O procurador-geral do país anunciou que, até agora, a “polícia da moral” foi dissolvida. Se assim for, é um enorme triunfo da rebelião popular contra o regime teocrático.
O assassinato de Mahsa Amini pela “polícia da moralidade” despertou forças adormecidas no Irã. Milhares de pessoas, especialmente mulheres e estudantes, foram às ruas de Teerã e de todas as grandes cidades do país desde setembro.
As mobilizações não pararam. Na verdade, cada vez que elas recuavam, era apenas para voltarem, em breve, mais fortes. Ao longo dos meses de rebelião, o protesto se espalhou para a classe trabalhadora, que realizou grandes greves e manifestações próprias.
Estudantes de várias universidades deram o pontapé inicial em setembro passado. As convocações estudantis partiram dos centros de estudos e tinham como principal consigna o desmantelamento da obscurantista “polícia moral”.
A “polícia da moralidade” é uma força organizada em parte pelo Estado iraniano e em parte apoiada por milícias paramilitares. Tem o poder de sancionar, mas também de prender mulheres que violem o uso “correto” do hijab ou mesmo usem cosméticos. Até 2016, contava com 7.000 agentes infiltrados que patrulham as grandes cidades, onde há maior resistência contra o uso reacionário das tradições islâmicas.
Em 13 de agosto, membros da “polícia da moralidade” detiveram Mahsa Amini no centro de Teerã e depois a espancaram até lhe causarem um ataque cardíaco. Ela faleceu em um hospital público, depois de passar vários dias em coma.
Também foram ouvidos cantos que diziam “morte ao ditador“, referindo-se a Ali Khamenei, o “Líder Supremo” do Irã, e “lutaremos e retomaremos nosso país”. Na cidade de Rasht, no norte, os manifestantes gritavam “morte ao opressor, seja o xá ou o líder supremo“. Assim, equipararam o atual Bonaparte islâmico aos antigos monarcas persas derrubados em 1979.
No centro de Teerã, milhares de manifestantes entraram em confronto com a polícia iraniana, que lançou uma repressão rápida e feroz.
Organizações iranianas de direitos humanos relataram pelo menos 326 pessoas mortas nas mãos das forças repressivas . Estimam-se dezenas de milhares de detidos, houve um condenado à morte e centenas de feridos. Mesmo assim, o regime não conseguiu deter as mobilizações. O golpe foi muito forte e, por enquanto, foram obrigados a recuar.
Um golpe no pilar patriarcal da teocracia iraniana
O uso do hijab ou lenço islâmico é obrigatório para todas as mulheres iranianas desde a Revolução Iraniana (também conhecida como “Revolução Islâmica”) de 1979. Naquele ano, a antiga monarquia persa foi derrubada por uma onda de descontentamento popular que acabou levando ao poder à burocracia xiita chefiada pelo aiatolá Khomeini. A partir desse momento, o estado iraniano assumiu a forma de uma república teocrática em que todas as organizações governamentais permanecem sob a tutela do “Líder Supremo” (atualmente Ali Khamenei), cujo poder emana das instituições eclesiásticas xiitas.
As leis patriarcais (como o hijab obrigatório) são um dos pilares sobre os quais o regime teocrático iraniano é construído. Após o assassinato de Mahsa Amini, milhares de mulheres iranianas questionam essa ordem. Viralizaram vídeos e fotos de mulheres queimando véus ou mesmo cortando o cabelo como forma de desobediência.
E as mulheres iranianas estão empurrando outros setores para as ruas. Os estudantes vinham de vários anos de inatividade política. No Irã, uma prisão pode significar uma expulsão vitalícia do sistema de ensino superior. Se milhares de estudantes decidiram correr esse risco para se manifestarem, isso significa que o regime iraniano levou a realidade para além do “suportável”.
A questão do hijab obrigatório não foi abordada. O governo teocrático manteve silêncio sobre isso até agora. Também é provável que o anúncio da dissolução da polícia de moral seja uma concessão temporária, dando-lhe ar para recuperar o terreno perdido.