SEM DAR UMA GRAMA DE APOIO POLÍTICO, RECONHECEMOS O TRIUNFO DE EVO MORALES NAS ELEIÇÕES. NÃO CONFIAMOS NA INTERVENÇÃO DA OEA E EXIGIMOS QUE O POVO DECIDA ATRAVÉS DE UMA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE E SOBERANA
Por Martin Camacho
Uma onda de protestos tomou conta das ruas da Bolívia após as eleições de 20 de outubro, quando o Supremo Tribunal Eleitoral (TSE) concedeu o quarto mandato ao presidente Evo Morales, do Movimento ao Socialismo (MAS), por 47,08% contra 36,51% de Carlos Mesa, da Comunidade do Cidadão (CC). De acordo com a legislação eleitoral boliviana, para ser eleito no primeiro turno é necessário ter mais de 40% dos votos e uma diferença de pelo menos 10% com o segundo candidato. A contagem de votos apresentou uma diferença de 10,57% entre o Mesa e o Evo.
Horas antes desses resultados, apresentados pelo TSE, uma enorme crise política se abriu no país porque, ao atingir 80% dos votos contados, a contagem eleitoral parou por várias horas. Com esses dados parciais, parecia que Evo estava indo para o segundo turno. Mas a contagem final provisória parece dar uma vitória eleitoral agônica a Morales e Linera, um triunfo que até agora não temos elementos a ignorar.
Essa vitória apertada demonstra desconfiança e insatisfação com o governo do MAS, que lidera a presidência há 13 anos. Entretanto, o país andino está dividido desde fevereiro de 2016, quando a população boliviana decidiu, através de um plebiscito, que Morales não pode se candidatar novamente às eleições presidenciais. O “não” venceu por 51,30% contra 48,70% do “sim”, mostrando que o eleitorado queria uma mudança no palácio do governo. No ano seguinte, o Tribunal Constitucional determinou que o limite de dois mandatos era “uma violação dos direitos humanos” e deu luz verde à dupla Evo Morales / Álvaro García Linera para retomar novamente as campanhas políticas.
Ignorando o resultado do plebiscito de 2016, o Movimento ao Socialismo desprezou as pautas democráticas e abriu espaço para que a direita se fortaleça com essas bandeiras. O governo de Morales e Linera não realizou reformas estruturais na educação, saúde e emprego, perdendo grande parte de seu eleitorado nas cidades. Ele nunca avançou no questionamento do capitalismo.
Carlos Mesa, ex-presidente e defensor do neoliberalismo, hoje é o principal “comandante” das revoltas, das greves cívicas e da violência dos setores mais reacionários do país, incluindo a classe média do oriente boliviano. “Ou a prisão ou a presidência do país. Não vou desistir”, gritou o opositor de Morales em uma manifestação que reuniu milhares de apoiadores em La Paz.
Usando o argumento de eleições fraudulentas, o ex-presidente canalizou todos os sentimentos contra o masismo e despertou reações discriminatórias em relação aos povos originários que defendem o primeiro presidente indígena do país. Bolívia está enfrentando confrontos que podem agravar a situação de instabilidade e de polarização social. Está claro que existe uma dicotomia entre os setores mais privilegiados da classe média branca urbana, apoiadores de Mesa, e o setor operário, nativo e camponês que segue o governo do MAS.
Repudiamos os elementos da “guerra civil”, manipulada por Mesa, que se aproveita do descontentamento popular para confundir a população e expulsar de forma antidemocrática o governo. Podemos fazer um paralelo com pontos de contato com a farsa de Juan Guaidó ao se proclamar presidente da Venezuela em janeiro de 2019.
De qualquer forma, não damos uma grama de apoio ao governo masista e o fazemos responsável pelo descontentamento de amplos setores populares que caem nas mãos da direita por sua responsabilidade, por lhes ter dado bandeiras democráticas, entre outras, e por se recusarem a respeitar o referendo que o próprio MAS convocou.
Também não apoiamos o convite à Organização dos Estados Americanos (OEA), uma organização dos Estados Unidos, para realizar uma auditoria eleitoral. Chamamos a não confiar nesta organização, a reconhecer criticamente o triunfo de Evo Morales e defendemos a convocação de uma assembleia constituinte soberana e uma saída independente dos trabalhadores, dos povos indígenas, camponeses, das mulheres e da juventude, para que eles decidem o futuro do país.