Nem Trump, nem tampouco Biden serão solução para os de baixo

A menos de uma semana das eleições presidenciais americanas, dia 3 de novembro, as cartas estão todas em cima da mesa. Se nos basearmos pelas pesquisas, é fato quase consumado: três diferentes sondagens distintas, as da organização Real Clear Politics e as dos sites especializados fivethiertyeight.com e 270towin.com, dão a Biden uma liderança nacional de 7,5%, 9% e 10%, respectivamente, e um mínimo estimado de 290 delegados, quando chega a 270 de 538.

Corrente Internacional Socialismo ou Barbárie

A menos de uma semana das eleições presidenciais americanas, dia 3 de novembro, as cartas estão todas em cima da mesa. Se nos basearmos pelas pesquisas, é fato quase consumado: três diferentes sondagens distintas, as da organização Real Clear Politics e as dos sites especializados fivethiertyeight.com e 270towin.com, dão a Biden uma liderança nacional de 7,5%, 9% e 10%, respectivamente, e um mínimo estimado de 290 delegados, quando chega a 270 de 538.

Isto se reflete na crescente confiança da equipe de campanha do candidato democrata, que é até encorajada a fazer campanha em estados que são fortalezas tradicionais republicanas como a Geórgia e o Texas, indicando que eles estão jogando não apenas pela vitória, mas por uma avalanche de votos para colocar Biden na Casa Branca com controle de ambas as casas do Congresso, algo que não é difícil de acontecer. Como sempre quando se trata de sondagens – que falharam de forma espetacular nas eleições de 2016, quando Hillary Clinton venceu [em número de votos diretos!] – é preciso tomá-las com cuidado. Mas é verdade que o fator surpresa do “voto oculto”, que era importante naquela época, agora está quase ausente. Ao contrário, possíveis mudanças no resultado final poderiam ter a ver com manobras como o bloqueio ou o atraso dos votos por correspondência, que no contexto da pandemia será de vários milhões, e muito mais do que nas eleições anteriores.

Por outro lado, é claro que Trump vai lutar até o fim, e não apenas fazendo atos de campanha. Como já assinalamos em notas anteriores, a grande aposta dos republicanos se resume a dois movimentos que relatamos nas colunas anteriores: Uma, para restringir o máximo possível o número de eleitores, especialmente em estados-chave; o outro, para questionar a contagem de votos com alegações de “fraude” e para especular sobre levar a decisão de resultado do Colégio Eleitoral aos tribunais locais e, finalmente, à Suprema Corte. 

Foi precisamente nesta instituição que um dos últimos desenvolvimentos foi verificado: a confirmação pelo Senado da nomeação da ultra-católica Amy Coney Barrett, que deixa o tribunal máximo com uma clara maioria conservadora de 6 votos contra 3 “liberais”. O juramento de Barrett, apenas oito dias antes das eleições (algo sem precedentes na história americana recente), foi quase um ato de campanha: ocorreu na Casa Branca – outra raridade – e uma atmosfera “Trump 2020”, embora a nova juíza tenha tentado ser circunspecta em seu discurso inaugural.

A atmosfera, que já era aquecida de muitas maneiras, subiu de temperatura com a morte de outro afroestadunidense, Walter Wallace, 27 anos, nas mãos da polícia. O homem, com problemas psiquiátricos e uma faca na mão, foi atingido por balas de vários metros de distância por dois policiais para os quais ele não representava nenhuma ameaça imediata. O incidente ocorreu na Filadélfia – a principal cidade de um dos estados em disputa, Pensilvânia – e provocou protestos imediatos que deixaram dezenas de policiais feridos.

Não é mais do que uma confirmação do clima que se vive em um país que tem sido convulsionado ao longo de 2020 pelo gigantesco movimento contra o racismo, representado pelo Black LivesMatter, o mais difuso antifa e muitos outros, cujas mobilizações sacudiram todos os Estados Unidos. Essa foi uma resposta ao racismo fascistóide da polícia, mas também de grandes setores civis de supremacia branca, encorajados pelo próprio discurso racista e violento de Trump, enquanto os líderes do Partido Democrata, a começar pelo candidato Joe Biden, não sabiam como equilibrar suas intenções de parar a mobilização, mas ao mesmo tempo capitalizar eleitoralmente o descontentamento. 

O pano de fundo da eleição no campo econômico e social está dado por dois fatores: um agravamento da situação sanitária devido à pandemia da Covid-19 – os EUA voltaram à ordem de 70.000-80.000 casos por dia, e o contágio está crescendo mesmo na Casa Branca – e a deterioração da situação econômica de milhões de famílias pobres, aquelas mais afetadas pela crise trabalhista que geraram os sucessivos isolamentos.

Esta situação deu um salto em frente nas últimas semanas, com a redução dos auxílios estatais para o desemprego. De acordo com o Departamento do Censo (o equivalente americano do INDEC), um em cada sete lares com crianças relatou que “às vezes ou freqüentemente” não tinham comida suficiente na semana anterior.  Para os lares latinos e afro-americanos, a proporção era de quase um em cada quatro lares. E em lares com renda anual inferior a 35.000 dólares – 50% acima da linha de pobreza – mais de um terço relatou esta insuficiência alimentar. Estes não são dados da América Latina ou da África, mas dos Estados Unidos.

Se essa é a situação alimentar, é pior para a situação da moradia: entre as famílias que alugam, 28% não sabem como vão pagar o aluguel do próximo mês, uma proporção que sobe para 40% nos lares latinos, desencadeando uma moratória nacional sobre despejos. Mas esta é uma medida temporária (“And thepoorgetpoorer”, The Economist 9214, 3-10-20). E na frente laboral, com o anúncio de Trump de adiar qualquer estímulo estatal para depois da eleição, “uma nova onda de demissões sugere que as empresas estão se preparando para fazer cortes mais profundos em suas folhas”: 30.000 demissões em companhias aéreas, 28.000 na Disney, fechamento de mais de 500 Cinemas Regal, e anúncios similares de Mondelez, Coca-Cola e Procter & Gamble. Como disse cinicamente um executivo consultor da Bain, “as recessões são uma grande oportunidade” de cortar empregos (“A second wave”, The Economist 9215, 10-10-20).

Votar no “mal menor” ou construir uma alternativa independente dos trabalhadores?

Dentro desse marco, é de se esperar que haja uma forte pressão sobre o “voto útil” para expulsar o Trump, votando a favor do democrata Biden. Entretanto, do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores, das mulheres, das minorias étnicas e sexuais, da juventude e de todos os explorados e oprimidos dos Estados Unidos, é inadmissível continuar caindo na mesma armadilha histórica de uma vida, o que sempre impediu o estabelecimento de uma alternativa aos dois partidos tradicionais do imperialismo americano.

Não se pode nem mesmo argumentar que há uma renovação como poderia ter sido a candidatura de Sanders: não há figura política mais representativa do estabilishment burguês dos EUA do que Biden, um senador há décadas e uma figura clássica do “centro” daquele partido. É bem sabido que até mesmo a candidatura de Obama à vice-presidência foi concebida como um contrapeso conservador à fórmula “disruptiva” liderada por um afro-americano. E justamente quando a candidatura “socialista” de Sanders -na verdade, social-democrata – parecia estar ganhando apoio nas costas dos movimentos sociais que estavam convulsionando o país, todas as estrelas do Partido Democrata (orgânico ou não) e seus lobistas e patrocinadores de negócios fecharam fileiras atrás de Biden como um fiel garante de que não haverá experiências inéditas na maior potência capitalista do planeta.

Sabemos bem que não é exatamente o mesmo governar um ou outro – algo que também sabem os capitalistas que preferem a figura mais responsável de Biden; mas não se trata disso, mas que qualquer projeto socialista que procure se colocar em pé nos Estados Unidos não pode hipotecar sistematicamente sua construção cedendo à pressão do “voto útil” ao centro liberal-semi”progre”(na melhor das hipóteses) contra o conservadorismo republicano.  Essa estratégia de seguidismo ao Partido Democrata como o “mal menor” conduziu sempre à liquidação de qualquer alternativa revolucionária – e até mesmo reformista! – e condenou todos os importantes movimentos sociais progressivos e sindicatos a serem sempre arrastados, em última instância, por um dos dois grandes pilares do regime capitalista.

A necessidade de avançar na construção de uma alternativa independente e pela classe trabalhadora à eterna alternância entre Democratas e Republicanos é ainda mais premente agora, tendo em vista o imenso patrimônio das forças sociais progressivas representadas pela rebelião contra o racismo nos Estados Unidos.  As batalhas contra o racismo estrutural desse país, a defesa de conquistas históricas como o direito ao aborto – hoje sob a ameaça de uma Suprema Corte de direita -, a tarefa de enfrentar o problema das mudanças climáticas sob uma perspectiva anticapitalista, a necessidade de defender a renda, o trabalho e o padrão de vida dos trabalhadores contra uma ofensiva econômica pós-pandêmica que vai querer fazer com que as massas empobrecidas paguem a conta, não poderão acontecer com ou pelo Partido Democrata se este ganhar as eleições, mas contra ele e seu eventual governo.

A Corrente Internacional Socialismo ou Barbárie, portanto, não se entusiasma com o falso “progressismo” de uma fórmula Democrata composta, além disso, por figuras tradicionais do establishment imperialista, mas se propõe a preparar as lutas que se aproximam com uma posição independente dos partidos capitalistas e nos apoiando nas grandes reservas de combatividade de amplos setores da juventude, dos trabalhadores e das minorias que vêm se manifestando este ano e se mantém. Qualquer outro caminho será, a longo prazo, mais uma decepção.

Tradução Gabriel Mendes