Publicamos abaixo a nota de Renzo Fabb que dá conta da ascensão da rebelião popular no Peru que, depois do golpe de estado contra Pedro Castillo, exige a queda da presidente Dina Bolurate e a convocação imediata de uma Assembleia Constituinte. Fabb indicava um dia antes que a greve geral daria continuidade ao verdadeiro levante popular que não se deteve diante da violência policial e militar que ceifaram mais de 54 vidas. Foi exatamente o que aconteceu ontem: houve bloqueios em 120 estradas e confrontos em zonas urbanas e no centro da capital do país (Lima), o balanço no final do dia é de dezenas de feridos. Em que pese toda a repressão, a rebelião popular peruana continua e se fortalece, assim, todo apoio internacional para que suas justas reivindicações sejam atendidas é fundamental.
Redação
Dias-chave no Peru: “Ocupação de Lima” e Greve Geral pela queda do governo golpista
Renzo Fabb – 19 de janeiro, 2023
Apesar dos massacres e da repressão, o governo não tem conseguido aplacar as mobilizações, que continuam a crescer. Com o protagonismo das massas populares nas ruas, momentos decisivos para o futuro político do Peru podem estar sendo vividos.
Os protestos no Peru contra o governo de Dina Boluarte continuam a crescer. Desde segunda-feira, milhares de manifestantes de diferentes partes do país têm chegado a Lima no que eles chamaram de “A tomada de Lima”. Amanhã o país será paralisado por uma greve geral que já conta com centenas de apoiadores.
A greve foi convocada pela principal confederação sindical do país, a Confederação Geral dos Trabalhadores Peruanos (CGTP), e conta com o apoio de dezenas de outros sindicatos que irão aderir à medida.
A convocação exige a renúncia imediata de Boluarte e das autoridades do Congresso, a convocação imediata de eleições e a convocação de uma Assembleia Constituinte. Desde a demissão de Castillo pelo Congresso em 7 de dezembro, tem havido um repúdio generalizado de todo o regime político.
A central sindical publicou pesquisas que mostram que cerca de 70% da população votaria a favor de um referendo para convocar uma Assembleia Constituinte.
Desde segunda-feira, depois que o governo autorizou a intervenção militar em muitos distritos do país, os protestos em cada região têm o objetivo de convergir em uma grande jornada unificada em Lima. Desde aquele dia, centenas de manifestantes têm chegado à capital todos os dias em caravanas, mas a afluência aumentou significativamente hoje e espera-se que seja maior amanhã, à medida que a greve geral se desenrola.
A chamada para um protesto nacional unificado foi apelidada de “Toma de Lima” ou “La marcha de los cuatro suyos”, em referência à divisão territorial inca original.
O governo nas cordas?
Boluarte e os outros partidos do Congresso primeiro tentaram apaziguar os protestos com um avanço morno e distante das eleições de 2026 a 2024, mas isso não funcionou.
Então o governo se moveu sem mediação para os meios repressivos mais brutais, com massacres contra o povo – já com 50 mortos – e até mesmo levando os militares para as ruas em algumas regiões. Mas tudo indica que o tiro saiu pela culatra e os protestos só cresceram, alimentados pela indignação com os assassinatos pela polícia e militares.
Se o recurso às forças armadas já demonstrasse uma certa debilidade política do governo, o fracasso em tentar conter as mobilizações mesmo através da repressão mais violenta pode abrir uma crise dentro da aliança dos partidos do regime que participaram do golpe de Estado contra Castillo.
Neste contexto, a greve geral de amanhã é de enorme importância, pois pode significar um duro golpe para todo o regime golpista, que apostou em disciplinar as massas populares através da remoção do Castillo.
Se Castillo não conseguiu resistir, não foi apenas porque não contava com essas mesmas massas populares para se defender, mas também porque não cumpriu nenhuma das promessas com as quais a classe trabalhadora e os povos indígenas do Peru o haviam apoiado.
A crise crônica que o regime político peruano vem arrastando há anos pode ter uma saída na medida em que a classe trabalhadora e os setores populares intervêm na situação, e essa oportunidade se apresenta agora. A greve de amanhã, a resistência à repressão e a continuidade dos protestos podem oferecer uma saída progressiva após os partidos da burguesia terem conduzido o país mais de uma vez ao desastre.
A proposta de Assembleia Constituinte tem três possibilidades: A primeira é que na ausência de um partido revolucionário dirigente, seja um arranjo de recomposição das instituições burguesas em crise. Concessões sejam distribuídas fazendo surgir um compromisso “acima das classes” de sustentar as instituições.
A segunda possibilidade é a presença de um partido revolucionário que na linha da auto organização agrupe em comitês de mobilização e de reivindicações todos os trabalhadores, jovens, estudantes, desempregados, precarizados (uberizados), aposentados, etc, e que avancem para a tomada do poder e a assembleia constituinte se dê sob os escombros do capitalismo e com base nessas representações independentes, se dê nas condições e leis próprias. E a terceira possibilidade é que a própria Assembleia Constituinte vislumbrada para o apaziguamento social (rumo à primeira possibilidade), produza o efeito contrário (rumando à segunda possibilidade) desde que seja forjada nos agrupamentos classistas de reivindicação.
Mas, é a primeira possibilidade que por si só já estabelece um palco institucional sem rupturas em que a Assembleia Constituinte é uma espécie de mesa de negociação em que o único objetivo é salvar o sistema. Salvo quando o governo que convoca e mobiliza é revolucionário, ou como disse antes, as organizações que a convocam sejam revolucionária. Em suma, o caráter que tomará a Assembleia Constituinte está ligada diretamente às forças que a convocam..
O texto já vislumbra uma “saída progressiva” para a situação. O que é uma “saída progressiva” para a situação? É avançar, ir pra frente em qual direção?
A greve geral é o que de mais avançado se está no momento anterior a formação de uma direção revolucionária. Mas mesmo essa é provocada a assumir uma Assembleia Constituinte nos moldes da primeira possibilidade. Ou ela sai vitoriosa derrotando os “progressistas”, ou sai derrotada mas em condições de tirar os ensinamentos da experiência e continuar avançando na organização independente dos trabalhadores.
Fora isso, é barulho e repressão.
O comentário anterior é sobre a proposta de Assembleia Constituinte como desdobramento da luta contra o governo golpista de Dina Boluarte. Ou se dá em uma perspectiva revolucionária, ou é uma arranjo entre forças díspares para salvar o sistema e desmobilizar o espírito revolucionário das massas. Que a Greve Geral cumpra o papel de escancarar as direções contra revolucionárias. Como podem ver, não uso forças “progressistas”, para mim, o léxico não está a altura das tarefas necessárias de ruptura com o capitalismo.