Vivemos uma nova circunstância política com os depoimentos dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica que colocam Bolsonaro no centro e comando da tentativa de golpe farsesco – o que não significa que foi perigoso – do 8 de janeiro. Mas o regime quer aproveitar esse momento para se relegetimar e continuar explorando e oprimindo de formas cada vez mais eficientes sem de fato punir os golpistas de ontem e de hoje. Assim apenas a ação do movimento de massas nas ruas construindo e assumindo bandeiras políticas garantirá a punição efetiva de Bolsonaro e dos chefes civis e militares golpistas e colocará os trabalhadores em uma situação melhor para lutar contra os ataques do governo Lula 3, da extrema direita e da burguesia e pelo conjunto de suas demandas.

Coalizão de classe e polarização estrutural

ANTONIO SOLER

Diferentemente do Lula 1 e 2, temos uma situação política muito mais instável e perigosa que demonstra que sem mobilização independente dos governos e dos patrões nas ruas nem as conquistas mínimas de governos anteriores serão possíveis. Ao contrário, a tendência, como já estamos observando em algumas medidas, é que tenhamos significativas perdas de direitos sociais, econômicos e políticos. Além disso, esse cenário pode abrir caminho para a volta do bolsonarismo – da extrema-direita – ao poder central, com ou sem Bolsonaro.

O ano passado, depois que derrotamos Bolsonaro eleitoralmente – o que não permitiu mudar a correlação de forças de forma qualitativa para que passássemos à ofensiva -, foi marcado pela tentativa golpista farsesca do dia 8 de janeiro e pela retomada de políticas de compensação social de governos petistas anteriores. Além de manter as contrarreformas de Temer e Bolsonaro  (reforma trabalhista e da previdência, respectivamente), vieram ataques diretos do governo Lula-Alckmin aos interesses dos trabalhadores através de reformas de cunho neoliberal (novo Teto dos Gastos e IVA), contingenciamento de verbas para saúde e educação que ultrapassam bilhões. 

O processo de traição às expectativas das massas trabalhadoras e oprimidas não foi apenas no campo da economia. Diante da tentativa farsesca de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023 que foi rechaçada amplamente e deixou o bolsonarismo na defensiva, o governo Lula não tomou uma medida sequer para avançar contra a extrema-direita, não propôs nenhuma lei para acabar com o artigo 142 da Constituição, com os Tribunais Militares, com a Polícia Militar; para sequer reformar as Forças Armadas, mantendo a paixão de Bolsonaro, José Múcio, como ministro da Defesa, ou qualquer outra medida democratizante que tenha algum impacto na vida das massas exploradas e oprimidas. 

Também tivemos ataques da direita/extrema-direita através do Congresso Nacional com a aprovação do Marco Temporal, que foi parcialmente vetado por Lula, do novo Estatuto das polícias militares, apoiado pelo governo, e de ataques de governos estaduais e municipais – o governo de São Paulo, Tarcisio de Freitas tem tido enorme destaque reacionário pelo seu privatismo e sua necropolítica. 

Toda promessa eleitoral do governo Lula-Alckmin de realizar avanços significativos nas condições de vida das pessoas parece ficar ainda mais distante. A recente queda de popularidade de Lula, verificada em ao menos três institutos de pesquisa publicadas semana passada, em que pese o peso que tem a oposição de direita e extrema/direita, indicam que sua politica não tem respondido às expectativas e muito menos às necessidades dos setores mais explorados dos trabalhadores. 

Mas não foram ataques de cima sem reação por baixo. Como tem ocorrido em todo o mundo, jovens, negros, mulheres e trabalhadores não deixaram de se mobilizar através de paralisações, greves e outros meios de luta contra todo tipo de ataque dos governos. No decorrer do ano passado tivemos paralisações importantes nos transportes públicos e serviços em vários estados e municípios, paralizações de entregadores por delivery, greve dos estudantes da USP e de outras universidades e as importantes manifestações das mulheres e do movimento negro. 

Tais movimentos dão conta do descontentamento dos trabalhadores contra o estado geral de coisas e contra os constantes ataques econômicos desferidos contra os trabalhadores em conluio com a burguesia, insatisfação que parece querer se demonstrar mais ativa agora.

Cresce possibilidade de superar a apatia 

Já no começo desse ano, diante da restrição orçamentária provocada pelo mesmo Teto de Gastos de Lula/Haddad e por não terem tomado nenhuma medida para taxar as grandes fortunas ou parar de pagar a dívida pública aos grandes investidores, uma nova crise pelas alturas ocorre. 

O governo se concentra em negociar com o “Centrão” parte das verbas das emendas parlamentares – que cresce cada vez mais em benefício do fisiologismo que se empodera – e alguma fórmula que volte a cobrar imposto sobre a folha de pagamento das empresas, que foram beneficiadas a partir do final do governo Lula 1 para que se possa ter alguma verba para fazer política em ano eleitoral. 

Parte da explicação do fenômeno da queda da popularidade de Lula é que o Brasil vive uma situação estrutural – econômica e política – totalmente diferente da que viveu nos dois primeiros governos Lula, com muito mais problemas estruturais, desde problemas ambientais, econômicos, urbanos… Agora, além de não termos mais um crescimento o econômico mundial, que chegou a cerca de 10% do PIB durante o segundo governo Lula, temos uma extrema-direita no Brasil – e em grande parte dos principais países do mundo – que tem grande espaço institucional, governa estados e municípios, têm grandes bancadas parlamentares e é capaz de dirigir setores de massas – como vimos na manifestação pró-Bolsonaro no último dia 25 na avenida Paulista. 

Além da polarização exercida pela extrema-direita, enfrentamos nessa situação como elemento estrutural – o que não é de hoje, mas remonta a composição de qualquer governo lulista de conciliação de classes – o fato de que lulismo no poder, governo burguês de conciliação de classes, tem como componente tirar a luta das massas exploradas e oprimidas das ruas. Isso porque, como um governo da burocracia-burguesia, teme que o movimento de massas em sua dinâmica ultrapasse os seus estreitos limites.

No entanto, começa uma experiência mais intensa de setores de massas com o governo Lula 3, como demonstram as  pesquisas de opinião pública e as lutas de setores que são diretamente ligados ao governo, demonstrando que a capacidade desmobilizadora de Lula tem limites. Esse é o caso de categorias como os Funcionários Técnicos-Administrativos das Universidades Públicas Federais que começaram sua greve no dia 11 deste mês. Nesse cenário, o maior desafio da esquerda socialista nessa situação é impulsionar a movimentação independente e política dos trabalhadores e oprimidos. 

Utilizar todas as táticas – guardando a independência de classe – que permitam furar o bloqueio que impõe o governo Lula, além dos burocratas, patrões e afins, evidentemente, para que os de baixo não saiam às ruas. Assim, faltar com sensibilidade para a estratégia fundamental que é colocar as massas nas ruas de forma independente, mesmo sob o governo Lula e seus meios de contenção, é um erro seríssimo para qualquer corrente política revolucionária.

Não perceber que os depoimentos do ex-Comandante do Exército e da Aeronáutica implicando diretamente Bolsonaro na trama golpista colocam uma nova circunstância política que pode mudar a conjuntura a nosso favor, nos parece uma cegueira tremenda. 

Além de ser condenado por abuso de poder e ter perdido a elegibilidade até 2030, avançam as investigações por golpe de Estado e ação violenta contra o estado democrático de direito. Mesmo que de forma extremamente limitada e com o objetivo de legitimar o regime, criando o mito dos “militares legalistas” (na verdade esse setor sabia que não havia conjuntura para um golpe, nada que ver com defesa da “democracia” ou da Constituição) para que possa continuar explorando e oprimindo, as investigações contra Bolsonaro avançam e colocam mais temperatura e pressão na situação política nacional. 

Disputar a luta para prender Bolsonaro pela esquerda 

O avanço das investigações contra Bolsonaro nesse momento que antecede o aniversário do golpe militar de 64, é extremamente simbólico para a luta em defesa dos direitos democráticos e contra os ataques que vêm do governo, da extrema-direita e da burguesia, algo que temos que aproveitar para impulsionar a luta direta nas ruas pela sua punição efetiva.

Nesse sentido, temos que abrir dois flancos de crítica em relação ao ato do dia 23 de março. Em primeiro lugar, esse é um ato que reflete uma crescente contradição no interior do governo Lula, pois a proibição de Lula de convocar atividades em memória aos 60 anos de golpe militar pegou muito mal em um amplo setor de vanguarda e  obrigou dirigentes burocráticos de sindicatos e de movimentos a dar uma resposta à sua base.

Por essa razão, por ser um ato que responde, mesmo que convocado com uma política oportunista, a uma necessidade concreta, a de lutar pela punição dos crimes da ditadura militar e dos golpistas de hoje, essa é uma atividade progressiva e que o conjunto da esquerda socialista tem que disputar com uma política de independência.

Na convocação do Ato em memória do golpe de 64 do dia 23 de março, feita pela Frente Brasil Popular e pela Frente Povo Sem Medo  é  oportunista-governista, pois que mesmo em um cenário mais favorável, para não enfrentar Lula, não cita a luta pela prisão imediata de Bolsonaro e todos os golpistas na convocação. Além disso, não aponta para a necessidade de enfrentamento aos milicos, pela reabertura das investigações dos crimes da ditadura para avançar contra toda os entulhos legais e institucionais da ditadura militar e fazem, assim, uma defesa da democracia – burguesa – no geral sem apontar para a necessidade de defender os direitos democráticos que são ameaçados constantemente. 

Do ponto de vista do centro da política internacional, que é Gaza, não exigem que o governo Lula seja coerente com suas declarações sobre o genocídio palestino pelo estado de Israel e apoie efetivamente o povo palestino, rompendo com qualquer relação com esse estado colonizador e racista a serviço do imperialismo. 

É uma convocação governista, que não aponta para solução dos principais problemas e, portanto, de natureza defensiva, o que se reflete até no local para o qual o ato está sendo convocado em São Paulo, o largo São Francisco em vez de ocupar lugares mais amplos e  centrais da cidade para medir forças com a extrema-direita. 

Por outro lado, temos a posição de setores da esquerda, como é o caso do PSTU, que em uma chave sectária-economicista não têm a menor sensibilidade política para a possibilidade de impulsionar a luta política nas ruas em um momento em que há uma circunstância melhor para se avançar contra o bolsonarismo e a extrema-direita. 

Desconsideram que a circunstância de avanço das investigações contra Bolsonaro permite disputar um ato que, apesar da convocação defensiva e oportunista, pode ganhar importante dimensão. Além de se recusarem a disputar politicamente o ato do 23 com uma linha política independente, sequer apresentam alguma alternativa de mobilização concreta nessa importante circunstância nacional que se abre contra a extrema-direita bolsonarista, o maior inimigo da classe trabalhadora no Brasil.

Neste dia 23 de março, uma semana antes do aniversário do golpe de 64, é preciso de uma linha política que rompa com a vergonhosa conciliação de Lula com os militares e com a classe dominante. Nós, da corrente Socialismo ou Barbárie, pensamos que não podemos não disputar politicamente os atos do dia 23. É fundamental que a esquerda socialista convoque em suas bases e participe desse importante momento nacional, apresentando-se com coluna, bandeiras, materiais  e intervenções independentes do governo, da burocracia, dos militares e dos patrões.

Por tudo isso, chamamos ao PSTU e às outras correntes de esquerda, para que se somarem ao ato do dia 23 de março e, assim, somar forças para construir juntos um bloco com uma pauta independente que dispute o ato com a burocracia sindical e movimentos governistas.

Precisamo trabalhar um conjunto de palavras de ordem que no âmbito internacional coloque o cessar-fogo imediato sobre Gaza, por uma Palestina livre, laica e socialista e que, também, exija que Lula, para ser consequente com a acusação de genocídio por Israel, rompa com todas as relações com o estado genocida.

Se reacende a possibilidade de prisão de Bolsonaro, assim é preciso colocar a necessidade de impor a prisão e expropriação de Bolsonaro e de todos os golpistas – civis e militares – do passado e do presente através da luta direta nas ruas. 

Que sejam punidos todos os criminosos da ditadura de 64 e que se defenda os direitos democráticos com o fim da Polícia Militar, dos tribunais militares e do artigo 142 da Constituição.

É preciso lutar também contra as reformas neoliberais desse governo e do “Centrão” e contra os ataques reacionários da extrema direita e do governador assassino de São Paulo, Tarcisio.         

Chega de anistia para golpistas, genocidas e torturadores

Mobilizar nas ruas pela prisão de Bolsonaro 

Punição de todos os criminosos da ditadura

Lutar contra ataques neoliberais deste e demais governos 

Chega de bombardeios e ocupação em Gaza e na Palestina

Pela ruptura do governo Lula com todas as relações com o Estado genocida de Israel

Chega de chacina, fim da polícia e dos tribunais militares

Fora Tarcísio, privatista e assassino