema sistêmico e reduzem tudo à responsabilidade do indivíduo, enquanto ofuscam a responsabilidade das empresas e dos políticos.”

Ele continua: “Estamos enfrentando uma situação muito difícil: a pandemia, a pobreza, as mudanças climáticas, a guerra na Ucrânia, a inflação… é impossível imaginar um futuro em que possamos fazer a economia crescer e, ao mesmo tempo, viver de uma maneira sustentável sem alterar fundamentalmente nada sobre o nosso modo de vida(…) Se as políticas econômicas falharam por 30 anos, por que não inventamos um novo modo de vida? O desejo de fazer isso de repente está lá.

Saito acredita que é preciso acabar com a produção e o consumo em massa de produtos descartáveis, como o “fast fashion” (“moda rápida”). Em seu texto anterior, mais acadêmico, em inglês, chamado O Capital no Antropoceno, Saito também defende a descarbonização por meio de jornadas de trabalho mais curtas e dando prioridade ao trabalho essencial “intensivo em mão de obra”, como a prestação de cuidados. Na verdade, Saito promove o que pode ser chamado de “decrescimento comunista”.

A mensagem intransigente de Saito aparentemente capturou a imaginação da juventude japonesa. “Saito está contando uma história fácil de entender“, diz Jun Shiota, um pesquisador de 31 anos que comprou O Capital no Antropoceno logo após sua publicação. “Não está dizendo que há coisas boas e ruins sobre o capitalismo, ou que é possível reformá-lo… o que está dizendo é que temos que nos livrar de todo o sistema.”

Em sua obra acadêmica, Saito segue John Bellamy Foster e Paul Burkett, mostrando que é incorreto afirmar, como fazem alguns ecologistas, que Marx e Engels ignoraram o impacto do capitalismo no planeta e no meio ambiente. Em particular, Saito ganhou o Prêmio Isaac Deutscher em 2018 por sua análise acadêmica dos cadernos de Marx sobre agricultura e esgotamento do solo, que revelam o profundo interesse de Marx pela ecologia.

Neste trabalho anterior, Saito observa que sua abordagem “é uma clara continuação da teoria da ruptura metabólica defendida por Foster e Burkett“. Saito argumenta que hoje é bastante evidente que a produção e o consumo em massa sob o capitalismo têm uma enorme influência na paisagem global e causam crises ecológicas. Portanto, a teoria marxista deve responder à situação com uma reivindicação prática clara que vislumbra uma sociedade sustentável além do capitalismo. O capitalismo e as condições materiais para uma produção sustentável são incompatíveis. Esta é a visão básica do ‘ecossocialismo’. O antagonismo entre vermelho e verde deve ser dissolvido.

Em seu livro anterior sobre as notas de Marx sobre a agricultura sob o capitalismo, Saito considera que Marx tentou analisar como a lógica do capital diverge do ciclo natural eterno e, em última instância, causa várias dissonâncias na interação metabólica entre os seres humanos e a natureza. Marx discutiu esse ponto com referência à crítica de Justus von Liebig à agricultura moderna “de extração”, Raubbau, que tira o máximo de nutrição possível do solo sem devolver nada. Essa “agricultura extrativista” é movida pela maximização do lucro, simplesmente incompatível com as condições materiais do solo para uma produção sustentável. Surge, portanto, um grave hiato entre a lógica da valorização do capital e a do metabolismo da natureza, ou seja, “rupturas metabólicas” na interação humana com o meio ambiente.

Na passagem chave sobre o conceito de ruptura metabólica, Marx escreveu que o modo de produção capitalista “produz condições que causam uma ruptura irreparável no processo interdependente entre o metabolismo social e o metabolismo natural prescrito pelas leis naturais do solo. O resultado é um desperdício da vitalidade do solo, e o comércio leva essa devastação muito além dos limites de um único país (Liebig). Com a expansão da acumulação capitalista, a ruptura metabólica torna-se um problema global. Assim, para Saito, o ecossocialismo argumenta que a crise ecológica e a ruptura metabólica são a contradição central do capitalismo.

Segundo Saito, em A Ideologia Alemã, escrito em 1845, houve uma virada na evolução de Marx para uma “dimensão ecológica” em sua crítica ao capitalismo. Saito considera que isso ocorre quando ele começa a usar o termo “metabolismo” e refina sua compreensão do conceito como a tendência metabólica geral do capital. Saito argumenta que Marx se dá conta progressivamente de que a contínua expansão do capital explora não só o trabalho, como também a natureza na busca dos lucros, o que leva a destruição do solo, o desmatamento e outras formas similares de degradação dos recursos naturais. O capital quer cada vez mais valor e, em particular, mais-valia. Esse é o propósito da produção e da harmonia metabólica que existia entre os humanos e a natureza antes do colapso do capitalismo. Agora há uma lacuna metabólica causada pelo capitalismo.

Há algum debate sobre se o uso do termo “ruptura metabólica” é útil porque sugere, pelo menos para mim, que em algum momento do passado antes do capitalismo havia algum equilíbrio metabólico ou harmonia entre os seres humanos, por um lado, e a “natureza”, por outro. Qualquer ênfase em rachaduras ou rupturas corre o risco de supor que a natureza está em harmonia ou em equilíbrio até ser perturbada pelo capitalismo. Mas a natureza nunca está em equilíbrio, nem mesmo sem os humanos. Está sempre mudando, evoluindo, com “pontos de equilíbrio” para usar o termo do paleontólogo marxista Stephen Jay Gould, como a explosão cambriana, com muitas espécies evoluindo enquanto outras extinguiram-se. O mundo dos dinossauros e sua eventual extinção não teve nada a ver com os humanos (apesar do que os filmes possam dizer). E os humanos nunca estiveram em posição de ditar as condições do planeta ou de outras espécies sem repercussões. A “Natureza” define o ambiente para os humanos e os humanos agem sobre a natureza. Citando Marx: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como bem entendem; eles não o fazem em circunstâncias escolhidas por eles mesmos, mas em circunstâncias diretamente encontradas e herdadas do passado”.

É verdade que Marx se refere ao roubo do solo pela produção capitalista. Em O Capital, Volume I, Capítulo 15 sobre maquinaria, Marx diz: “Além disso, todo progresso na agricultura capitalista é progresso na arte, não apenas de roubar o trabalhador, mas de roubar o solo; todo progresso na crescente fertilidade do solo durante um determinado tempo é um progresso em direção à ruína das fontes mais duradouras dessa fertilidade. Quanto mais um país recorre à grande indústria como pano de fundo para o seu desenvolvimento… mais rápido é esse processo de destruição. Portanto, a produção capitalista só desenvolve as técnicas e o grau de combinação do processo social de produção minando simultaneamente as fontes originais de toda a riqueza: a terra e o trabalhador.” (Marx, 1995 [1887])

Saito argumenta que “a crítica de Marx à economia política, se tivesse sido concluída, teria colocado muito mais ênfase na ruptura da ‘interação metabólica’ entre a humanidade e a natureza como a contradição fundamental do capitalismo”. Essa pode ser a visão de Saito, mas era a de Marx? A “ruptura metabólica” é a “contradição fundamental do capitalismo”? Na minha opinião, Saito não oferece uma justificativa para essa afirmação.

Para Marx, o capitalismo é um sistema de “exploração brutal” da mão de obra na produção com fins lucrativos, não roubo ou pilhagem. Para Marx, a agricultura sob o capitalismo é um setor que explora o trabalho da mesma forma que a indústria. Marx rejeitou a teoria ricardiana de que a lucratividade do capital tendia a cair devido ao declínio dos retornos na agricultura. A lei de Marx sobre a tendência descendente da taxa de lucro dependia de uma crescente composição “orgânica” do capital (a palavra “orgânico” talvez emprestada de Liebig, como sugere Saito), uma vez que o valor material da maquinaria e dos bens nateriais naturais aumentam de custo em relação à exploração do trabalho. Mas, ao contrário da conclusão de Saito, Marx rejeitou a teoria de Liebig do esgotamento do solo como o limite do capitalismo e rejeitou o malthusianismo implícito de que a população excederia a disponibilidade de alimentos e as necessidades da vida humana.

O livro de Saito tem o subtítulo: “Rumo à ideia de decrescimento comunista“. O decrescimento tornou-se cada vez mais popular entre muitos ambientalistas e esquerdistas. Jason Hickel, um dos principais defensores do decrescimento, define-o desta forma: “O objetivo do decrescimento é reduzir a produção de material e energia da economia global, concentrando-se em nações de alta renda com altos níveis de consumo per capita.

Há um grande debate aqui, como expresso na crítica do ex-economista-chefe do Banco Mundial e especialista em desigualdade global, Branco Milanovic. Milanovic argumenta que qualquer proposta de redistribuição de renda e riqueza para o sul global, interrompendo ou mesmo reduzindo a acumulação e o crescimento do PIB nos países ricos, é economicamente irracional e politicamente inviável. Os defensores do decrescimento, como Hickel, afirmam que Milanovic está deturpando o argumento do decrescimento porque tem “fé cega” no crescimento econômico. Deixo os leitores considerarem os argumentos.

Basta agora dizer que, sob o capitalismo, a acumulação ocorre pela acumulação, para investir mais e, portanto, para obter mais lucro sem um plano e puramente no interesse do lucro privado. Quando os trabalhadores estiverem no controle do excedente social, não desenvolveremos e aumentaremos as forças produtivas para tornar a vida melhor e mais fácil para nós mesmos e mais sustentável para a terra e seus habitantes? Não iríamos sobretudo expandir as forças produtivas “verdes” para construir, por exemplo, mais (e melhores) escolas, transportes públicos, etc.? Os socialistas não deveriam lutar para superar o subdesenvolvimento criado pelo imperialismo, ajudando no desenvolvimento das forças produtivas no mundo anteriormente colonizado?

Mesmo assim, apesar de toda a sua ganância, a produção capitalista é um grande desperdício de material humano, assim como sua forma de distribuir seus produtos através do comércio, e sua forma de competição, a tornam um desperdício de recursos materiais“, pelo que perde por sociedade o que ele ganha para o capitalista individual”. (Marx). Os padrões de consumo perdulários e ambientalmente insustentáveis da classe trabalhadora não são produzidos por escolha “pessoal”, mas são induzidos pelo sistema.

Mas os defensores do decrescimento parecem argumentar que existem “limites planetários” absolutos e uma “capacidade de carga” fixa que os humanos não podem exceder se quisermos evitar o colapso ecológico. Aqui não há distinção entre limites socialmente produzidos e limites naturais. Mas a degradação da natureza, o extermínio de espécies e a ameaça de destruição da atmosfera do planeta são resultado de contradições encontradas no próprio modo de produção capitalista, não de uma ameaça existencial de fora do sistema. Taxas crescentes de poluição e degradação ambiental ocorrem porque os capitalistas buscam lucro às custas do meio ambiente, não das próprias tecnologias. Os socialistas devem distinguir entre os instrumentos de produção e seu uso sob o capitalismo.

Em um cenário de decrescimento socialista, o objetivo seria reduzir a produção ecologicamente destrutiva e socialmente menos necessária (o que alguns podem chamar de parte do valor de troca da economia), ao mesmo tempo protegendo e até mesmo melhorando partes da economia que se organiza em torno do bem-estar humano e da regeneração ecológica (a parte do valor de uso da economia).

Saito está certo ao dizer que acabar com a contradição dialética entre humanos e natureza e alcançar algum nível de harmonia e equilíbrio ecológico só seria possível com a abolição do modo de produção capitalista. Como Engels disse (1896): “Para realizar esse controle, é necessário algo mais do que mero conhecimento“. A ciência não é suficiente. “Requer uma revolução completa em nosso modo de produção até então existente e, com ela, em toda a nossa ordem social contemporânea” (ibid.)  

https://izquierdaweb.com/saito-la-grieta-metabolica-y-el-comunismo-del-decrecimiento/