Em meio à crise política e sanitária nacional, a “Ordem do Dia” do Ministro da Defesa e dos comandantes supremos das forças armadas defendem o Golpe de 64 e os anos de chumbo

ANTONIO SOLER

Diante do avanço da pandemia, Bolsonaro assumiu uma postura negacionista genocida, um darwinismo social extremado que, ao colocar explicitamente os negócios acima da vida, é uma ameaça incontornável para a vida de amplos setores de massas – por isso precisa ser imediatamente detido e colocado para fora do governo central.

A crise histórica em que vive a humanidade, devido a propagação da pandemia do novo coronavírus, combina-se no Brasil com outra crise político-social causada por um governo bonapartista ultrarreacionário que tem à frente um presidente neofascista, defensor da ditadura de 1964, da tortura e do assassínio deste período. Nesse cenário, o Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e os supremos comandantes das três forças publicaram no dia hoje, aniversário do Golpe de 64, uma “Ordem do Dia” exaltando o papel do que denominam como “Movimento de 1964”.

Esse documento reapresenta a toada negacionista/revisionista/reacionária de um momento decisivo da história do Brasil que é sistematicamente defendida por Bolsonaro, Mourão e os chefes militares instalados no governo. Vejamos algumas passagens deste documento que consideramos mais representativas:

Em primeiro lugar, o negacionismo histórico contido neste texto parte da avaliação de que o Golpe de 64 teria sido um “marco para a democracia brasileira”, portanto, necessário para o seu avanço. Assim, como essa ação golpista teria salvado a democracia brasileira das forças antidemocráticas, foi plenamente justificável em um contexto de “ideologias totalitárias em ambos os extremos do espectro ideológico ameaçavam as liberdades e as democracias”. 

Diante desse cenário, a “sociedade brasileira” compreendeu as ameaças que estavam diante dela e coube às Forças Armadas o papel de assumir a “responsabilidade de conter aquela escalada [“antidemocrática”], com todos os desgastes previsíveis.”  Essa foi uma “escolha” que se justificou porque o “Brasil estava pronto para transformar em prosperidade o seu potencial de riquezas” e não poderia, assim, ser interrompido nesse desígnio.

No final deste período, a solução para superar o “necessário” regime salvador da pátria veio pela Lei da Anistia de 1979 que, segundo o texto, foi construída a partir de “um pacto de pacificação” que permitiu que as instituições fossem “regeneradas e fortalecidas e assim estabeleceram limites apropriados à prática da democracia.” Assim, a “Ordem do dia” conclui sua homenagem ao Golpe de 64 afirmando que o “Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. Muito mais pelo que evitou”.

Colocar abaixo todos os instrumentos da ditadura de 64

Como vimos, esse absurdo documento atribui à quartelada de 64 um papel positivo para o avanço da democracia brasileira. Trata-se de uma narrativa monstruosa e carregada de um cinismo sem igual.

Logo no início afirma que o “Movimento de 64” (Golpe) foi feito para defender a democracia, mesmo que para isso a tenha interrompido por 24 anos a soberania popular, os direitos básicos de organização, de mobilização e de expressão. 

Em 31 de março de 1964, o governo eleito de João Goulart depois de um longo período de instabilidade é interrompido por um golpe militar que teve o amplo apoio na classe dominante, da grande mídia e de setores médios da sociedade brasileira.

Este golpe, ao não ser enfrentado à altura pelas “forças democráticas”, foi se estabelecendo até a repressão do movimento de resistência nas ruas, o fechamento total do Congresso, o controle governamental sobre o judiciário, a intervenção estatal nos sindicatos, a censurar da mídia, das artes e da cultura em geral.

O Golpe de 64 estabeleceu uma ditadura assassina responsável direta pelas prisões extrajudiciais, pela tortura e pelo assassinato de centenas – a Comissão Nacional da Verdade reconhece 434 mortes e desaparecimentos políticos entre 1964 e 1985 – pela ação de agentes do estado sob proteção e ordens do governo central.

No final dos anos 1970 não poderia mais se sustentar politicamente pelo agravamento da crise econômica, surgimento do movimento estudantil, greves operárias e pressão externa, um setor das forças armadas impõe a estratégia da “abertura lenta, gradual e segura” que resulta na Lei da Anistia de 1979.

Essa lei isentou os chefes e agentes do regime dos seus crimes cometidos contra a humanidade durante os 24 anos que durou o regime semifascista no Brasil. Processo que só foi possível porque houve uma vergonhosa pactuação do partido burguês (MDB) que era oposição à ditadura, por um lado, e porque a poderosa direção do movimento operário metalúrgico, sob direção de Lula, fez gestões para que a greve e o movimento metalúrgico nacional de 1979 não se unificasse, aliando assim as tensões políticas e sociais.    

Como não houve uma ruptura institucional, o regime pós-64 não foi uma superação plena do anterior. A soberania popular surgida daí é extremamente limitada mesmo para democracias burguesas, as leis que permitem novas quarteladas, como o parágrafo segundo do artigo 15 da Lei Complementar nº 97 de 1999, foram mantidas/refeitas, os chefes genocidas foram salvaguardados, nenhum julgamento pelos crimes cometidos e instituições reacionárias, como as policias militares e civis, foram mantidas em suas estrutura básica.

O Golpe de 64 foi indubitavelmente contrarrevolucionário, esmagou os movimentos sociais por reformas de base (agrária, educacional e urbana) e contribuiu de forma significativa para que o Brasil cristalizasse sua dependência econômica, mantivesse profundas desigualdades sociais. Conjunto de fatores que permite que em meio a um cenário de perigosa pandemia, polarização política e ameaças sistemáticas do chefe deste governo aos direitos democráticos, um documento hediondo como esse seja publicado pelo Ministério da Defesa e pelo alto comando das forças armadas.

Esse documento, além de defender a posição tradicional dos comandantes militares, serve para apoiar a posição do poder central e agravar a polarização política, manifestada no enfrentamento com os governos estaduais, com as demais instituições, com parte significativa da grande mídia e com o crescente descontentamento popular causado pela postura de Bolsonaro.

Por essa razão, precisamos em primeiro lugar da mais ampla unidade de ação, da organização e mobilização – com os meios possíveis neste cenário – da classe trabalhadora pelo Fora Bolsonaro e por Eleições Gerais como um passo necessário para superar essa democracia impermeável às necessidades dos trabalhadores e oprimidos, tarefa que só pode ser cumpridas através de uma Constituinte verdadeiramente democrática e soberana imposta pela luta direta das massas.

Ditadura nunca mais

Punição aos mandantes e agentes da ditadura de 64

Constituinte Democrática e Soberana

Plano anticapitalista para enfrentar a pandemia

Fora Bolsonaro e Mourão

Eleições Gerais