Bolsonaro tem impopularidade recorde

Após cem dias de governo: denúncias em várias frentes, contradições internas, desemprego em alta, queda recorde de popularidade e resistências ao reacionarismo indicam que governo e seus ataques podem ser derrotados

POR ANTONIO SOLER

Houve uma impressionante queda da popularidade de Bolsonaro registrada na última pesquisa do Instituto DataFolha[1] que só pode ser compreendida pelo aumento do desemprego e da precarização registrados recentemente pelo IBGE.[2]

Essa realidade material, associada com a rejeição das massas ao reacionarismo político em larga escala, aos escândalos de corrupção e envolvimento com milícias, às posturas e medidas antidemocráticas e, também, à falta de perspectivas de melhoras das condições de vida dentro do atual cenário, estão na base da queda da popularidade de Bolsonaro.

No entanto, a queda recorde da popularidade do governo só poderá ser convertida em uma luta que derrube definitivamente a “mãe das reformas” (reforma da Previdência) se conseguirmos ultrapassar a barreira burocrática para o desenvolvimento da luta que exerce a direção do PT e da CUT.

Por essa razão, pensamos que é sobre o desafio de impulsionar uma frente de luta que se organize por cima e por baixo, sem perder a independência política, que o nosso partido, o PSOL, tem que se debruçar nesse momento.

Queda da popularidade bate recorde

Depois de 100 dias, é comum que governos passem por uma queda de popularidade, mas Bolsonaro bateu de forma significativa o recorde de queda de popularidade considerando os presidentes eleitos após o processo de redemocratização.

Segundo pesquisa do DataFolha, Bolsonaro, que foi eleito com 55% dos votos válidos, tem atualmente apenas 30% de reprovação.[3] Com esse resultado, Bolsonaro bate recorde e ultrapassa Fernando Collor de Mello, primeiro presidente diretamente eleito após o processo de redemocratização, após 100 dias de governo Collor tinha 19% de reprovação.

Em termos regionais, a comparação entre eleitores de Bolsonaro e sua aprovação demonstra que a queda de sua popularidade é generalizada. Exemplo mais gritante é o da região sul, onde obteve 68% dos seus votos, mas aparece com apenas 39% de aprovação.

Além da queda generalizada da popularidade, a polarização sociopolítico-eleitoral das últimas eleições continua sendo registrada na pesquisa. Para simplificar a apresentação das informações obtidas pela pesquisa do DataFolha basta dizer que a maior aprovação de Bolsonaro está entre os que ganham mais de cinco salários mínimos e, além disso, para apenas 9% dos que seus eleitores o desempenho do presidente é negativo.

Por que desidrata Bolsonaro?

Podemos atribuir a queda da popularidade de Bolsonaro a três aspectos: recessão e desemprego, políticas ultrarreacionárias e resistência política de setores amplos das massas que não estão derrotados, como é o caso da juventude e do movimento de mulheres.

Segundo o IBGE a taxa desemprego ultrapassa o mesmo período do ano anterior (primeiro trimestre) e chega 12,4% da população economicamente ativa. Dados do final da última semana somam mais 892 mil pessoas na massa de desocupados, o que totaliza 13,1 milhões de trabalhadores desempregados no Brasil.

No entanto, o problema não está apenas na gigantesca massa de desempregados, outros índices relativos ao trabalho são assustadores, tais como o da população subutilizada e os chamados desalentados. Além do desemprego direto, existe um grupo de pessoas composto por trabalhadores com jornada inferior a 40 horas semanais e os desalentados (pessoas que deixaram de procurar emprego).

O número de desalentados no último trimestre chegou a 4,9 milhões, desse total 60% estão há mais de dois anos sem encontrar emprego, o que só aumenta a dificuldade de encontrar nova colocação profissional. Já entre os trabalhadores com jornada inferior a 40h semanais, que acabam sendo inviabilizadas em grande maioria de encontrar emprego em tempo integral, encontram-se 14,8 milhões de pessoas.

O total dessa população de desempregados, subempregados e desalentados tende a crescer e bateu recorde, chegou a 27 milhões de trabalhadores no primeiro trimestre do ano, maior número desde o início dessa série de pesquisa iniciada pelo IBGE em 2012.

Para agravar a situação, com a atual expectativa de crescimento da economia brasileira de apenas 1,5% esse ano, a tendência é de que a situação não melhore em curto/médio prazo. Segundo relatório do Itaú, a perspectiva é de criação de apenas 20 mil postos de trabalho formais por mês, o que, na melhor das hipóteses, significa um crescimento de 180 mil postos até o final do ano, número insignificante dentro do quadro de 13,1 milhões de desempregados e do ingresso anual de ao menos 1 milhão de pessoas no mercado de trabalho.

Além do agravamento do desemprego e da precarização das condições de trabalho das massas, a política de Bolsonaro é um fator decisivo para compreender a queda vertiginosa em sua popularidade, principalmente entre a população de menor renda, ou seja, da ampla maioria da classe trabalhadora.

Para além dos seus eleitores mais fieis, aqueles ganhos diretamente para o “bolsonarismo”, o que pode chegar a 20% do eleitorado, uma parte importante dos eleitores de Bolsonaro foi convencida de que bastava derrotar a “esquerda” e as políticas “progressivas” para que os problemas centrais do país fossem resolvidos, daí que a frustração relâmpago de amplos setores com o atual governo era previsível.

Para compreender esse processo, pensamos ser útil uma breve retomada das condições políticas nas quais foram realizadas as eleições de outubro do ano passado.

Durante o processo pré-eleitoral uma campanha, articulada pelo grande capital, pela grande mídia, pelas igrejas neopentecostais e pelos partidos de direita. Ou seja, foi montada uma “santa aliança” no sentido de convencer as massas que os problemas seriam facilmente resolvidos a partir do combate a “corrupção” feito pela Lava Jato, dos cortes nos “gastos do governo”, da generalização de combate à criminalidade a partir de políticas punitivas e de extermínio e da ampliação do conservadorismo em várias frentes.

Para legitimar esse projeto do ponto de vista político era necessário abater a “esquerda”, o lulismo mais propriamente dito, nas eleições de outubro. Foi nesse sentido que se juntaram todas as forças reacionárias da sociedade. Assim, a ideologia antiesquerda, traduzida especificamente em antipetismo, sai vitoriosa das urnas, mas vitória eleitoral não é garantia por si só de imposição de projetos.

Esforço esse que, para além do investimento financeiro e do combate político-ideológico da classe dominante, inclusive com financiamento ilegal via redes sociais, contou também com o apoio decisivo de judiciário e da pressão das FA. Conjunto de elementos que acabou gerando, devido ao desgaste dos grandes partidos e figuras da direita tradicional identificadas com a corrupção, esse é o caso emblemático de Geraldo Alckmin (PSDB), a viabilização de uma ultrarreacionária saída eleitoral através de Bolsonaro.

Mas que não se diga que o PT e Lula não têm corresponsabilidade na construção desse desfecho político, pois o seu “reformismo sem reformas”, suas políticas de compensação social e suas traições aos processos de mobilização, como foi o caso da continuidade da greve geral em 2017 e da rendição de Lula que levou a sua prisão, não serviram para criar uma força político-ideológica capaz de resistir à crescente ofensiva reacionária, o que culminou na eleição de Bolsonaro.

A frustração daqueles eleitores que votaram nesse governo com a expectativa de que haveria uma melhora rápida da situação socioeconômica deve-se, obviamente, ao fato de que a solução para as grandes questões do ponto de vista dos trabalhadores e do povo oprimido não pode vir da política burguesa, principalmente de sua expressão ultradireita.

Essas condições econômicas e políticas somadas ao conjunto de políticas ultrarreacionárias, escândalos de corrupção e envolvimento com a milícia, caixa dois e uso de laranjas nas eleições pelo partido do presidente (PSL), política internacional entreguista, dos múltiplos impropérios de Bolsonaro, inépcia administrativa e da resistência de setores – mulheres e juventude – que não saíram derrotados politicamente das urnas levou à queda vertiginosa da popularidade do governo.

Contradições tendem a agravamento

Certamente que essa tendência à impopularidade do governo pode mudar de acordo com a dinâmica econômica, política e ideológica a ser verificada daqui para frente. No entanto, não podemos deixar de considerar que a economia e a política vão no sentido de aprofundar o descontentamento com o governo e, portanto, perca de paciência das massas e de uma possível explosão social, como a vista em 2013.

A maquinaria reacionária da presidência está fragilizada, mas se recompôs e opera no sentido de garantir a tramitação da reforma da Previdência. E o avanço desse ataque, em meio a uma situação material tão grave quanto a vivida pela classe trabalhadora brasileira pode contribuir para gerar uma condição favorável para a luta. O avanço das contrarreformas, particularmente da “reforma” da Previdência, agravarão de forma geral as já precária condições de vidas das massas. Processo que não encontra na atual situação nenhuma contrapartida favorável aos trabalhadores, uma vez que com a recessão crônica – esse ano o crescimento do PIB está previsto para 1,5% – a tendência é manter altíssimas taxas de desemprego e aprofundar ainda mais a precarização do trabalho.

Mesmo com os ajustes ainda em curso, já há uma queda enorme da popularidade do governo, popularidade que tende a cair ainda mais durante a tramitação da reforma no Congresso. Hoje o total da população que rejeita a reforma é de 51%, mas na medida que as massas se apropriarem mais do teor da reforma, segundo pesquisa apenas 17% das pessoas se consideram informadas sobre a reforma da Previdência[4], esse número tente a aumentar e retroalimentar o descontentamento com o governo.

A questão a partir daí é por quanto tempo as massas manterão a paciência diante de um governo que não tem nada a oferecer. É verdade que Temer passou a maior parte dos seus dois anos de mandato com uma popularidade baixíssima e não houve nenhuma explosão popular, mas havia expectativa de que com a reforma trabalhista e depois com a troca de governo a situação poderia melhorar. De qualquer forma, Bolsonaro já enfrenta um cansaço com os ajustes anteriores, com anos de desemprego e agora não há alternativa de compensação, apenas mais desemprego e piora das condições gerais da vida.

Com essa combinação de fatores, estamos sobre uma espécie de bomba relógio política na qual engrenam desemprego, arrocho salarial, piora das condições de vida, desgaste do governo e uma crescente irritação das massas. Esse mecanismo apenas não se acelera porque a direção das principais centrais sindicais e partidos de oposição levam uma linha que não combina a luta contra os ataques com uma mobilização contra a reforma da previdência e os demais ataques aos trabalhadores e oprimidos. Ou seja, separa a luta contra a reforma da previdência da luta para derrotar o governo e a ofensiva reacionária como um todo.

Descompasso entre disposição de luta e manobras da burocracia

A luta de classes não se submete às leis da mecânica. Mas o descontentamento dos setores mais pauperizados dos trabalhadores tende a se ampliar com o aprofundamento dos “ajustes”, o que pode gerar um processo de lutas radicalizado e construir as condições para uma poderosa greve geral que derrube de vez a contrarreforma da Previdência, esse governo e todos suas políticas ultrarreacionárias.

Porém, devido a política de conciliação permanente das direções burocráticas que operam com interesses diferentes dos trabalhadores, as primeiras negociam com a burguesia uma reforma mais palatável para atender os governadores e prefeitos do PT e, de quebra, fazer um gesto para o judiciário e para a burguesia no sentido de facilitar a soltura de Lula.

O que a burocracia quer, como comanda governos estaduais e municipais, é negociar uma reforma mais branda, que garanta ao estados e municípios uma redução de gastos com a Previdência esfolando ainda mais os trabalhadores mas que não seja tão profunda como a proposta pelo governo, mas também que não signifique um financiamento em que o grande capital seja taxado. 

Essa é uma traição da luta direta que o PT opera a olhos vistos, pois após o Dia Nacional de Lutas, 22 de Março, a burocracia lulista tirou de cena a luta contra a reforma da Previdência para fazer somente a campanha do “Lula Livre”. Já de outro angulo, o das centrais sindicais, a manobra foi a de chamar o Dia Nacional de Luta e agora um 1º de Maio apenas contra a reforma da Previdência, que poupa Bolsonaro, todos os seus ataques e não fazendo a luta por democracia, na qual “Lula Livre” é parte dela.

Ou seja, nos dois polos temos uma operação que separa a luta imediata (derrotar a reforma da Previdência) da luta política (derrotar Bolsonaro, seus projetos e defender os direitos democráticos) que só favorece o governo, o parlamento e o judiciário, todos a serviço dos interesses da classe dominante e da tramitação dos ajustes.

Apesar das manobras burocráticas, a tendência que parece mais objetiva é a de que haja mais irritação entre as massas de trabalhadores, mas a política da burocracia lulista atuará constantemente para que essa irritação não ultrapasse o limite e que não haja uma explosão que ponha abaixo todos essa situação montada e que se avance a contrarreforma da Previdência. Por essa razão é que depois do 22M não marcaram nenhum nova manifestação ou calendário de lutas que pudesse culminar em uma Greve Geral que possa definitivamente derrubar esse governo e seus ataques.

Nos do PSOL não podemos ficar sob a batuta política da direção do PT e da CUT. Precisamos trabalhar constantemente para unificarmos o conjunto da esquerda e dos lutadores para derrotar o governo o conjunto dos seus ataques. Para isso não podemos cair nem no economicismo – que separa a luta imediata da luta político-democrática -, expresso na convocação do 1º de maio e nem no politicismo – que separa a luta política das demandas concretas dos trabalhadores -, expressão da forma como o PT leva a campanha de “Lula Livre”.

Nesse sentido, o PSOL tem a obrigação de dizer que essa é uma estratégia que ao que pese o peso que o PT tem no movimento de massas vem fracassando há décadas, a campanha “Lula Livre” não mobiliza muito mais do que sua militância, e as lutas contra a reforma da Previdência desprovida de participação direta de base e radicalização política não conterá o avanço contrarreforma. É preciso que nosso partido pare de confundir unidade de ação, frente única para lutar com ausência total de diferenciação crítica, que pode ser feita pela positiva, com exigências, ou pela negativa, com denúncias, a depender da dinâmica. Da mesma forma que não fazer unidade e frentes diante dos ataques patronais não passa de puro sectarismo, fazer unidade e frente sem crítica não passa de puro oportunismo que não serve para construirmos uma verdadeira alternativa ao PT.

Basta de Bolsonaro!

Derrotar a reforma da Previdência e todos os demais ataques!

Construir um calendário de lutas rumo à Greve Geral!