Ultrapassamos 100 mil mortes pela Covid-19

Derrotar Bolsonaro é a tarefa nº 1 para conter a catástrofe sanitária

Foto: Michel Dantas/AFP

ANTONIO SOLER

Em todo o mundo, o número de contagiados pelo novo coronavírus aproxima-se de 20 milhões de pessoas, e 730 mil vítimas fatais. O epicentro do contágio hoje é América Latina, com destaque para o Brasil que ocupa o 1º lugar de contágios e mortes na região e o 2º no mundo.

No sábado passado (8/8), em território nacional, a pandemia atingiu o marco de 100 mil mortos e 3 milhões de contagiados. Em relação ao ranking mundial, o Brasil ocupa a 2ª posição em números absolutos, ficando apenas atrás dos EUA – país também governado por um negacionista -, que tem 160 mil óbitos pela doença. Mas se levada em conta a proporção da população do Brasil em relação à dos EUA, já estamos no mesmo patamar e podemos em breve superar o país do norte.

De cada 7 mortes no mundo pela Covid-19, 1 ocorre no Brasil, temos uma médica diária de cerca de mil mortes. A Covid-19 tenha se tornado a 3ª causa de mortes no país, ficando atrás apenas das doenças cardiovasculares e do câncer. Por aqui a pandemia está fora de controle e não temos sinais de queda no número de contágios e mortes.

Está não é uma catástrofe natural que não poderia ser evitada. No Brasil o primeiro caso ocorreu depois de dois meses da epidemia ter atingido a China e já tinha impactado a Itália. Ou seja, tivemos a “vantagem do atraso”, um sistema universal de saúde e recursos disponíveis, mas não pudemos aproveitá-los por conta dos interesses econômicos (ganância) da classe dominante, do negacionismo genocida do governo e da cumplicidade das oligarquias políticas.

Bolsonaro é um genocida

O neofascista Bolsonaro, sem dúvida alguma, tem papel central na previsível e evitável hecatombe sanitária em que vivemos, a começar pelo seu negacionismo em relação à gravidade da pandemia (“apenas uma gripezinha”), por incentivar e organizar aglomerações, inclusive antidemocráticas contra o STF e o Congresso, não articular nacionalmente o combate à pandemia e propagandear falsos medicamentos (cloroquina).  

Na quinta-feira passada (6/8), Bolsonaro ao lado do general Eduardo Pazuello, que é Ministro Interino da Saúde há quase 90 dias, em sua habitual live semanal, diante de 1000 mortes diárias e perto da marca de 100 mil mortes no país pela Covid-19, disse que “a gente lamenta todas as mortes (…) Mas vamos tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema”, “o STF decidiu que as medidas restritivas eram de competência exclusiva de governadores e prefeitos” e que “pode ser também que, mais tarde, não se comprove que isso aqui tenha [uso da cloroquina] sido tão eficaz assim, ou até ineficaz. Paciência, acontece”.

Uma declaração como essa é apenas a síntese reiterativa do discurso que vem fazendo desde o início da pandemia o sociopata, neofascista, genocida e negacionista que está à frente do poder central no Brasil, pois a sua linha argumentativa é sempre a mesma: nega a importância da hecatombe sanitária, faz pouco caso das milhares de vidas perdidas, desresponsabiliza-se do papel central que tem a Presidência da República no combate a crises nacionais e, em um cinismo tosco, tenta se desresponsabilizar da propaganda que tem feito desde o início da pandemia de uma medicação perigosa e que não tem nenhuma comprovação cientifica de eficácia para o tratamento da Covid-19.

As medidas sanitárias de enfrentamento à pandemia não foram tomadas, foram insuficientes ou sabotadas, não permitindo segurança sanitária, isolamento social e condições de existência da maior parte da população. Quando medidas foram tomadas, mesmo que ineficientes, a foram contra a vontade de Bolsonaro Assim, a responsabilidade de Bolsonaro sobre o quadro atual é incontornável:

– Enquanto todos os especialistas, o Ministério da Saúde (Luiz Henrique Mandetta e depois Nelson Teich, os dois exonerados por não concordarem com o discurso negacionista de Bolsonaro) e a OMS afirmavam a necessidade do isolamento social, estimulava encontros, atos e eventos sem que as pessoas estivessem minimante protegidas.

– A renda emergencial, criada contra a vontade do Presidente – que agora a quer capitalizar eleitoralmente, é um paliativo que demora para chegar às pessoas e está longe de dar conta das necessidades básicas de cerca de 50 milhões de brasileiros.

– A transferência de recursos do governo federal a estados e municípios para combater a pandemia, aprovada pelo Congresso, ainda não chegou a 35% do valor previsto.

– A Lei criada para garantir ações emergenciais em comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais, foi sancionada com vetos à obrigatoriedade de acesso à água potável, serviços de saúde de média e alta complexidade e oferta emergencial de leitos hospitalares e UTIs.

Obviamente que Bolsonaro é o responsável central, mas os outros poderes da república e a classe dominante também são responsáveis por essa catástrofe ao permitir que continue no poder e que medidas eficientes sejam aprovadas e postas em prática.

O genocida apostou no contágio das pessoas acreditando que pudesse retomar a normalidade com a famosa “imunização de rebanho” sem dar a mínima para a testagem em massa, a capacidade de atendimento do sistema de saúde e as condições financeiras básicas para que os trabalhadores tivessem direito ao isolamento social, à medida que não há outra forma eficiente de conter o contágio e a propagação, o que faz com que a maior parte dos contagiados e mortos pela Covid-19 sejam trabalhadores, pobres e negros.

Bolsonaro, seu governo, a oligarquia política e a classe dominante sabiam o que tinha que ser feito para evitar a catástrofe:  criar as condições para garantir às massas trabalhadoras o isolamento social e quebrar assim a cadeia imediata de transmissão do vírus para que o sistema de saúde pudesse se organizar diante do aumento súbito de doentes e para que fosse dado tempo para que tratamentos e vacinas fossem desenvolvidos.

No entanto, escolheram outro caminho. Bolsonaro não teve a menor preocupação com as vidas que seriam perdidas, mesmo porque tinha clareza que as vítimas fatais seriam em sua ampla maioria os trabalhadores mais precarizados, os negros e periféricos. Ou seja, a classe e os setores da sociedade que quer trazer para a sua base eleitoral com o afastamento político de setores da classe média, mas que tem o maior desprezo pelo seu ressentimento pessoal, darwinismo social e orientação neofacista.  

Com conciliação não se enfrenta a pandemia

A naturalização da catástrofe sanitária – com a abertura de bares, restaurantes, academias e centros comerciais – leva a comportamento irracional, como se a pandemia estivesse sobre controle, em curva epidêmica decrescente e todos já imunizados.

Isso não é um problema de “ignorância das massas”, como muitas vezes quer se fazer crer, tem razões materiais bem palpáveis, e nem é responsabilidade dela. Ocorre por conta da necessidade de sobrevivência da maioria que precisa sair de casa para sobreviver, da falta de testagem e, consequente, subnotificação de contágios e mortes e do negacionismo de Bolsonaro, de outros governantes e de parte da classe dominante.

Vivemos em um país de enorme desigualdade social, racional e regional com forte impacto nas condições sanitárias da ampla maioria das pessoas, o que pode explicar esse número assustador de mortes. Além dessa desigualdade histórica e estrutural, vivemos uma correlação de forças políticas também muito desigual desde a ofensiva reacionária aberta em 2015 que culminou com a eleição de Bolsonaro em 2018.

Essa correlação de forças política associada às condições estruturais permite que tenhamos alcançado 10.000 mortes, 3 milhões de contagiados e estabilizado (sic) em 1000 mortes por dia sem que uma onda de indignação varra Bolsonaro e todos os cumplices do poder. Isso não é tudo. Aqui cabe dizer que a ofensiva reacionária em todo o seu percurso até os dias atuais só pode ocorrer devido a uma linha inquebrável de acovardamento das direções burocráticas dos movimentos sociais diante dessa ofensiva reacionária, das instituições políticas da classe dominante e do governo Bolsonaro.

Para ficar no momento mais  recente e ligado diretamente a conjuntura e correlação de forças atual, durante todo esse ano os dirigentes burocráticos do PT e da CUT não impulsionaram a mudança de conjuntura quando começaram os panelaços contra o governo, não impulsionaram a resistência dos trabalhadores das categorias essenciais e perderam meses para ingressar com pedido de impeachment. Como se não bastasse, quando as torcidas organizadas antifascistas fizeram eclodir a luta contra a escalada autoritária polarizando o país para enfrentar efetivamente Bolsonaro, sabotaram o processo de resistência direta ao governo genocida em nome da governabilidade (sic) e da uma, quem sabe, saída eleitoral em 2022.

Obviamente que a responsabilidade pela catástrofe sanitária em que vivemos é de Bolsonaro e da classe dominante, mas a correlação de forças política construída nos últimos anos que permitiu chegarmos até esse ponto tem na capitulação sistemática da burocracia um elemento central que não pode ser esquecido.

O governo diante do cerco investigativo e da reação do movimento recuou taticamente em sua escalada para fechar o regime político, mas sem recuar do seu negacionismo, darwinismo social e estratégia autoritária. Enquanto Bolsonaro estiver no poder não se pode combater a pandemia de forma eficiente, isso está mais do que demonstrado pelos números apresentados, dinâmica da pandemia e medidas governamentais. Por essa razão, para salvar vidas, é preciso reverter totalmente a linha política que está sendo levada por maior parte das organizações políticas que estão à frente dos movimentos, dos sindicatos e partidos políticos.

Essas organizações dirigidas pela burocracia, ao invés de apostar na luta direta – greves em curso, ações de rua com distanciamento e outras – estão construindo frentes político-eleitorais com os partidos da classe dominante, os mesmos que são cumplices do genocídio sanitário bolsonarista. Cabe ao nosso partido, PSOL, apostar na luta direta, como na greve dos Correios que se aproxima, na luta contra o retorno as aula, no apoio às greves de categorias que estão fazendo lutas isoladas e às ações de enfrentamento político de rua com segurança sanitária, única forma de enfrentar e reverter essa catástrofe.

Estamos em um momento eleitoral importante, a primeira eleição sob esse governo, por isso nossa política eleitoral deve estar em sintonia com um programa, candidaturas de luta e independentes dos patrões e da burocracia. Nunca com alianças com partidos burgueses ou operário-burgueses, como o PT e outros, como está fazendo a direção do PSOL em muitas cidades, pois essa tática em nada contribui com a necessidade de derrotar Bolsonaro e enfrentar a catástrofe sanitária, mas apenas atrasará a necessidade de superar essa direção entre os trabalhadores e oprimidos. É possível derrotar Bolsonaro e a pandemia, mas para isso é preciso apostar na mobilização dos trabalhadores.