A rebelião de Altamira expõe a ineficiência do Governo e do sistema prisional brasileiro
Martin Camacho
“[…] Fumaça na janela, tem fogo na cela
Fudeu, foi além, se pã!, tem refém
Na maioria, se deixou envolver
Por uns cinco ou seis que não têm nada a perder
Dois ladrões considerados passaram a discutir
Mas não imaginavam o que estaria por vir
Traficantes, homicidas, estelionatários
Uma maioria de moleque primário
Era a brecha que o sistema queria
Avise o IML, chegou o grande dia […]”
(Racionais MC´s- Diário de um detento)
As rebeliões nos presídios da região Norte do país têm se tornado notícia nesses últimos meses. Os conflitos passaram por Manaus (AM), Boa Vista (RR), Nísia Floresta (RN) e agora Altamira, no Pará. O evento que deixou ao menos 58 mortos, traz à tona a rivalidade entre duas facções criminosas que disputam o território dentro e fora das detenções no Brasil: o Comando Vermelho (CV), oriundo do Rio de Janeiro, e o Comando Classe A (CCA), um grupo local aliado ao Primeiro Comando da Capital (PCC). O problema, longe de solucionar-se, traz questionamentos as políticas ineficientes empregadas pelo Estado, a expansão do crime organizado em todo território e evidencia a crise no sistema carcerário brasileiro.
A região Norte é considerada estratégica para as organizações criminosas, que disputam pela chamada “Rota do Solimões”. Por meio dos rios Solimões e Negro, o tráfico consegue transportar drogas produzidas no Peru e na Colômbia para o mercado nacional e internacional. Aqui não estamos falando de gramas, mas sim de toneladas que podem chegar aos bairros luxuosos de Paris, Londres e Amsterdã. O ciclo vicioso da oferta e da demanda de uma substância ilícita que enriquece não só as lideranças criminosas, mas todo o aparato estatal, deixa como saldo as mortes e a violência.
Os confrontos territoriais se estendem aos presídios, provocando disputas internas e recrutamento de novos filiados. Nesse cenário, os detentos primários ou sem condenação não podem ficar neutros e precisam assumir alguma posição, ou seja, entram como pequenos delinquentes e, muitas das vezes, saem como membros de uma organização criminosa. Além disso, a precarização do sistema carcerário permite que presos por pequenos furtos ou roubos dividam celas com presos que possuem longa carreira, formando uma escola e fortalecendo o crime. É o que o professor do programa de pós-graduação em Segurança Pública da Universidade Federal do Pará, Edson Ramos, explicou em entrevista para o portal G1.
“Os presídios são precários e superlotados. Nessas cadeias, presos perigosos ficam misturados com presos de menores potencial ofensivo. Você coloca dentro de uma mesma cela um cara que praticou um pequeno furto com grandes líderes de redes criminosas. Então, esse recrutamento (de novos filiados para as facções) fica muito fácil.”, afirmou.
No ranking mundial dos países que mais prendem, o Brasil ocupa a 3ª posição com aproximadamente 700 mil presos – equivalente a 335 encarcerados por 100 mil habitantes. Os presídios apresentam apenas 415,9 mil vagas, ficando 69,3% acima da capacidade. O Centro de Recuperação Regional de Altamira (CRRA) não estava por fora desses números e contava com 343 internos, acima do espaço disponível que era de 163-o governo do Pará fala em capacidade para 200 presos. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Pará, 145 ainda aguardavam julgamento (50%).
De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen, junho de 2017), 75% das pessoas custodiadas são homens, 33% são provisórios ou sem condenação, 55% tem menos de 29 anos e 51% possuem o Ensino Fundamental Incompleto. Entre o sexo masculino, 30% são presos por tráfico de drogas. No caso das mulheres, a porcentagem sobe para 65%. Isto é, os pequenos aviõezinhos das periferias são os mais vigiados e punidos pelo Estado. Para os “engravatados” não basta apenas excluir das oportunidades, tem que encarcerar e punir. O desmonte da educação, da saúde, da moradia e a falta de emprego digno colaboram com que a juventude negra entre no crime.
“Desde cedo a mãe da gente fala assim:
‘filho, por você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor.'[…]
Como fazer duas vezes melhor, se você tá pelo menos cem vezes atrasado […]
Ou melhora ou ser o melhor ou o pior de uma vez.
E sempre foi assim.
Você vai escolher o que tiver mais perto de você […]”
(Racionais MC´s- A vida é um desafio)
O sistema político atual esconde o fracasso do aprisionamento em massa e financia as guerras às drogas, que mata e prende jovens todos os dias. O que é considerado deficiência pelos estudiosos em Segurança Pública, é um planejamento do genocídio da população negra. A rebelião de CRRA está sendo considerado como a maior matança do ano nas cadeias do país, todavia, o presidente Jair Bolsonaro debocha do episódio e deixa bem claro que apoia a política de pena de morte para os pobres. “Pergunta para as vítimas que morreram lá o que eles acham, depois que eles responderem eu respondo a vocês”, disse ao sair do Palácio do Planalto. Essa frase demostra que o Estado é cúmplice dos massacres e que Bolsonaro está compactuando com o poder das facções nos presídios.
O papo furado do Sérgio Moro e o seu pacote anticrime
Em meio ao acontecimento, um tema pouco discutido nos veículos de comunicação e ignorado pelos especialistas é o pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que caminha na contramão dos acontecimentos e apoia o encarceramento como forma de reduzir a criminalidade.
O endurecimento das leis do Código Penal e do Código de Processo Penal, o isolamento dos presos, ações disciplinares mais rígidas e toda série de punição planejada pelo ministro não resolvem os problemas enfrentados nos presídios. A inoperância do Estado na rebelião de Altamira evidencia que quem controla os presídios são as facções, portanto, não é com o pacote que irá solucionar as deficiências do sistema carcerário e da segurança pública no Brasil.
O secretário extraordinário para assuntos penitenciários do Pará, Jarbas Vasconcelos, contou a piada de que a inteligência da Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (SUSIPE) não identificou nenhuma possibilidade de ataque no CRRA “Temos protocolos para a maioria dos casos, mas neste específico, não tínhamos informações sobre um ataque dessa magnitude”, declarou.
Um questionamento que podemos fazer aos administradores do Estado é que não conseguir evitar que 20% dos internos sejam mortos e não identificar que tenha duas facções rivais depois de vários episódios parecidos, em um presidio com 311 pessoas, é demostrar o despreparo e a ineficiência do aparato público em relação a segurança.
Uma das ideias defendidas pelo Moro é a transferência de líderes para os presídios federais, argumentando que é uma das medidas fundamentais de combate ao crime organizado, entretanto, não se preocupa com as condições estruturais dos presídios e nem apresenta projetos para ressocialização dos detentos. O evento de Altamira apresentou também falhas na proposta ao tentar transportar 30 presos para Belém e provocar a morte de 4 pessoas com sinais de sufocamento.
Até agora nenhuma autoridade política explicou o fato, apenas informou que as câmeras de segurança do caminhão foram desligadas em um momento do percurso, que os detentos eram levados algemados e que nas celas estavam membros da mesma facção. A incapacidade do Estado em lidar com os conflitos é notório e deixa marcas sangrentas na sociedade. É necessário pensar em políticas públicas que enfrentem os problemas na raiz da desigualdade social, oferecendo educação, emprego e moradia digna aos jovens das periferias e não punindo com encarceramento ou balas. Em suma, os responsáveis pelo atual massacre são Jair Bolsonaro e Sérgio Moro!
Exigimos fim da política de encarceramento!
Fora Bolsonaro!
Fora Moro!
Eleições gerais já!
[…] Jair Bolsonaro (PSL), entusiasta de Fleury leva adiante o projeto criminoso do ex coronel para Segurança pública. Tentando criar leis de maior empoderamento da policia por meios de indulto a policiais, Bolsonaro chegou a citar o caso do Carandiru ao defender propostas, que invariavelmente leva ao país a tragédias parecidas a de 1992 no sistema prisional, como a que ocorreu esse ano no Centro de Recuperação Regional de Altamira , no Sudoeste do Pará. […]