O jogador brasileiro Daniel Alves, ex-jogador do Barcelona que atualmente jogava no Pumas do México, encontra-se preso preventivamente na cidade de Barcelona sem direito a fiança após ter sido acusado do estupro de uma jovem de 23 anos em dezembro do ano passado.

ROSI SANTOS*  

“Solo sí es sí.” (Slogan da nova lei sobre o consentimento sexual na Espanha)

Combate à impunidade

O jornal El Periódico de Catalunya teve acesso às declarações da vítima. Ela sustenta que o jogador Dani Alves a penetrou fazendo uso da força e sem consentimento na madrugada do dia 31 de dezembro de 2022. Naquela noite, a jovem não estava sozinha, acompanhavam-na uma prima e uma amiga. O fato dela ter aceitado o convite para área VIP feita por Dani Alves, encorajou o jogador a dar início à violência sexual. Ainda em público, ousou posicionar-se atrás da vítima e agarrar sua mão para que ela tocasse seu pênis, gesto que foi rechaçado pela vítima.

Segundo o jornal El Mundo, já no banheiro onde jogador impediu que a vítima saísse, Alves a estapeou e insultou, para forçá-la a lhe realizar sexo oral. Recachado, o jogador teria intensificado a violência até consumar o estupro até a ejaculação, violência que foi comprovada por meio de exame médico. Após o crime, o jogador saiu imediatamente do local. Câmeras de segurança também registraram a vítima ser impedida de sair do banheiro pelo jogador.  

Após as investigações preliminares e o resultado dos exames, a denúncia foi formalizada já no dia 2 de janeiro de 2023. Para a justiça da Espanha, a vítima foi contundente e persistente, e afirmou recentemente que não quer indenização por parte do jogador, mas que ele pague criminalmente pela violência que sofreu. Essa, além de uma postura individual, reflete o avanço do movimento de mulheres na Espanha e em outras partes do mundo que precisa ser generalizado.

A cultura do estupro no Brasil  

O machismo estrutural no Brasil, como sempre, senta-se à mesa e sustenta o negacionismo mais cínico. Isto é, o de ignorar, ao invés de encarar de frente, os seus problemas mais dramáticos. Esse tipo de violência machista possui raízes profundas na formação econômica e cultural do país, o que em termos práticos representam atualmente o registro de um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio a cada 7 horas, dados de 2021.

Por isso, a denúncia contra Alves tem peso importante nos debates que polarizam o país por atingir uma base social mais ampla, principalmente após a derrota do Brasil na Copa do Mundo e a morte de Pelé – principal referência do futebol mundial. Por isso, importa colocar essa discussão e outras do mesmo tipo de maneira adequada na realidade, o que pode ajudar a avançar a luta contra a violência de gênero no país.

Infelizmente, mesmo o jogador tendo mudado três vezes as versões dos fatos, é a versão e o comportamento da vítima que são os alvos de observação. Para além de uma “má” interpretação que se possa ter um machista sobre consentimento, Alves mentiu porque buscava se defender de um crime que sabia ter cometido. 

No Twitter, por exemplo, o caso está entre os principais temas. Publicações com respeito à carreira do jogador viralizaram, uma delas diz que Alves “jogou a carreira fora” sem nenhuma referência a condição da vítima. Falta cuidado com a vítima, consideração com a gravidade da denúncia e com o conteúdo asqueroso do crime.  É preciso colocar o acusado e não a vítima no centro dos questionamentos.

A prisão de Alves, ocorre após um avanço na consciência da sociedade espanhola provocado pelo grande levante feminista ocorrido em 2018 em resposta ao bárbaro caso de estupro coletivo intitulado La manada ocorrido em 2016; a reação política por justiça obrigou a Espanha a rever sua condução frente aos casos de violência de gênero no país.

Ação diferente do caso que envolve o jogador Robinho, condenado pela justiça italiana a 9 anos de prisão por um crime do mesmo caráter, mas segue impune. O jogador foi condenado com outros jogadores que também participaram do crime. Robinho, assim como Alves, possui dupla cidadania e “voltou” ao Brasil propositalmente para fugir da condenação. Bolsonarista, foi acolhido por Bolsonaro que fez valer um artigo da Constituição que não permite a extradição de brasileiros natos, negando sem mais o pedido de extradição da justiça da Itália. Assim, impunemente, até o momento não houve no Brasil qualquer sanção ao jogador, seguindo o baile do desrespeito às vítimas e saúde física e emocional de mulheres. 

Um exemplo do avanço que produz a luta das mulheres

A Espanha, como outros países da Europa, e, inclusive, na nossa vizinha Argentina, na América Latina, são países em que há vigência de Educação Sexual com perspectiva de gênero nas escolas. Assim, repartições públicas e privadas, bares e outros locais são impelidos a terem protocolos de ação específicos para o enfrentamento a violência de gênero, caso ocorrida nesses estabelecimentos.

A denúncia de violência de gênero não é uma denúncia fácil. O acolhimento profissional e humanizado faz toda diferença para que as vítimas se encorajem a falar. Por isso, a decisão da justiça espanhola vai na contramão do machismo endêmico, que tem como principal objetivo manipular fatos e descredibilizar a palavra da vítima. Assim, a mensagem que chega ao Brasil e que é importante que se saiba, é que a desqualificação da vítima e sua palavra é funcional à impunidade e à perpetuação da violência, portanto.

A partir da força do movimento feminista, a justiça de Barcelona tomou uma importante decisão para inibição e combate à violência de gênero e sua impunidade, constante no mundo do esporte. Mas que possui um valor simbólico importante para todos os casos de violência de gênero e traz esperanças e um gostinho de justiça para todas as mulheres, gays, trans, travestis e todas as vítimas de violência machista. 

A importância do acolhimento primordial à vítima e o respeito à sua palavra

O protocolo carimbado pela rebelião feminista de 2018 fez com que a boate não titubeasse e avisasse imediatamente a polícia, levando a jovem a realização de todos os procedimentos médicos necessários e dado início à investigação que, aliás, aponta, para dizer o mínimo, em indícios fortíssimos contra o jogador. O desdobramento desse caso é um reconhecimento pela justiça (mesmo que burguesa, forçada pela pela luta nas ruas), da vulnerabilidade da vítima e do conteúdo desumanizante que representa esse tipo de violência contra as mulheres e outras identidades de gênero vítimas do machismo estrutural, isso tem um valor humano fundamental e precisa ser generalizado. 

Somente depois do embate real entre as mulheres em luta e justiça, no caso La Manada, foi possível esse enfrentamento categórico do machismo em duas frentes fundamentais: o acolhimento à vítima e a agilidade institucional. Uma vitória inicial do movimento feminista europeu que precisa ser também uma bandeira do feminismo no Brasil. Que o movimento feminista se radicalize nesse sentido e emparede também a justiça brasileira, colocando Robinho e todos os criminosos de violência gênero na cadeia. Que os violadores tenham medo!

 Com feminismo na rua, o machismo recua!

 Justiça! Que os violadores tenham medo!

*Militante das Vermelhas e do Socialismo ou Barbárie