Declaração eleitoral Socialismo ou Barbárie

O presente documento, vinculado a todo o debate e formulação tático-estratégica de nossa corrente, apresenta a posição da SoB, sua juventude Já Basta!, Vermelhas e da Bancada Anticapitalista acerca da questão específica do voto para as presentes eleições. 

“Um parlamento sem maioria, com alas irreconciliáveis, representa um argumento evidente e irrefutável a favor da ditadura. Mais uma vez, os limites da democracia se desenham com toda a evidência. Quando se trata dos próprios fundamentos da sociedade, não é a aritmética parlamentar que decide, mas a luta.”

Leon Trotsky, O Único Caminho, para The Militant, 1932.

Há tempo estamos sistemática e categoricamente afirmando, ao longo de nossas elaborações e intervenções, que estamos diante das eleições mais importantes desde a redemocratização nacional. Esse processo, em que pese as lutas operárias do final da década de 70 e mobilizações pelas diretas já, devido a política de transição pelo alto dos militares e a de conciliação da direção do movimento de massas, teve um caráter conciliador que deixou impune os militares diante dos crimes cometidos, um fato que legitima atualmente uma presença massiva destes em cargos civis. A importância e extraordinariedade dessas eleições estão em uma série de elementos que, combinados entre si, totalizam um cenário de indefinição para o próximo período. 

Esta indefinição, colocada temporalmente para além do pleito eleitoral, tem a sua síntese na crise do regime da democracia burguesa, com variadas expressões a nível internacional, que no Brasil conta com um inédito fenômeno político, com peso de extrema-direita nas massas, na figura de Bolsonaro. Aqui fazemos um primeiro e importante destacamento: Bolsonaro e seu clã não são causadores da crise pela qual atravessamos, são produto desta. Contudo, como representantes de setores da classe dominante, atuam para aprofundá-la, uma vez que encabeçam o projeto de eliminação dos mínimos direitos sociais e políticos conquistados em décadas passadas. Nesse sentido, são consequência, em um dado momento, e passam a contribuir com a causa da crise, em outro.

O bolsonarismo e seu líder, por mais que recebam muitas vezes adjetivos que os caracterizem como “meros idiotas”, possuem profundo entendimento do modelo político, econômico e social que querem levar adiante para o país. Este modelo, com a crise do projeto político-social apresentado em 88 com a nova Constituinte, oferece uma ruptura pela extrema-direita do sistema e seu status quo. Em 1999 Bolsonaro, quando perguntado se fecharia o regime caso fosse presidente, afirmou: 

“Não há a menor dúvida. Daria golpe no mesmo dia, no mesmo dia. Não funciona! E tenho certeza que pelo menos 90% da população ia fazer festa e bater palma, porque não funciona. O Congresso, hoje em dia, não serve pra nada, xará. Só vota o que o presidente quer. Se ele é a pessoa que decide, que manda, que tripudia em cima do Congresso, dê logo o golpe, pô. Parte logo pra Ditadura…” 

Sob tal afirmação, temos em evidência as intenções políticas que constituem a natureza do bolsonarismo, bem como de toda a extrema-direita: destruir as liberdades democráticas, proibir a livre organização política e, portanto, atomizar a classe trabalhadora, ou seja, o projeto é impor uma derrota histórica aos explorados e oprimidos. Das intenções à concretude das coisas existe aquilo que conhecemos como a luta de classes e o estágio da correlação de forças entre elas implicadas que permite ou não, em um determinado movimento, lograr os seus interesses. Portanto, o bolsonarismo, que hoje não reúne todas as condições sociais e políticas para efetivar o seu projeto, mas uma parcela delas, apresenta iniciativas e obtém avanços parciais buscando a equação cuja resultante seja o fechamento do regime construído em 88 e sua manutenção no poder por via de manobras reacionárias por dentro do regime e/ou por um golpe a estilo mais clássico, ou seja, com a  participação direta das forças armadas nas ruas. 

As iniciativas da extrema-direita

Desde o início do seu mandato, Bolsonaro organiza iniciativas combinadas em dois planos: extraparlamentar e parlamentar. As medidas institucionais foram várias, onde a mão de ferro bolsonarista teve êxito em levar adiante a agenda da classe dominante e medidas importantes para esse setor como a contrarreforma previdenciária, a autonomia do Banco Central, a privatização da Eletrobrás, a política de armamento de sua base social, dentre outras, fato que mantém parcela do substrato social mais alto fiel ao bolsonarismo – com destaque para os agronegócio. Outras importantes medidas institucionais, de caráter mais eleitoralista, com intenção de disputar os setores mais pobres do país, foram a redução do ICMS sobre os combustíveis de 25% para 18%, o auxílio taxista e caminhoneiro e o auxílio de R$600,00 até o final deste ano.

As medidas populistas – eleitorais – inéditas (já que a legislação não permite a criação de programas em ano de eleição), apesar de não terem surtido o efeito que almejava o bolsonarismo, em virtude do regresso tão significativo na condição de vida das massas trabalhadoras, tiveram, entretanto, uma importante repercussão eleitoral: aumento e consolidação da intenção de votos dos setores médios da sociedade e um freio às ameaças de paralisação entre os trabalhadores de transporte, como os caminhoneiros (fato que poderia colocar Bolsonaro em uma situação política, social e eleitoralmente irreversível).

Por último, mas igualmente perigoso, Bolsonaro aparelha institucionalmente seu governo e outras instituições do Estado. A exemplo disto controla a PGR através do Procurador Geral da República (responsável por  abrir processos criminais contra o Presidente), Augusto Aras; a cúpula da Polícia Federal (quem pode investigar a Presidência e altos funcionários); tem maioria na Câmara dos Deputados através do “centrão” (grupo de partidos políticos abertamente fisiológicos) e do Presidente desta casa (quem pode abrir processos de impeachment), Arthur Lira (PP) – um apoio obtido através de entregar postos chave do governo e fatias cada vez maiores do orçamento federal a esse bloco (o chamado “orçamento secreto” ultrapassa 17 bilhões de reais). Além disso, Bolsonaro ampliou substancialmente o número de militares em cargos políticos (calcula-se cerca de 7 mil em cargos no governo federal). Tudo isso combinado com duas indicações ao STF – se eleito, Bolsonaro poderá indicar mais dois ministros – e ataques sistemáticos às urnas eletrônicas e ao poder judiciário. 

Já no terreno das iniciativas extraparlamentares, o bolsonarismo vem polarizando pelas ruas e fazendo desse espaço importantes demonstrações de força social, com eixos e palavras de ordem autoritárias e perigosas desde que assumiu a presidência. Bolsonaro não é tolo, apesar de ser um político medíocre sabe da importância que as ruas têm para garantir-lhe as condições sociais para o seu projeto. O último 7 de setembro, assim como o de 2021, foram importantes expressões sociais dessa força golpista e somadas a outras mobilizações têm um papel chave para a vitória política do bolsonarismo: por um lado dão lastro para a narrativa – ad populum – de que as pesquisas não correspondem à realidade (somada a ausência da esquerda nas ruas), por outro, fazem avançar a violência e intimidação política de seus seguidores sobre a oposição. Concretamente esta estratégia já tem o seu primeiro resultado: 9% dos eleitores brasileiros afirmam que não irão votar por medo de sofrerem algum tipo de violência e mais de 67% têm medo de sofrer agressão física por motivos políticos, segundo a penúltima pesquisa do Datafolha.

Por fim, para o próximo primeiro de outubro, dia que antecede a ida às urnas no país, Bolsonaro e seu movimento estão convocando uma motocarriata nacional, com peso central para Brasília, para dar algumas voltas pela Esplanada dos Ministérios. Em grupos de conversas e apoio de bolsonaristas, essa mobilização está ganhando o nome de “xeque-mate”, sendo acompanhada de mensagens autoritárias que dizem que irão “exterminar a esquerda do país”. Um elemento grave que se não for respondido à altura pode ter consequências inéditas à frágil democracia burguesa brasileira. 

 Em suma, Bolsonaro e suas aspirações autocráticas combinam o parlamento e iniciativas político-sociais pelas ruas, como a mobilização de massas e a violência física, que resgatam características clássicas do fascismo. Desconsiderar que esta nova expressão de extrema-direita não possa, a partir da estratégia do medo e com a ida ao segundo turno, “melar” o pleito eleitoral é partir de uma interpretação totalmente equivocada desse fenômeno e, portanto, abrir mão das ferramentas tático-estratégicas para garantir as liberdades democráticas e derrotar politicamente Bolsonaro e seu clã. 

Tal interpretação errônea apresenta-se em dois planos: pelo passivismo da esquerda da ordem (PT e cia), que faz acordos políticos-eleitorais com a classe dominante tirando qualquer protagonismo das massas exploradas e oprimidas e rifando eixos programáticos de interesse dos trabalhadores. E por outro lado, se apresenta pela ultraesquerda e por setores ditos da esquerda “radical” como UP, PCB, MRT e PSTU. Os primeiros, que de maneira sectária e em nome de um programa e táticas abstratas, não apostam na unidade de ação e em uma frente de esquerda socialista para impulsionar a luta, portanto, na derrota efetiva do Bolsonarismo. Ficam, assim, limitados e isolados por suas próprias candidaturas em um plano exclusivamente eleitoral. Já o PSTU equivoca-se em conduzir a tática do Polo Socialista Revolucionário ao não batalhar por efetivar este importante espaço da esquerda socialista independente como ferramenta a serviço da organização e mobilização direta para além dos limites eleitorais. 

O passivismo traidor da esquerda da ordem

Se por um lado, como produto da crise de projeto de país entregue após a redemocratização, a extrema-direita combina suas iniciativas para emplacar um outro projeto nacional (refundar o país pela direita ultrarreacionária), a esquerda da ordem presenteia as ruas a este setor e se resume a um resgate do passado limitado pela política exclusivamente institucional. 

A campanha de Lula fundamenta-se num chamado vago para defender a “democracia” e voltar ao Brasil de antes de Bolsonaro, no qual a fome e a miséria também afetaram dezenas de milhões de pessoas, onde também estavam presentes todas as formas de exploração capitalista, o patriarcado, o racismo e a destruição da natureza. Ou seja, a normalização desse modelo social através de uma dose reduzida do veneno. Nesse sentido, a proposta do PT é tremendamente conservadora e não gera grandes emoções entre sua base social e aqueles que votarão em Lula para derrotar Bolsonaro. 

Em junho de 2013, com a repressão brutal do PT ao levante juvenil contra o aumento tarifário em São Paulo – movimento que poderia ter desencadeado uma rebelião popular pela esquerda – seguida pela repressão ao movimento contrário à Copa do Mundo em 2014 e o posterior impacto da crise do capitalismo internacional no país, começou-se a delinear um cenário, substratos e condições favoráveis para o acúmulo de forças reacionárias, desencadeadoras do período em que nos encontramos hoje. A deposição da ex-presidenta Dilma Rousseff, a prisão política de Lula e a eleição de Bolsonaro não são apenas produto das iniciativas por direita, mas também das sucessivas traições da burocracia lulista. Negar isso seria negar a própria dinâmica da luta de classes.

O desenvolvimento histórico do PT e do lulismo é pautado por um sistemático giro à direita que combina o rebaixamento político-ideológico nos movimentos sociais e sindicatos que dirigem, a desmobilização da classe trabalhadora, políticas focalizadas em assistencialismo, insuficientes no período de crescimento econômico do país, repressão às lutas independentes, como em 2013, submissão ao capital financeiro e a grandes corporações e um vasto etecetera.

Este processo, ao invés de impedir e enfrentar politicamente o avanço autoritário, sob os interesses de nossa classe, contribuiu para abrir passagem para a classe dominante e sua agenda. Enraizou, sob a lógica que não havia nada que se pudesse fazer, que a única alternativa viável era mexer algumas peças no interior das instituições políticas, orientação irresponsável e traidora, que persiste e ganha mais peso para estas eleições. Trata-se de uma orientação que sabota e sedimenta a ideia de que os os trabalhadores, as mulheres, a juventude e o movimento negro não são sujeitos políticos e sociais capazes de intervir no curso da história: as massas não são nada, o grande líder Lula é tudo, um mentor universal que sabe o que e como tem que ser feito.

A combinação de uma crise estrutural do capitalismo com  o passivismo e quietismo do PT, de suas centrais sindicais e do lulismo, que hoje ganha outro grande aliado, o PSOL, e as iniciativas da extrema-direita, contribuem para um categórico regresso nas condições de vida dos explorados e oprimidos, na organização, combatividade e consciência política das massas e favorece a permanente pressão e ameaça do bolsonarismo. Essa lógica está consolidada hoje pela entrega das ruas ao bolsonarismo e a construção de uma frente ampla burguesa entre Lula e Alckmin. Uma fórmula eleitoral que outorga o caráter burguês-operário ao Partido dos Trabalhadores e a natureza liberal-social de seu programa.

Os limites programáticos dessa frente e a ideia de resgatar um passado medíocre, sob condições materiais totalmente distintas no presente, para além de reafirmar a lógica da “miséria do possível”, faz não despertar uma identificação das massas trabalhadoras com tal programa – claro, não é delas e nem para elas. Isto é, não desperta qualquer esperança para uma mudança radical na condição de vida dos trabalhadores e, portanto, não os mobilizam subjetivamente a saírem espontaneamente a defender com unhas e dentes tal programa. A promessa de “picanha e cerveja”, além de deixar claro a ideia paternalista de domesticação da nossa classe e de que isso é o bastante – garantido pela tutela de Lula -, reforça o compromisso dessa frente com a classe dominante e não com reverter a situação catastrófica de pauperismo e carestia. 

O que queremos dizer com isso é que os limites programáticos do lulismo, somados a outras traições expressas acima e endossadas pela adaptação à ordem do PSOL, contribuem de forma decisiva para o rebaixamento ideológico das massas e o seu não despertar como sujeito ativo na luta por seus interesses. Algo que se soma para a recuperação eleitoral de Bolsonaro, desarmando a classe trabalhadora para resistir e enfrentar pelas ruas a extrema-direita e suas políticas, fator decisório para derrotar categoricamente o bolsonarismo.  

O sectarismo da esquerda independente 

Noutro plano está o papel sectário da esquerda independente diante das tarefas apresentadas pela conjuntura atual. Sem dúvida, tem um enorme valor que muitas organizações não capitularam à pressão da conciliação de classes em torno da chapa Lula-Alckmin. Nós da SoB demos tal batalha no interior do PSOL e, quando se aprovou a incorporação à frente ampla – somada à federação partidária com a REDE – fomos a única corrente que rompeu com o partido defendendo a independência de classe. 

Porém, a situação atual exige muito mais do que isso, pois está colocada a necessidade de combinar a independência de classe com a astúcia tática para derrotar o neofascismo, pelo qual é preciso impulsionar a unidade de ação com todas as forças anti-golpistas e conformar frentes únicas da esquerda socialista e independente. 

Diante disso, as posições das organizações são diferentes, mas têm um elemento em comum: ninguém – à exceção da SoB – chama a conformar uma frente de esquerda para ser um polo de luta independente dos patrões e da burocracia para derrubar o bolsonarismo nas ruas. Ainda pior, muitas dessas organizações incorreram num sectarismo extremo,  segundo o qual não se pode marchar com setores reformistas ou burgueses anti-golpistas. Razão pela qual estiveram ausentes em várias das manifestações do último período (por exemplo, na marcha do 10 de setembro na Avenida Paulista não participaram o PSTU e MRT).  Isso é um “purismo” de classe, o qual não tem relação alguma com a independência de classe e a diversidade de ferramentas táticas desenvolvidas pelo marxismo revolucionário. 

Portanto, o que se tem como saldo político é que estes setores dizem que Bolsonaro significa uma ameaça golpista, mas não levam a sério essa caracterização, pois não tomam nenhuma medida prática para colocar de pé os únicos instrumentos políticos que podem conter o neofascismo, a começar pela mobilização de massas nas ruas que só pode ser conquistada impulsionando sistematicamente a unidade de ação. Assim, a política de parte dos setores que não entraram na frente popular acaba ficando estéril, não contribuindo com a tarefa central que temos hoje: derrotar Bolsonaro nas ruas para poder vencer nas urnas. 

As eleições 

As pesquisas eleitorais hoje indicam a estabilização da polarização eleitoral entre Bolsonaro e Lula, e colocam a possibilidade de vitória em 1º turno para Lula. Contudo, ainda é factível que se faça necessário um segundo turno para definir a eleição, com uma importante vantagem do candidato petista sobre o neofascista, mas com um aumento dos perigos golpistas por parte de Bolsonaro. 

Ainda que Lula ganhe no primeiro turno, é um fato que o bolsonarismo está à ofensiva e, por essa razão, diminuiu a diferença nas pesquisas nos últimos meses, ajudado pelo papel passivo e traidor da esquerda da ordem, que não chamou suas bases às ruas para lutar contra o neofascismo. 

As eleições são sempre reflexos da realidade por mais que apresentem distorções e, portanto, podemos afirmar que certamente a situação poderia estar muito mais definida. Como não somar a isso o posicionamento do lulismo diante das importantes mobilizações de 2021, que abriram uma nova e favorável conjuntura para derrotar o atual e neofascista presidente? 

É fato que tal postura impossibilitou varrer Bolsonaro antes das eleições, negligenciando  o combate à fome que atinge 33 milhões de brasileiros – “esperem famintos, em outubro de 2022 as coisas irão mudar”. Nítidos são os limites dessa frente ampla burguesa para reverter substancialmente tal quadro de pauperismo generalizado, uma vez que isso precede de um programa com medidas anticapitalistas, que enfrente os interesses da classe dominante, e Lula se comporta como fator preventivo – assegurar que nada saia do controle pelas ruas evitando que as massas exijam mais do que os burgueses queiram dar.

Aliás, a crise econômica internacional, uma realidade objetiva, impossibilita que Lula possa repetir o modelo de conciliação de classes de seus governos anteriores e, pelo contrário, contribui para que Lula aplique medidas duras de ajuste aos trabalhadores para assegurar os interesses do grande capital. 

A sensação de que a única solução política é a conciliação de classes expressa na figura de Lula – agora acompanhado de Alckmin, resulta da combinação dinâmica de múltiplos elementos. Em primeiro lugar, o refluxo das mobilizações de ampla vanguarda do ano passado, que não assumiram um caráter de massas pela passividade consciente das centrais sindicais dirigidas pelo lulismo. Em segundo, a crise de uma alternativa e de direção revolucionária que se expressa pelo oportunismo traidor das organizações e da direção do PSOL. Por fim, a irresponsável e inconsequente política sectária de organizações da esquerda independente, que demonstraram-se incapazes de levar adiante as táticas de unidade ampla na ação e de construção de uma frente de esquerda socialista para impulsionar a luta e saídas anticapitalistas para a crise.

Eleitoralmente, Lula de fato é o único capaz de derrotar Bolsonaro nas urnas – isso não significa derrotar categoricamente o bolsonarismo e nem que a extrema-direita não tente uma ofensiva a la “Capitólio” como fez o trumpismo, que segue vivo e fortificado para voltar ao poder nos E.U.A. Muito menos significa, como já nos cansamos de escrever sobre, que para chamar o voto em Lula faça-se necessário entrar na frente burguesa com Alckmin, abrindo mão da independência de classe e de um programa radical, como fez de maneira oportunista e inconsequente o PSOL, para além de se federar com um partido burguês como a REDE. 

Portanto, quando falamos de voto, sob a ciência e a arte do marxismo revolucionário, estamos falando de uma posição tática. Já a participação em frentes ou governos com a burguesia, violenta o princípio da independência de classe, liquidando a luta estratégica pela autoemancipação da classe trabalhadora. 

É sabido os motivos que levaram a ruptura de nossa organização com o PSOL, e não se tratam do voto em Lula no primeiro turno, mas da capitulação a esse setor que liquidou o projeto de superação do lulismo pela esquerda pelo qual havia nascido nosso antigo partido. A gravidade dessa coligação do PSOL com uma chapa que conta com uma figura reacionária, representante direta do capital financeiro como Alckmin, responsável pelo massacre à educação estadual paulista, pelo aumento em 96% das mortes pela polícia militar nas periferias e importante artífice do impedimento de Dilma, se expressa em liquidar a construção de saídas que coloquem as necessidades de nossa classe na ordem do dia a partir da luta direta para derrotar o bolsonarismo nas ruas – uma traição histórica e imediata. 

Nós, da corrente Socialismo ou Barbárie, entendemos que a prioridade para derrotar Bolsonaro e a extrema-direita segue sendo o enfrentamento direto pelas ruas. Construir, a partir da unidade ampla na ação e de uma frente de esquerda socialista, uma alternativa independente para sair da crise e a serviço da mobilização e da organização da vanguarda, além de exigir da burocracia a convocação de atos nacionais para enterrar o neofascismo. Compreendemos também que em um possível segundo turno – uma “nova eleição” – as possibilidades de Bolsonaro generalizar o medo político se ampliam qualitativamente e com uma provável derrota terá mais força para questionar o resultado das eleições. Ainda que não consiga implodir os resultados eleitorais para se manter no poder de maneira autoritária, certamente sairá como força política tremendamente fortalecida capaz de mobilizar, de maneira organizada, uma oposição ultrarreacionária, de extrema-direita, ao governo Lula pelas ruas.

Por isso, para o próximo dia 2 de outubro reconhecemos a legitimidade, a partir da expressão popular, do voto das massas em Lula em primeiro turno em defesa das liberdades democráticas e não de seu programa burguês de conciliação. Porém, seguimos na batalha em construir diálogos com estes setores para alertar sobre os limites dessa frente ampla burguesa e para desconstruir toda e qualquer ilusão de que este setor possa resolver os problemas de nossa classe. 

Finalizamos publicizando que nossa organização centralizará sua tática eleitoral em um voto à Vera, do PSTU, candidata pelo Polo Socialista Revolucionário, mulher negra e operária com um programa socialista independente, em primeiro turno. Contudo, reafirmamos mais uma vez a legitimidade do voto ultra crítico em Lula já no primeiro turno para derrotar Bolsonaro, sem gerar a mínima ilusão de que se eleito vai fazer um governo que interesse aos trabalhadores e oprimidos, ao contrário, fará um governo burguês liberal-social em relação ao qual teremos que nos colocar imediatamente na oposição e em hipótese alguma defender sua política ou ser parte dela, como faz o PSOL e outras organizações de esquerda. 

Mas não basta o voto para derrotar Bolsonaro, o neofascista, no centro da sua estratégia para impor o medo visando ampliar a abstenção dos que votam contra ele e/ou para questionar diretamente os resultados das urnas, já está convocando motocarriatas para o dia 1 de outubro e ações para o dia 2 (dia das eleições). Nesse sentido, não  podemos esperar passivamente um Capitólio brasileiro, como pretende Lula e as direções do movimento de massas. É preciso que todas as organizações que dizem defender as liberdades democráticas – principalmente Lula, o PT, a CUT, o MST e a UNE – convoquem imediatamente atos/vigílias organizados desde a base em todas as principais capitais do país como demonstração de força e para exigir o respeito à soberania popular e os direitos democráticos dos trabalhadores, conquistas contra as quais Bolsonaro continuará atentando até o final, ganhando ou  perdendo a eleição. 

Além disso, sob o horizonte do relançamento do marxismo revolucionário para este século, é vital um permanente debate sobre a necessidade da organização e mobilização independente dos explorados e oprimidos e da relevância histórica de construir um partido socialista que supere pela esquerda o lulismo, todas as formas do reformismo e o sectarismo estéril dos ultraesquerdistas.