Uma contribuição crítica acerca das contradições crônicas das semanas de recepção de caloures e os desafios a serem encarados para moralizar e reerguer o movimento estudantil.

Juventude Já Basta!

Nesta semana, direta ou indiretamente, veteranes e, não sabemos em qual medida, caloures, foram inseridos em um debate que tomou conta dos preparativos para a recepção de novos estudantes no curso de História. Tornou-se pública uma nota na página do CAHIS (Centro Acadêmico da História, dirigido majoritariamente pelo coletivo Correnteza) que expressava uma denúncia do método de “tática 2”[1], supostamente colocado em prática por militantes do coletivo Faísca e publicizava a decisão unilateral e antidemocrática de expulsar todos os integrantes da comissão que fossem desse coletivo.

O fato que gerou a nota se deu em meio a um tensionamento na organização da calourada no curso de História envolvendo o grupo de whatsapp des caloures de 2024 – grupo tradicionalmente composto por caloures e veteranes, dada a importância de veteranes recepcionarem e interagirem com caloures. De maneira escandalosa e burocrática, a atual gestão do CAHIS impôs um “termo de compromisso” que fazia com que nenhum veterane pudesse participar do grupo de whatsapp de caloures depois da semana de recepção, com exceção daqueles que fossem parte da gestão ou selecionados pela mesma.

Em outras palavras, a gestão buscou garantir que só ela pudesse falar com os ingressantes – vale dizer que a eleição para o DCE, em que o Correnteza buscará a reeleição, acontecerá no primeiro semestre deste ano, sendo muito “interessante” que o “acesso” aos caloures seja restrito para que não saibam, por exemplo, da atuação traidora dessa corrente à frente da greve do ano passado. Trata-se de uma manobra para frear a luta, para que possam seguir dirigindo sem qualquer tipo de crítica, uma vez que as posições que defende o Correnteza – de tradição stalinista – não se sustentam diante da realidade.  Esse “termo de compromisso”, por si só, reflete toda uma dinâmica e uma tradição apodrecida do movimento estudantil, que tem se intensificado na USP com a atuação do stalinismo.

Diante dessa situação (não é a primeira vez que o Correnteza recorre a esse método oportunista e burocrático contra opositores), os militantes da Faísca teriam utilizado os números de telefones de caloures para contatá-los individualmente e convidá-los para se aproximarem do coletivo e de suas atividades políticas. De maneira oportunista e bizarra, o Correnteza (des)caracterizou essa ação como sendo “tática 2”. Essa acusação é grave, pois o que se conhece como “tática 2” é, na verdade, uma relação abusiva e violenta, muito diferente do que aconteceu.

A “tática 2” não é uma “ação”, uma forma de chegar numa pessoa ou um jeito chato de convidar alguém a conhecer seu coletivo. É, na verdade, um processo em que um militante experiente (normalmente homem) aproxima-se sexual e/ou romanticamente de uma estudante (normalmente mulher e mais jovem) com pouca ou nenhuma experiência política para, a partir da manipulação construída por meio dessa relação, obter vantagens políticas. Desse processo decorre tanto uma relação afetiva abusiva, quanto uma relação política burocrática e autoritária, pois gera uma espécie de “obrigação” política em relação às posições desse que a “dirige” politicamente, impedindo seu próprio desenvolvimento. Portanto, é muito grave que se acuse levianamente alguém ou alguma organização de “fazer tática 2”, especialmente por banalizar algo que não pode ser banalizado de forma alguma.

Mas, ainda que não seja “tática 2”, as tentativas de aproximação das correntes em relação aos caloures não são vistas com bons olhos. É recorrente, nas calouradas, o sentimento por parte dos ingressantes de um “assédio político” das organizações do ME uspiano, com algumas se sobressaindo em relação a outras nesse aspecto.

A calourada é, arriscamos dizer, a semana mais importante do ano pro movimento estudantil, desconsiderando aqui a hierarquia das lutas e greves que podem ocorrer ao longo do calendário letivo. Tal importância se reflete na complexidade dessa semana, marcada por um entrelaçamento de fatores sociais, culturais e políticos que, nos últimos anos, mais têm se chocado e se separado do que convergido em debates mais transversais.

Trata-se de uma semana em que dezenas de milhares de estudantes, de diferentes substratos sociais, gêneros e cores, fazem o seu primeiro contato com o “mundo universitário”, uma realidade complexa que vai muito para além das salas de aula, contraditória e sob uma permanente disputa de projeto político, social e educacional que se combina a uma nova etapa na vida desses jovens, cada vez mais adultos.

Não apenas isso, é também uma semana em que debates e atividades políticas são realizadas, atividades muitas vezes vinculadas às lutas universitárias e a lutas mais gerais a nível nacional e internacional – neste ano podemos ressaltar a importância de abordar o que em acontecido na Argentina e na Palestina, por exemplo. Ou seja, uma semana com muita tradição política e crítica na FFLCH, em que se pincelam significativas primeiras impressões, em que se forja, se reafirma ou se abre a possibilidade de constituir identidades (em todos os seus âmbitos) diante desse “novo mundo”.

Queremos, aqui, chamar atenção, dada a importância da calourada, para a necessidade de fazer dessa semana um primeiro passo rumo a um metabolismo independente da burocracia universitária (suas administrações e Reitoria), um movimento estudantil que seja saudável e acolhedor, que seja construído pelos estudantes, com especial responsabilidade de estabelecer diálogos daqueles que já ocupam esse espaço.

Tal metabolismo não pode ser constituído se não no campo da honestidade, da fraternidade e da solidariedade, princípios dos quais jamais devemos abrir mão. Temos, sim, que rever práticas que possam constranger estudantes, combatendo esse assédio político. Mas não podemos recorrer a medidas burocráticas e oportunistas como o protocolo feito pelo coletivo Correnteza na História, que, com o discurso de “combater o assédio político a caloures”, impõe uma bizarrice dessa – inédita nas calouradas uspianas –, bloqueando, na prática, o debate político e usando de métodos alheios ao movimento estudantil para que apenas a sua posição seja conhecida.

O Correnteza, que dirige atualmente o DCE (Diretório Central dos Estudantes), ao aplicar esse método stalinista em um curso cujo centro acadêmico dirige, abre um precedente perigosíssimo para o movimento estudantil, comprometendo a livre discussão política, que pudesse se dar de modo a qualificar o debate no seio do movimento e construir uma unidade na ação contra os ataques da burocracia universitária, do neofascista Tarcísio e também do governo federal de Lula e Alckmin que, no último ano, impôs duros ataques aos trabalhadores e trabalhadoras.

Temos nossas diferenças com os companheiros da Faísca e as expressamos todas no campo da discussão teórica, política, ou seja, no terreno tático-estratégico, jamais pela calúnia, pela intriga – método típico do stalinismo, tão nocivo que afundou nada menos que o partido de Lênin, o partido bolchevique, comprometendo, consequentemente, a luta pela emancipação social.

Portanto, nós, da juventude anticapitalista Já Basta!, nos posicionamos contrários a esse método burocrático da tradição stalinista que faz sujar ainda mais a imagem de um movimento estudantil em tentativas de se reerguer, de se moralizar novamente diante de setores da sociedade e, sobretudo, das novas gerações que devem tomar pelas mãos, ocupando novos espaços como a universidade, a luta por outra educação e sociedade.

Repudiamos, também, todo e qualquer método que não seja transparente, honesto e que recorra a manobras para a aproximação política des caloures que recaia nas mesmas consequências políticas do protocolo bizarro aqui citado. Esse não pode seguir sendo o estigma do movimento estudantil se quisermos que o corpo estudantil universitário realize-se como sujeito político capaz de disputar o curso dos acontecimentos.

Reivindicamos, de maneira incisiva, a necessidade de um processo de recepção des caloures que se materialize a partir do plano solidário, do terreno das ideias políticas, do diálogo e unidade daquilo que nos une e da discussão exclusivamente política, sem intrigas, sobre as nossas diferenças entre as forças políticas do movimento estudantil. Pois a política não é outra coisa senão a “história em ato”, como disse Gramsci, e é de nosso interesse que as novas gerações se firmem como sujeitos críticos e ativos, longe de qualquer burocratismo, doutrinarismo e passivismo no curso da história – da luta de classes.

 

[1] Nome vulgarmente dado à aproximação política por meio de manobras de natureza sexual e emocional.