Na Venezuela um golpe de Estado está em marcha

Declaração Socialismo ou Barbárie

26 janeiro de 2019

POR ROBERTO SÁENZ E FEDERICO DERTAUBE

Depois de três dias de autonomeação de Guaidó como “presidente interino” da Venezuela sem ter sido eleito para nada, a intentona golpista está em pleno processo. Essa iniciativa não surgiu simplesmente da direita venezuelana: a ofensiva começou com o deslegitimação do governo Maduro por Trump e seus governos subordinados no dia 10 de janeiro. Nesse momento começaram a se gestar as condições para um golpe de Estado.

Os acontecimentos se precipitaram com a mobilização “escuálida” de 23 de janeiro e a autoproclamação de Guaidó como “presidente designado”. Este é presidente da Assembleia Nacional Venezuelana e membro da Voluntad Popular, um dos partidos patronais mais direitista do país.

A situação é delicada, há nesse momento uma espécie de “duplo poder” capitalista. No que pese que os instrumentos do poder executivo seguem nas mãos de Maduro, com o apoio externo Guaidó está acumulando poder efetivo. Um passo chave para ele será se conseguir efetivamente se apropriar de Citgo, a empresa da PDVSA nos Estados Unidos. Como é de conhecimento geral, Venezuela depende totalmente da comercialização de seu petróleo com a potência norte-americana e Citgo é a representante da empresa petroleira venezuelana estatal nos EUA. Guaidó “nomeou” seus novos dirigentes e, com o apoio de Trump, poderá consegui-lo (sua administração funciona no Texas). Também o golpista tem conseguido ganhar muito terreno e reconhecimento diplomático. A OEA reconheceu um embaixador paralelo nomeado pela Assembeia Nacional. Diante do chamado de Guaidó de que nenhum diplomata abandone o país, Trump desconhece a ruptura de relações diplomáticas e o ultimatum de que seus embaixadores se retirem em 72h (no entanto, está por se verificar o que fará Maduro diante disso).    

Da sua parte, Maduro mantém o controle da maioria das funções do poder estatal dentro das fronteiras venezuelanas, com o apoio das Forças Armadas (ainda que as mesmas tenham começado um diálogo informal com a oposição), dos governos estaduais e da maioria dos municípios. Não é secundário que seja reconhecido também pelas potências como Rússia e China, mesmo com a má notícia para Maduro de que a União Europeia tenha votado um ultimatum de que se em 8 dias não convocar eleições gerais reconheceram Guaidó.

A situação está indefinida. Não parece que se resolverá em poucos dias. O fato de que Guaidó tenha o apoio de Trump e dos governos capachos pode inclinar a balança a seu favor. Terá que se ver então a evolução das Forças Armadas, a reposta do movimento de massas e, uma questão central também, quanto sangue corre pelas veias do madurismo no que tange sua resposta a intentona golpista.

Os dois “semi-governos” em disputa são ambos reacionários, porém, ainda assim, de naturezas diferentes. O governo de Maduro é a expressão decadente de um bonapartismo burguês de características cada vez mais antipopulares. É, não obstante, um governo que sustenta certa independência relativa ao imperialismo, ainda que muito degradada.

Um eventual governo Guaidó seria, em contraste, uma agência direta do imperialismo na Venezuela, capitalista, capacho. Seu plano econômico é da liberalização completa da econômica aos capitais internacionais com perspectivas catastróficas: uma “recolonização” completa do país.

Quando dizemos que ambas expressões de poder burguês são “reacionárias”, dizemos porque nenhuma delas representa os interesses das massas trabalhadoras e populares. O chavismo, e sua degradação madurista, levaram a Venezuela a uma situação dramática. Os negócios que não são feitos com os EUA são feitos pela via das empresas privadas ou estatais da Rússia e China.

E ainda que Maduro seja amplamente e justificadamente repudiado por setores populares, não se pode equiparar um governo que de forma degradada serve de mediação à dominação direta do imperialismo com um que funcione como seu agente direto, que imponha sua subordinação incondicional.

O elemento chave para o desenvolvimento dos acontecimentos será o papel das massas populares. Segundo os informes que chegam da Venezuela, sua evolução política é muito complexa e está aberta devido à tradição política anti-imperialista que caracteriza o país.

A bronca com o governo Maduro é imensa. A negligência, o saque permanente aos recursos do Estado, a desfaçatez com que enriqueceram seus funcionários, ter permitido que os capitalistas façam fortunas às custas das massas, permitir todo tipo de manobras com o comércio exterior, o dólar preferencial para certos grupos empresariais, ter permitido a fuga de cerca de 500 milhões de dólares da renda petroleira nos últimos dez anos…em  suma, o fato de que o chavismo não tenha tomado uma só medida anticapitalista tem levado a uma catástrofe social que se abate sobre os trabalhadores e setores populares. Alimenta-se, assim, o profundo e justificado ódio das massas ao governo Maduro.

Não obstante, o movimento das “guarimbas” durante a última intentona golpista já faz dois anos recordou às amplas maiorias dos de baixo que a oposição “escuálida” no poder significaria sair da panela para cair no fogo. Esses grupos de choque, ultrarreacionários e racistas, chegaram a colocar fogo em pessoas vivas por ter “aspecto de chavistas”, ou seja, devido a sua cor de pele mais escura. Representam eles a volta ao poder da velha burguesia histórica venezuelana, agente direta do imperialismo ianque, profundamente detestada depois de décadas de uma experiência brutal de exploração e racismo em sua dominação.

Nossa corrente, Socialismo ou Barbárie, tem se pronunciado desde o princípio contra toda ofensiva golpista, contra o “governo” golpista de Guaidó e a ingerência do imperialismo estadunidense. Mas não damos nenhum apoio político a Maduro. Defendemos sim que seja reconhecido pela “comunidade internacional” sem por isso considerar que é legítimo e nem lhe dar nenhum apoio político. Defendemos que são as massas populares venezuelanas quem deve decidir a legitimidade de Maduro e o futuro do país.

O golpismo nunca será una saída para a crise que vive Venezuela. A única saída real é impor desde baixo a convocatória para uma verdadeira Assembleia Constituinte na qual, diferentemente à mentirosa “constituinte” montada pelo madurismo dois anos atrás, seja o povo explorado e oprimido quem decida o futuro do país. Um futuro organizado em torno de medidas operárias, populares e anticapitalistas que abram caminho independente a toda variante patronal, um caminho socialista.