Diante do fracasso categórico do governo liberal-social de Lula-Alckmin e a crise da extrema direita com o processamento de Bolsonaro e da cúpula golpista, é necessário refundar a Oposição de Esquerda da UNE, com independência política e de classe, para colocar o movimento estudantil à altura dos atuais e históricos desafios frente aos perigos e possibilidades de uma nova etapa da luta de classes.
Juventude Já Basta!
Em julho deste ano, entre os dias 16 a 20, na cidade de Goiânia (GO), acontecerá o 60° Congresso da União Nacional dos Estudantes (CONUNE), principal espaço deliberativo do movimento estudantil brasileiro. É a partir desse fórum que o movimento estudantil encaminha resoluções sobre a situação política nacional, educação superior, a composição da nova diretoria da UNE (com mandatos de dois anos), assim como o Conselho Fiscal da entidade e mudanças no estatuto com o voto de no mínimo 3/5 dos delegados eleitos para o congresso.
Um breve panorama internacional
O contexto em qual acontecerá o próximo CONUNE é completamente extraordinário: de ruptura com a normalidade em todos os terrenos da vida cotidiana, tanto em âmbito nacional e internacional. E o que isso quer dizer? Que nos encontramos hoje diante de uma nova etapa do capitalismo – da luta de classes – que se materializa a partir de um cenário de múltiplas crises políticas, econômicas, sociais, laborais, ecológicas, geopolíticas e etc.
A verdade é que estamos em um novo mundo, um mundo que expressa a passagem da violência das palavras à violência da prática, a cara do capitalismo do século XXI: um capitalismo em crise e que para tentar reverter o seu estado crítico impõe uma ofensiva ultrarreacionária de ataques brutais aos trabalhadores, às suas novas gerações e ao meio ambiente.
Trump, por exemplo, é a face mais cristalina dessa nova “receita” do capital, de um velho-novo imperialismo que declara abertamente uma verdadeira guerra aos trabalhadores, imigrantes e à população negra e LGBTQIAPN+. Não só, Trump também financia política e economicamente o genocídio em curso de Israel contra o povo palestino que segue resistindo de maneira heroica. Além disso, aponta para uma tentativa de redesenho das fronteiras internacionais a partir da força militar, em que a velha ordem internacional é derrubada pela sobreposição dos interesses nacionais (geopolíticos) sobre a velha globalização do livre mercado.
O fenômeno da extrema direita não se limita a Trump. Internacionalmente assistimos a variadas formas de ascensão e dinamismo deste campo que cresce internacionalmente de maneira heterogênea, mas que também encontra importantes processos de resistência os quais impõem freios e contrapesos político-sociais que indicam a possibilidade histórica da reversibilidade dialética: de não apenas reduzir os danos e estragos feitos pelos ultrarreacionários e bonapartistas, mas de colocar derrotas categóricas a esse campo e consolidar outra correlação de forças entre exploradores e explorados, opressores e oprimidos, e fazer avançar a luta da nossa classe em direção à superação do cada vez mais violento e irracional sistema capitalista, ainda que a atual situação política seja muito desfavorável por uma série de razões que se totalizam, todavia, numa crise de alternativa e de direção socialistas.
O fracasso da conciliação de classes do lulismo
No Brasil, o governo liberal-social de Lula-Alckmin, uma frente ampla implacável contra os trabalhadores e oprimidos e muito frágil frente à extrema direita e à burguesia, não é outra coisa senão um fracasso contundente de tentativa de normalização do regime nacional. Se a derrota eleitoral e a tentativa farsesca de golpe do bolsonarismo foram derrotadas, isso se deve à reserva de mobilização das novas gerações e trabalhadores do país: não há qualquer virtude vinda da frente ampla do lulismo como defende a atual direção da UNE (UJS, PT e Levante, com o apoio da Resistência e Juventude Sem Medo, ambas do PSOL). Muito pelo contrário.
A defesa abstrata da “democracia”, um mantra vazio de qualquer conteúdo progressivo e verdadeiramente democrático, combinada a duros ataques contra os trabalhadores, educação e ao meio ambiente, materializa-se na pior aprovação da história de Lula no executivo: “um tombo histórico” nas palavras de José Dirceu, quadro histórico do PT.
Ao não revogar as contrarreformas de Temer e Bolsonaro, ao criar um novo Teto de Gastos – o Arcabouço Fiscal –, referendar o Novo Ensino Médio, emplacar o maior Plano Safra da histórica, financiar privatizações de governos de extrema direita via BNDES e se colocar contrário à redução da escala de trabalho 6×1, bem como tentar institucionalizar a bárbara precarização do trabalho por plataformas digitais via PLP 12/2024, o atual governo se mostra inimigo da nossa classe e de todos os nossos direitos e reivindicações.
Para piorar a situação, o lulismo em todos os âmbitos (políticos e sindicais) segue uma orientação consciente de desmobilização das bases dos trabalhadores, da juventude, das mulheres e movimentos étnicos e sociais. Aposta, de maneira fracassada, todas as suas fichas no jogo da institucionalidade burguesa, ou seja, no terreno em que predominam os interesses da classe dominante – a casa dos nossos inimigos! –, fato que deixa claro sua natureza preventiva a serviço dos de cima: de prevenção de qualquer erupção social por baixo que faça com que a classe dominante pague pela crise da qual ela própria é responsável.
Assim sendo, o fracasso do lulismo e sua conciliação de classes, diante de uma nova etapa do capitalismo, se desdobra na possibilidade de recuperação política da extrema direita e da possibilidade de um novo e farsesco processo de anistia do golpismo bolsonarista que ensaia uma contraofensiva pelas ruas e pelos parlamentos. Uma nova anistia que, em menor ou maior grau, significaria a legalização de futuros golpes no país.
Prender Bolsonaro, todos os golpistas e pôr fim ao ciclo de anistia no Brasil
Se de um lado vemos que o lulismo, uma das expressões políticas do movimento de massas no país está indiscutivelmente em crise, do outro, a extrema direita também se encontra atualmente contra as cordas. Mesmo ensaiando uma contraofensiva, o processamento de Bolsonaro e da alta cúpula golpista abriu uma possibilidade histórica para colocar um ponto final ao ciclo de anistia do golpismo e, assim, consolidar uma nova correlação de forças sociais que nos permita sair da atual situação defensiva (o que não significa qualquer derrota histórica como afirma o PSOL para justificar sua capitulação ao lulismo e suas traições) para conquistar as principais reivindicações, imediatas e históricas, dos explorados e oprimidos.
Se de um ponto de vista temos o oferecimento da “miséria do possível” pelo lulismo e suas sistemáticas traições, bem como do derrotismo do PSOL, que desarmam a classe trabalhadora e suas novas gerações para conquistar a prisão de Bolsonaro e todos os golpistas de ontem e hoje, assim como pelo fim da lei de anistia de 1979, fim dos tribunais e polícias militares e a revogação do artigo 142 da Constituição, noutro ponto, oposto pelo vértice, temos uma política sectária e igualmente estéril por parte de setores da esquerda independente.
Referimo-nos a política economicista e sectária do MRT e PSTU, que de maneira desigual, mas combinada, dão zero ou pouca prioridade às tarefas democráticas em nosso país. Supracitada a possibilidade histórica de romper com o vicioso ciclo de anistia e colocar pela primeira vez em nossa história um ex-presidente e militares de alta patente golpistas na cadeia, ambas as organizações apresentam orientações políticas em descompasso com a atual realidade. Isto é, parecem agitar uma linha política que caberia exclusivamente à antiga normalidade pautada por uma polarização entre setores políticos muito similares da burguesia como era o caso das antigas disputas entre PT e PSDB em que não havia categóricas ameaças às liberdades democráticas.
Explicamos. Ao darem prioridade ou exclusividade (este último é o caso do MRT) apenas às lutas de natureza sindical (econômicas), e ao agitarem a necessidade correta de uma oposição ao governo Lula-Alckmin, mas também saturadas por uma hierarquia das bandeiras sindicais, terminam por entregar uma tarefa histórica aos reformistas e traidores, assim como à classe dominante e seus interlocutores políticos como o Congresso Federal e o STF. Trata-se, de uma política passiva e abstencionista diante dos desafios democráticos, uma orientação oposta à dos setores governistas, mas que termina no mesmo ponto de encontro: a esterilidade.
Trotsky agudamente alertava de que a independência de classe em relação à burguesia não poderia significar um “estado passivo”. Sendo assim, no caso específico do MRT, o PSTU ensaia ainda de maneira muito desequilibrada o levantar das bandeiras democráticas pela punição do golpismo, os companheiros dizem que a agitação pela prisão de Bolsonaro e dos golpistas jogaria confiança nas instituições burguesas, como o judiciário.
Essa orientação, ao mesmo tempo sectária e passiva, é extremamente irresponsável diante da realidade concreta. Isso se revela de maneira cristalina diante das provocações recentes e recorrentes na USP e outras universidades, em que um grupo de provocadores bolsonaristas de extrema direita se sentiu à vontade para arrancar cartazes políticos de nossa e demais organizações que agitavam a prisão para Bolsonaro e golpistas pela mobilização de base. Ou seja, as sistemáticas campanhas de ódio generalizado ao movimento estudantil, que envolvem ameaças virtuais e ações físicas de tentativa de intimidação, são produto direto de uma correlação de forças ainda desfavorável a nós, uma correlação de forças sociais que certamente mudaria ao nosso favor com a conquista da prisão de Bolsonaro e dos golpistas como triunfo da atividade das vanguardas e das massas pelas ruas.
Portanto, é elementar que a punição exemplar ao golpismo não virá do judiciário, tampouco do parlamento ou qualquer arranjo institucional burguês como aposta o lulismo e o PSOL, nisso temos pleno acordo com os companheiros do MRT e PSTU. Porém a partir dessa avaliação comum entre nós é que se faz necessário exigir e construir um plano nacional de lutas, a começar no próprio CONUNE, pela prisão de Bolsonaro e todos os golpistas, bem como pelas demais bandeiras democráticas anteriormente citadas e o conjunto de reivindicações econômico-sindicais como o fim da escala 6×1 sem redução salarial. Tudo isso vinculado à tarefa de refundação da Oposição de Esquerda na UNE, desafio que abordaremos a seguir.
Refundar a Oposição de Esquerda na UNE
Fundada em 1937, a UNE contou com uma Oposição de Esquerda em variados períodos históricos da luta de classes no país como, por exemplo, na época da Ditadura Militar. Mais recentemente a Oposição de Esquerda voltou a se conformar no ano de 2007, frente à experiência com os governos burgueses de Lula e posteriormente Dilma e a subordinação da força majoritária (UJs, PT e Levante Popular) a esses governos que apresentavam com única solução de acesso à juventude pobre e trabalhadora às universidades a partir do FIES e PROUNI.
Ambos os programas, tendo sido o FIES criado pelo governo de FHC em 1999 e concretizado em 2001, e o PROUNI constituído no primeiro governo Lula (2003-2006), tiveram resultados desastrosos no que diz respeito ao ingresso e permanência ao ensino superior por parte da juventude pertencente aos substratos sociais mais empobrecidos. O primeiro terminou por resultar no endividamento em massa dos estudantes com uma taxa de inadimplência que afeta mais da metade dos estudantes que contrataram o programa. A dívida total dos contratos ativos do FIES chega hoje a R$114,2 bilhões, com mais de 2,6 milhões de inadimplentes. O segundo terminou por impulsionar a mercantilização do ensino e a consolidação dos tubarões da educação (gigante monopólio de instituições privadas de educação) com lucros bilionários anualmente.
Vale lembrar que uma das grandes beneficiárias do PROUNI foi ninguém menos que Elizabeth Guedes, irmã de Paulo Guedes (ex-ministro da Fazenda de Bolsonaro), que presidiu a Associação Nacional de Universidades Privadas (Anup), entidade que representa os monopólios educacionais que concentram a maioria dos estudantes do ensino superior, como Anhanguera, Estácio, Kroton, Uninove e Pitágoras.
Ao anteriormente dito, soma-se o nefasto papel que vem cumprindo a direção majoritária no último período. Em relação ao governo Bolsonaro, se recusou a levar as mobilizações até às últimas consequências pela queda daquele que matou centenas de milhares na pandemia, atentou contra as liberdades democráticas e se consolidou como inimigo número um da educação e demais serviços públicos.
Hoje, lamentavelmente, a majoritária faz da UNE nada mais que um braço de sustentação do atual governo liberal-social de Lula-Alckmin, referendando os brutais ataques aos serviços públicos como à educação, com o papel de abstenção em relação às greves das universidade federais do ano passado e a partir do silêncio consciente sobre o Arcabouço Fiscal. Vale lembrar também o patético e cretino papel de conselheira fiscal do atual governo que cumpriu no último CONUNE, em Brasília, em que levantaram como principal bandeira naquele momento a redução da taxa de juros; taxa que segue nos mesmos patamares, agora sob nova direção do Banco Central indicada diretamente por Lula…
Também são amplamente conhecidos os métodos que recorrem as organizações que dirigem a UNE para manterem seu domínio sobre a entidade. A falta de democracia, processos fraudulentos em eleições e criações de DCEs fantasmas em faculdades privadas são alguns dos exemplos que sistematicamente promove a majoritária para aparelhar a entidade. Constituem, assim, há muito tempo, uma burocracia que é capaz de utilizar toda e qualquer manobra, também da violência física, para manter os seus privilégios em detrimento de uma UNE plenamente democrática, combativa e à altura dos desafios colocados pela realidade. Como cereja do bolo, no último CONEG (Conselho Nacional de Entidades Gerais), a majoritária foi responsável por subir de maneira arbitrária o valor para R$450,00 para inscrição de observadores ao CONUNE. Uma medida reacionária e antidemocrática que limita a participação das bases e favorece a burocracia que há anos aparelha as entidades e o seus caixas.
Como se não fosse o suficiente, a majoritária da UNE ganhou no último CONUNE um novo aliado. Trata-se do campo da Juventude Sem Medo (Afronte, RUA e Fogo no Pavio, todas juventudes do PSOL) que a partir de uma falsificação da realidade, de um derrotismo crônico, capitularam à burocracia e abriram mão de qualquer outra perspectiva para a entidade, saltando da Oposição de Esquerda para uma unidade política com a majoritária. E por quê? Pela capitulação e traição de suas direções políticas nacionais que jogaram pela janela toda a tradição do marxismo revolucionário, consolidando-se como organizações reformistas e, portanto, derrotadas estrategicamente.
Desse modo, o que restou da velha Oposição de Esquerda como principais forças políticas são: Juntos (MES-PSOL), Correnteza e UJR (UP e PCR), UJC (PCBR) e a tentativa, em nossa avaliação equivocada, do Rebeldia-PSTU em compor esse campo – que está longe de ser uma verdadeira Oposição de Esquerda à majoritária -, voltando ao último CONUNE em 2023, depois de anos construindo a ANEL (Assembleia Nacional dos Estudantes). Vale também lembrar que os companheiros do Rebeldia-PSTU têm sido sistematicamente vetados pelos stalinistas de comporem a velha e degenerada “Oposição de Esquerda” ou qualquer chapa de DCEs com esses setores.
Em nossa avaliação é que a velha “Oposição de Esquerda” se transformou em uma oposição de disputa pelo aparato, nada além disso. Isso se reflete muito bem na atual gestão do DCE da USP (Juntos, Correnteza, Resistência e Rua) que tem como principal traço a desmobilização da base estudantil e iniciativas quase que exclusivas pela superestrutura universitária. O papel que cumpriram na greve de 2023 também deixa evidente o descompromisso desses setores com a luta consequente em relação às demandas dos estudantes da Universidade de São Paulo. Não fizeram nada além de anunciar promessas como vitórias e, assim, desmobilizar a base estudantil que até agora encontra dificuldades para se recuperar: hoje nos encontramos numa correlação desfavorável com a Reitoria, aliada de Tarcísio, que desfere duros ataques aos estudantes como o sucateamento da moradia estudantil, o corte de mais da metade das bolsas de permanência e que se recusa a pautar as cotas trans e o vestibular indígena.
Por tudo o que aqui elaboramos, é que justificamos que a construção de uma nova Oposição de Esquerda é hoje a tarefa principal colocada ao movimento estudantil. A partir de uma ativa independência política e de classe em relação às burocracias, reitorias e governos, fazemos um chamado à construção de chapas unitárias aos companheiros da Juventude Vamos à Luta (CST), Rebeldia (PSTU) e Faísca Revolucionária (MRT)[1]. Uma unidade política e programática que aponte para a construção de uma frente opositora ao atual governo, que se enfrente com a extrema direita pelas ruas para prender Bolsonaro e todos os golpistas, bem como pela combinação da luta por uma educação superior verdadeiramente pública, de qualidade e laica.
Convidamos as direções das respectivas organizações a realizarmos uma reunião entre todos para discutirmos uma base programática que possa efetivamente consolidar um primeiro passo a uma nova Oposição de Esquerda e constituir uma ação unitária nas bases estudantis para superar no futuro a burocracia pelega que hoje dirige a UNE, para refundar o movimento estudantil e alavancar a luta, a partir da democracia de base e resgatando o que de melhor há na tradição de nosso movimento, por outro projeto de educação o qual as novas gerações possam ser protagonistas nessa empreitada histórica.
Notas:
[1] Em relação ao PCBR, avaliamos como positiva a orientação de se colocar à esquerda do atual governo Lula-Alckmin, mas o fato é que seguem apostando numa unidade política com setores governistas, por mais que se envernizem de vermelho, em defesa de uma suposta Oposição de Esquerda que nada mais é que uma oposição pelo aparato, sem qualquer programa combativo e radical. Além disso, entendemos que a defesa da “universidade popular e do poder popular” não rompem em definitivo com uma orientação etapista pela transformação do projeto de educação e país que pretendem os marxistas revolucionários. Isso não quer dizer, entretanto, que não estamos dispostos ao diálogo com os companheiros.