ANTONIO SOLER

Estamos diante de uma pandemia provocada diretamente pela irracionalidade capitalista que coloca em risco a humanidade como um todo, mas que terá repercussões catastróficas sobre as regiões mais empobrecidas do planeta, sobre as classes trabalhadores, sobre os velhos, as mulheres, os negros e a juventudes globais, caso não haja uma reação também em escala global à altura do atual acontecimento. Se, por um lado, essa pandemia demonstra um enorme potencial destrutivo, por outro, o desdobramento da realidade depende da luta direta das massas. Desta forma, como todas as anteriores crises de magnitudes planetárias, a atual também coloca um enorme potencial de transformação social.

Pandemia é resultado da produção capitalista

A pandemia do novo coronavírus é produto direto do capitalismo globalizado do século XXI. Este fenômeno planetário é resultado da irracionalidade capitalista, não é um acidente “natural” que não havia sido previsto ou que era inevitável. Trata-se de uma epidemia viral mundial que foi causada pelo avanço irracional das atividades humanas sobre os meios naturais (SÁENZ)[1].

Vírus ancestrais, presentes em várias espécies são transmitidos para o homem de forma zoonótica (em contato com espécies animais) devido à penetração capitalista em busca da acumulação privada nos ecossistemas sem um planejamento que pudesse medir os reais riscos dessa interação.

A pandemia do novo coronavírus é um desdobramento recente do metabolismo social dominado pelo capital – mediação entre o homem e a natureza, que é marcado pela alienação do homem com o trabalho, do homem com o homem e do homem com a natureza (MARX)[2] – que fez emergir uma força destrutiva inteiramente nova.

Esse complexo processo de alienação, e as forças destrutivas que decorrem daí, é estrutural ao capitalismo e às sociedades pós-capitalistas (burocráticas), como a soviética a partir da stalinização e as que se formaram após a segunda grande guerra. Daí não decorre nada de novo. Mas, de maneira sobreposta ao metabolismo social do capitalismo, que estruturalmente já produzia terríveis contradições devido ao seu modus operandi inerentemente destrutivo preexistente, a irracionalidade deste sistema colocou uma forma de reprodução da sociedade e da natureza que pode passar a ser marcado pelo adoecimento planetário como condição também estrutural.

Assim, o capitalismo criou de forma planetária uma reação metabólica destrutiva inédita, causando um evento que coloca em risco de morte, na forma de uma onda epidêmica mundial, parte significativa da população, e que já tem repercussões indeléveis sobre a forma de existência da humanidade. Por isso, essa pandemia inaugura uma época histórica distinta – que coloca enormes riscos e possibilidades – das vividas anteriormente sobre a qual é necessário intervir a partir da perspectiva dos trabalhadores e dos oprimidos.

Governos burgueses não podem evitar catástrofe

Para medir o impacto da pandemia, modelos matemáticos estão sendo desenvolvidos por vários institutos de pesquisa pelo mundo. Mas estes modelos não podem exprimir definitivamente a evolução da pandemia, pois trata-se de um vírus sobre o qual se tem pouco conhecimento da sua evolução e, também, porque o seu desdobramento depende de fatores sociais e políticos.

No entanto, apesar das projeções ainda serem muito aproximativas, já sinalizam uma onda de contágio mundial catastrófica. Dados estatísticos do Imperial College de Londres, afirmam que na ausência de intervenções, a covid-19 resultaria em 7 bilhões de infecções e 40 milhões de mortes em todo o mundo este ano, no Brasil poderia chegar a 2 milhões de mortos. Mas, como sempre, a realidade é mais complexa do que os esquemas mentais – matemáticos inclusive –, principalmente quando se trata de uma evolução que depende de inúmeros fatores sociopolíticos pré-existentes e do próprio desdobramento da luta de classes.

A pandemia, como apontado acima, é um fenômeno que tem como causa direta a lógica mais íntima da produção capitalista, marcada pela busca constante de lucro e pela concorrência entre empresas privadas e governos que as representam, mesmo em meio a catástrofe, o que impede que um combate eficiente do ponto de vista humano seja feito ao avanço da pandemia.

É exatamente o que estamos assistindo quando os EUA proíbem a exportação de máquinas, equipamentos e insumos essenciais no combate ao coronavírus para a Europa e América Latina, ou então se apropria de encomendas feitas por outros países. Mas essas não são práticas exclusivas do governo estadunidense, é apenas a expressão da lógica concorrencial que opera em todas as partes do mundo. Esse e outros fatos demonstram que os governos capitalistas de nenhuma ordem podem combater de forma eficiente a propagação do vírus e de sua letalidade, em parte alguma do mundo e particularmente nas regiões mais empobrecidas.

Governos negacionistas – com Bolsonaro na vergonhosa liderança – estão a serviço das demandas do capital e da acumulação do lucro, sem mediação da racionalidade técnica. Estes governos aplicam sem precedentes a lógica do darwinismo social (naturalização de que os setores mais pobres, doentes e velhos morram) em relação à pandemia. Mas mesmo os governos que aparentam certa racionalidade, como Macron e outros, que operam dentro da mesma lógica capitalista da exploração do trabalho, da concorrência e da acumulação lucro, tão pouco são alternativas.

Por isso, a contenção do potencial destrutivo da pandemia sobre as massas do planeta, da mesma forma que em acontecimentos históricos anteriores como as grandes guerras mundiais, só pode ocorrer a partir de uma perspectiva anticapitalista, ou seja, marcada pelo planejamento, colaboração e democracia desde baixo, que tenha como centro a satisfação das necessidades da maioria e não acumulação individual de riqueza.

Classe trabalhadora e oprimidos precisam entrar em cena

Entramos em uma conjuntura mundial difícil devido ao impacto da pandemia, mas a incapacidade da classe dominante e dos seus governos em cada país e no mundo em conter essa crise e seus catastróficos efeitos é revela diariamente. O que abre, por um lado, a necessidade de apresentar globalmente saídas anticapitalistas, a possibilidade de que essas saídas tenham um auditório maior, e de que setores da classe trabalhadora assumam como sua a lógica e parte desse programa.

Estamos em um momento difícil da pandemia – a indústria capitalista ainda não se voltou para a produção de insumos básicos, como a produção massiva de testes, para combater a pandemia – que impõe o isolamento de parte significativa da população, que, evidentemente, dificulta mobilizações de rua. Mas outra grande parcela é obrigada a sair cotidianamente de casa e muitas formas de mobilização são possíveis, obviamente guardando os devidos cuidados. Além disso, dispomos, em muitos países, de movimentos de massas, principalmente capitaneados pela juventude, previamente radicalizados, que agora entram em refluxo pelo impacto da pandemia. Contudo, ainda estão longe de estarem derrotados e guardam grandes reservas de combatividade e que logo podem se colocar novamente em marcha.

É necessário erigir um processo de lutas unificado dos explorados e oprimidos contra governos negacionistas que aplicam a lógica do negacionismo social e de governos mais “racionais”, mas que estão impondo saídas autoritárias e capitalistas que são tão destrutivas quanto a própria epidemia, bem como de um programa dos trabalhadores para enfrentar essa crise. É evidente que hoje estamos diante da necessidade de construir a resistência aos ataques que ocorrem em cada país, região, cidade e etc., mas é preciso apontar para saídas políticas internacionais diante da pandemia que cresce a cada dia.

Não nos cabe nesse momento formular uma proposta concreta ou modelo acabado de campanha internacional, pois disso depende uma elaboração entre as correntes políticas que atuam de forma dispersa em países ou regiões do mundo. Entretanto, acreditamos que podemos aproveitar o auditório mundial ampliado pela crise para apresentar um programa anticapitalista emergencial.

Nesse sentido, é fundamental que a esquerda socialista avance na construção de espaços de colaboração, como conferências virtuais internacionais e manifestos digitais, em campanhas comuns insubordinados dos patrões e da burocracia, como o apoio aos movimentos que enfrentam o autoritarismo de governos em várias partes do mundo, e no apoio às lutas de setores-chave nesse momento, como os da produção de equipamentos e insumos para o combate a pandemia, dos trabalhadores da saúde, dos telemarketing e outros. Para combater efetivamente a pandemia, é condição indispensável tomar medidas anticapitalista/socialistas: trabalhadores do mundo, unamos-nos!


[1]                      Roberto Sáenz. El capitalismo como sistema de irresponsabilidad ilimitata in

[2]                      Karl Marx. Manuscritos económico-filosóficos in Escritos da Juvende. Editora Antidoto.