A tragédia ocorreu em 2 de outubro de 1992 e completa nessa quarta-feria (02) 27 anos. O massacre ocorrido no antigo presídio do Carandiru é considerado a maior chacina em prisões no nosso país. O ataque, segundo dados oficiais, deixou 111 mortos, muitos deles de presos que estavam dentro das celas sem condições de defesa. Tudo sob os olhos e ordens do governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho (MDB), e do comandante da Polícia Militar (PM), Ubiratan Guimarães.

Direito a Direitos humanos

Rosi Santos

Dados atualizados em 2018 falam em 122 mortes no massacre do presídio do Carandiru. Segundo o comandante da operação, tudo ocorreu durante uma intervenção da Polícia Militar para conter uma rebelião iniciada após um briga entre detentos que generalizou distúrbios no Pavilhão 9 do complexo. No entanto, na manhã de 2 de outubro de 1992 cerca de 300 policiais foram chamados pelo Diretor da casa de detenção, Ismael Pedrosa, para por fim ao conflito, custasse o que custasse. Dando-se início a um dos maiores crimes de Estado praticado pela Polícia Militar depois da ditadura no Brasil.

Os policiais entraram disparando…

Nessa mesma manhã, os presos começam a entregar as armas e negociar o fim da rebelião. Mesmo assim, a PM rompeu a barricada feita pelos detentos e entrou abruptamente no Pavilhão, deixando evidente que a intenção não era terminar a rebelião, mas “disciplinar” da pior maneira possível os presos.

Imagens como essa protagonizaram todo o dia na tv pública, os meios disputavam pela direita a narrativa da tragédia.

Atualmente na presidência, Jair Bolsonaro (PSL), entusiasta de Fleury e Ubiratan, justifica e leva adiante como projeto para o país ações criminosas como essa. Tentando criar leis de maior poder para a polícia por meios de indulto e privilégios ao setor, Bolsonaro chegou a citar o caso do Carandiru ao defender políticas, que invariavelmente, tem levado o país a tragédias parecidas a de 1992, como a que ocorreu esse ano no Centro de Recuperação Regional de Altamira , no Sudoeste do Pará.

Depois da tragédia que poderia ter sido evitada, houve muita pressão popular, e o coronel Ubiratan Guimarães – comandante da PM na operação – finalmente era quase condenado por sua responsabilidade nas mortes. A condenação seria de 632 anos, seis anos por cada homicídio e vinte anos por cinco tentativas de homicídio a sobreviventes e testemunhas, porém, no ano seguinte, foi eleito Deputado Estadual por São Paulo logo após a sentença condenatória e começou seu mandato durante o trâmite de recurso da sentença.

Protesto de detentos dentro do complexo

Por alguns anos Ubiratan ficou intocável graças ao foro privilegiado e suas influencias na polícia e na política, até que foi totalmente absolvido em 15 de fevereiro de 2006, quase 15 anos depois do massacre. O julgamento foi em um tribunal especial e teve entre os participantes 25 desembargadores, os mais tradicionais e reacionários do Estado de São Paulo, e por vinte votos a dois suspenderam a sentença condenatória do ex- coronel. A sua absolvição trouxe uma enorme indignação popular e chocou órgãos de Direitos humanos. Nesse mesmo ano, no mês de setembro, o coronel Ubiratan foi assassinado com um disparo de curta distância, o crime nunca foi esclarecido, investigações apontam que assassinato não possuía nenhuma ligação com a tragédia do Carandiru, no entanto, no muro do prédio onde vivia ex coronel foi pichado “aqui se faz, aqui se paga”, fazendo referência ao massacre. 

Uma verdadeira bomba relógio

Demolido em 2002 chegou a ter mais de oito mil reclusos, hoje é o Parque da Juventude.

O prédio possuía uma estrutura imponente comparada a média nacional. Foi delineado a partir de um projeto arquitetônico audacioso. Que contraditoriamente, trazia a ideia de liberdade e de total funcionalidade espacial.

Toda a área era composta por galerias e pequenos pátios internos, além de um campo de futebol no centro com dimensões oficiais, com espaços para oficinas profissionalizantes, além de significativas áreas de circulação, em se tratando de um presídio.

Absurda superpopulação

No projeto inicial a capacidade máxima era de 1.250 pessoas, no entanto, até a ocasião do massacre, haviam mais de 8 mil detentos. Trabalhavam mais de 480 funcionários entre agentes penitenciários e técnicos. Apesar da superlotação, durante anos, a convivência era pacífica, uma vez, que a maioria dos crimes não eram de grande grau de periculosidade, sendo a maior parte deles cometidos contra o patrimônio ou propriedade.

A tragédia virou filme em 2003. Conta histórias de detentos do maior complexo prisional da América Latina.

Mais de mil presos trabalhavam dentro da penitenciária, faziam desde vassouras, material elétrico a bolas de futebol. A duras penas os próprios detentos tentavam manter alguma dignidade.

As condições precárias da pequena enfermaria que foi representada de maneira fidedigna no filme Carandiru, de acordo com o médico Dráuzio Varella, que trabalhou no complexo, não nos deixa mentir que tanto os assassinatos, como a rebelião em si, foram fruto do descaso do Estado e da política de segurança pública, genocida contra a população pobre e em sua maioria negra, que por alguma razão se encontra encarcerada.  

Como na maioria dos presídios da atualidade eram dezenas de homens depositados ali, abandonados sem documentos, baleados, doentes etc. Além de não receberem tratamentos básicos, em sua maioria não tinham acompanhamento psicológico, conviviam inúmeros presos com sérios problemas de saúde mental.

Também é muito bem relatado na obra do cineasta argentino, naturalizado brasileiro, Héctor Babenco, que haviam visitas íntimas e muita diversidade sexual no complexo, mas mesmo os detentos recebendo preservativos, o Carandiru não possuía programas de educação sexual e de prevenção ao HIV.

Dessa maneira, muitos sem esperanças – alguns sequer sabiam porquê estavam ali, uma vez que havia um advogado para cada 300 reclusos -, ainda sem sentença de pena, mas ainda sim presos, estavam diante da possibilidade inerente de violações e contágio de todo os tipos de doenças.

Instituição assassina e corrupta

O fato de um massacre desse calibre permanecer sem o devido reconhecimento e justiça, denota a total insensibilidade social da Justiça brasileira e a conivência da maioria das instituições públicas, com os crimes cometidos pelo Estado.

Os familiares das vítimas seguem exigindo justiça e reparação. Atualmente existem 76 ações contra o Estado e em órgãos internacionais de Direitos Humanos. Oitenta e nove vítimas eram presos provisórios. Como já dissemos, muitos dos mortos nem haviam sido julgados e condenados, o que remonta à situação de brutal injustiça que existe no sistema prisional. O Estado nunca pediu desculpas às famílias e à sociedade pelos assassinatos.

Por isso, é preciso não esquecer e seguir exigindo justiça para todos as vítimas do Carandiru, prisão a todos os responsáveis diretos e indireto com julgamento em tribunal comum e indenização a todas as famílias.