Combater o racismo nas redes sociais, no cotidiano e nas ruas

De vários modos, continuamos a experimentar, no século 21, um racismo muito mais perigoso do que o racismo institucional do passado. Trata-se de um racismo que está arraigado nas estruturas.” (Angela Davis)

LUCAS SANTOS

Durante o jogo entre França e Argentina pela Copa do Mundo, no último sábado de junho (30), o YouTuber Julio Cocielo utilizou de sua conta no Twitter para fazer um comentário de caráter racista a respeito do jogador Francês Kylian Mbappé Lottin, dizendo que o jogador poderia realizar um arrastão “top” nas praias do Rio de Janeiro.

O debate sobre o comentário de Cocielo tomou a internet, houve quem tentou relevar a injúria dizendo se tratar de piada, afinal nesses dias que correm a ignorância compete com a má fé o tempo todo, e houve aqueles que o caracterizaram como um ato racista. Uma série de tweets racistas antigos, no entanto, vieram à tona, revelando que o caráter preconceituoso do youtuber não era fato recente nem “piadas mal interpretadas”, impossibilitando àqueles que pretendiam defendê-lo de assumirem qualquer posição coerente sobre o caso.

O comentário racista de Cocielo no Twitter destoa de um momento no qual o fortalecimento da identidade negra vem crescendo exponencialmente nas redes e nos movimentos negros em escala mundial. No mês de maio, o artista Donald Glover lançou por meio de seu pseudônimo rapper Childisih Gambino, o clipe de “This Is America”, um quase-plano-sequência recheado de simbologias que retratam o racismo estadunidense e sua escancarada estrutura dentro da cultura deste país.

Sabe-se que o racismo é uma das bases ideológicas do processo histórico, foi fundamental para a consolidação do sistema capitalista, desde o período de sua acumulação primitiva até os dias de hoje. Deve-se aqui entender que, comentários como estes, encontrados no cotidiano nacional e internacional, são construídos a partir de um racismo estrutural que permeia e é funcional ao Estado e modo de produção.

Este racismo corre solto como uma epidemia mortal no Brasil e no mundo. A título de ilustração, lembramos aqui que em 2015 cinco jovens negros, que transitavam com um carro na periferia do Rio de Janeiro, foram confundidos com ladrões de carga e sumariamente fuzilados com 111 tiros pela polícia militar. Os jovens foram violentamente assassinados em função desse consciente coletivo que reproduz que o negro é automaticamente relacionado à marginalidade, tal como o comentário de Cocielo sobre o jogador Mbapé no Twitter.

É preciso combater o racismo em escala global

Voltando ao caso do Cocielo, o mesmo se dirige a um público formado por adolescentes que ainda estão em processo de formação social e muitas vezes acabam por naturalizar esse tipo de “piada” e, consequentemente, reproduzem ações de cunho racistas.

Os jovens devem ser inseridos na compreensão de que as desigualdades socias e raciais não são “naturais”, mas sim servem para manter um sistema de dominação de uma ínfima minoria sobre a ampla maioria, e condenar esse tipo de informação é um passo fundamental no combate a esse quadro social. É comum ver esses casos serem tratados de forma displicente ou mesmo tentativas de banalização de tais relatos, como foi o caso do presidente da empresa pública EBC (Empresa Brasil de Comunicação), Laerte Rimoli, ao utilizar suas redes sociais para ironizar uma declaração da atriz negra Taís Araújo sobre racismo no Brasil, no ano passado.

A internet é mundialmente reconhecida pelo seu caráter de difusão e troca de informações e conta com potencial técnico para promover ideias de igualdade em um país tão plural quanto o nosso. Entretanto, esse mesmo potencial é subvertido em ferramenta reprodutora da lógica racista do capitalismo presente em nossa sociedade. Assim, criou-se um recurso legal para combater o racismo na internet. O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) estabelece, no Caput de seu Artigo 2º, que “a disciplina no uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão”, e impõe normas que determinam quando essa liberdade pode vir a ser limitada, em respeito aos “direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais”. Desta forma, a liberdade de expressão está sujeita a restrições para que se garantam os demais direitos fundamentais, tanto on-line quanto off-line.

Contamos com meios legais de combate ao racismo na internet e ainda assim não é raro ver injúrias que se espalham pela rede. Nota-se, no entanto, que a reação a tais casos está cada vez mais rápida e rigorosa. Cocielo não responde a processos criminais, mas viu sua popularidade despencar e seus contratos dissolvidos. Angela Davis dizia que “Em uma sociedade racista, não basta não ser racista. É preciso ser antirracista” e cabe a todos nós lutarmos por avanços que permitam fazer dessa ferramenta tecnológica um instrumento a serviço da classe trabalhadora e de todos os oprimidos.

Assim, para além da punição aos que propagam comentários racistas na internet, é preciso continuar lutando pela libertação de Rafael Braga, pelo fim do genocídio do povo negro nas periferias, pelo fim da política de encarceramento em massa de jovens negros, pelo fim da polícia militar e pela punição a todos os racistas.