França: A repudiada reforma das aposentadorias se discute no parlamento

A tônica da luta contra a reforma da aposentadoria passou para uma nova etapa. O processo legislativo da reforma está em andamento. Após as mobilizações de dezembro e janeiro, o projeto entrou nesta semana no debate parlamentar.

Dani Lopez y Santiago Follet

Após uma opinião desfavorável do Conselho de Estado, na qual se expressou um revés mínimo ao projeto, sendo o mesmo timbrado de “apressado em seu tratamento” e “impreciso nas propostas orçamentárias para sua aplicação”, o projeto iniciou seu processo Legislativo começando com o tratamento nas comissões e indo ao plenário em 17 de fevereiro.

A intersindical lançou o apelo para continuar e sustentar declaradamente um plano de lutas contra a reforma, especialmente em 2 datas: 20 de fevereiro com mobilização e 8 de março, em adesão à greve feminista internacional no dia da mulher trabalhadora

O estado geral das forças grevistas é o desgaste. Os trabalhadores da RATP e da SNCF receberam a maior parte dos descontos e conseguiram se sustentar minimamente como resultado da organização dos fundos de greve, mas a maior parte desses trabalhadores está atualmente re-incorporada à atividade desde meados de janeiro.

O retorno dos trabalhadores em greve aos postos de trabalho não foi simples nem gratuito. Muitos empregadores de diferentes desde esse momento em ataques contra os grevistas, como intimidaçãões, sanções ou perseguições. Isso é parte do fato de que o balanço político da luta desenvolvida em dezembro e janeiro acabou despindo o caráter autoritário do governo Macron para amplos setores de trabalhadores, ao qual são feitas muitas perguntas sobre a legitimidade das ações governamentais que ele desenvolve. Vale destacar a solidariedade recebida pelos setores mais fortemente reprimidos pela polícia de Macron: bombeiros, estudantes e professores às portas das escolas.

Manifestação contra a reforma previdenciária, em Paris, em 24 de janeiro. (Nicolas Cleuet/Hanslucas)

Conclusões desta etapa

O saldo dessa etapa de conflito é o entendimento de amplos setores da natureza autoritária do governo dos CEOs de Macron. Isso foi evidenciado em pesquisas de opinião pública que são contra a reforma ou mesmo na queda na popularidade do próprio Macron.

A imagem do presidente da França está seriamente deteriorada com o questionamento de sua política de aposentadoria, que é percebida por setores amplos como um ataque aos trabalhadores, que se soma a luta desenvolvida contra ele pelos coletes amarelos durante 2018 e 2019 .

O fator que ainda parece favorecê-lo é a existência da extrema-direita como inimigo principal e como antagonista definido por Macron para polarizar falsamente. A incapacidade do progressismo francês do PCF, do PS, dos verdes ou do La France Insoumise; a pequenez da esquerda vermelha, ainda é incapaz de se apresentar como alternativa.

Enquanto alguns setores votam no parlamento – no qual Macron é dono da grande maioria – a proposta de um referendo sobre a reforma previdenciária para perder estripitosamente, os políticos estão se movendo para a discussão das municipais no mês de março. Diante desse cenário, a escandalosa renúncia do candidato do LREM à prefeitura de Paris, que deixou a campanha de forma apressada após a viralização de um vídeo masturbatório seu, expõe a deterioração das forças de Macron a poucos dias do início dos comícios.

Como fica agora?

Ante o tratamento da Assembléia do projeto de lei, após dez dias de passar por comissões legislativas em debates acalorados que não comoveram as massas mobilizadas e tendiam a dissipar o poder de fogo dos grevistas na rua, a proposta concreta da intersindical são duas datas isoladas no calendário que se de um lado densificam a ira contra o governo, de outro, mais contribuem para alimentar um sentimento derrotista do que para organizar as forças disponíveis sob a perspectiva de alcançar um triunfo do movimento.

Isso é evidenciado na ausência de qualquer tipo de iniciativa das centrais sindicais que têm a direção do conflito e têm a capacidade de mobilizar o poder de fogo dos trabalhadores para estar presente na segunda-feira 17, no início oficial do debate parlamentar da reforma na Assembléia Nacional. Apenas alguns setores de vanguarda estavam corretamente presentes fora do parlamento, mas de maneira alguma podem ser comparados com o número de manifestantes que estiveram presentes em outras convocações sindicais.

Nesse sentido, o chamado para fazer uma “segunda-feira negra” na RATP também para a data de 17 evidenciou ter um impacto muito pequeno. Enquanto isso, existem vários setores em luta, como a saúde, entre outros, que realizam suas mobilizações setoriais para suas demandas concretas, mas de maneira atomizada. No caso dos professores, outro setor fortemente mobilizado, estão atualmente no período de férias escolares, portanto, devemos ver qual é o clima do retorno às aulas, mas sabemos que existem grandes reservas de luta que podem ser reativadas nas semanas seguintes.

Por outro lado, embora compartilhemos a necessidade de que o chamado ao 8m se tinta na luta contra a reforma, neste momento o chamado do Intersindical parece ser uma apropriação inteligente de uma data que teria peso por si só, ante o auge de um movimento feminista internacional em ascensão e que em parte se mobilizou contra a reforma da aposentadoria, mas não como um todo. Diante disso, entendemos que o apelo deve servir para revitalizar a luta contra a reforma da aposentadoria de Macron e também para expressar com força as reivindicações construídas do movimento de mulheres francesas em relação à violência de gênero, um país onde 149 mulheres morreram nas mãos de seus parceiros ou ex-parceiros, ou pelo simples fato de serem mulheres no ano de 2019.

É importante notar que as mulheres seriam particularmente afetadas pela reforma da aposentadoria, uma vez que constituem uma população com inserção precária no mercado de trabalho em um país capitalista e patriarcal que não escapa à disparidade salarial de gênero e ao depósito das tarefas de reprodução e cuidados não remuneradas nas costas femininas. Mas também é importante que seja o movimento de mulheres que levante essa reivindicação, encontrando seus próprios canais de organização independente da burocracia sindical.

Outra das mediações existentes tem a ver com o problema de que o dia 8 de março é um domingo, pelo que se buscará reduzir a combatividade da data e tornar o dia uma marcha isolada no calendário, sem continuidade, como observamos na marcha contra a islamofobia, que também ocorreu no domingo, alguns meses atrás.

Em resumo, queremos refletir que a luta contra a reforma previdenciária continua aberta e que, apesar das mediações existentes, a imensa rejeição da população à reforma e, de maneira mais geral, ao governo, além do acúmulo de um clima de mobilização e greve fortemente presente nos meses anteriores, antecipamos que o movimento social ainda não pronunciou suas últimas palavras e que poderá ser reativado novamente.

Nesse sentido, os embriões de auto-organização e coordenadorias criadas nos últimos meses, tarefa à qual contribuímos na organização de trabalhadores precarizados da educação nacional na experiência do coletivo “Vie scolaire en colère”, serão fundamentais para superar a burocracia sindical, os limites de sua imobilidade e fragmentação. Para que a força dos trabalhadores nas ruas novamente se expresse na perspectiva de relançar a greve geral para derrotar a reforma da aposentadoria de Macron. Porque, como os grevistas disseram em inúmeras ocasiões “iremos até a retirada da reforma”.

Tradução: José Roberto Silva