Para o júbilo
o planeta
está imaturo.
É preciso
arrancar alegria
ao futuro.
Nesta vida
morrer não é difícil.
O difícil
é a vida e seu ofício. 
(Maiakóvski, 1926) 

É preciso não se deixar render e dar a batalha até o final contra esse crime histórico que é acabar com a independência de classe do nosso partido

Em meio ao processo de liquidação política do PSOL pela sua direção majoritária, que conta com o apoio de parte da sua ala de esquerda, tomamos notícia do Editorial Eleger Lula para derrotar Bolsonaro, apesar de Alckmin*, texto escrito pelos companheiros da Resistência – uma das correntes internas do nosso partido – que finalmente anuncia de forma aberta a sua tática eleitoral. A posição anunciada pelos companheiros – favorável ao ingresso do PSOL na chapa Lula-Alckmin – é um triste fim para uma corrente que tem uma tradição ligada ao marxismo revolucionário, mas que vem gradualmente perdendo esse caráter. 

ANTONIO SOLER

A discussão que queremos fazer aqui não é exatamente uma novidade. De forma genérica, trata-se, em meio a atual polarização política e necessidade de derrotar Bolsonaro, de dar as batalhas de princípio, estratégia e táticas necessárias para as tarefas centrais da luta de classes e para discutir os rumos do PSOL.

Temos procurado discutir de forma franca e leal – único método construtivo entre socialistas revolucionários – com os companheiros da Resistência, do MES, da Primavera e demais correntes da direção majoritária de forma sistemática contra suas linhas políticas, pois têm resultado em uma reengenharia política que está levando o PSOL à liquidação política como partido independente do lulismo e da burguesia. A novidade que temos agora é que com o recente editorial da Resistência é, finalmente, apresentado de forma transparente, depois de uma elaboração sinuosa no último período, para dizer o mínimo, qual tática política apresentará na Conferência Eleitoral do PSOL, no dia 30 deste mês. 

A importância de discutir o posicionamento dos companheiros se dá por dois fatores. Além de ter certo peso decisório e influência nos debates internos prévios à Conferência Eleitoral que selará o destino político do PSOL, a Resistência é parte das correntes de trajetória socialista revolucionária que fazem um importante giro à direita no último período. Isso tem levado esses companheiros a romper com balizamentos fundamentais do marxismo revolucionário; o que terá impacto no realinhamento político no PSOL e na esquerda se essa debacle política for confirmada na próxima Conferência Eleitoral do PSOL.  

Derrotar Bolsonaro não pode justificar a capitulação

Estamos em uma situação política em que o principal desafio que temos é derrotar Bolsonaro e sua linha de fechar o regime democrático burguês. Nesse sentido o editorial da Resistência afirma que “nada é mais importante que impedir a reeleição de um governo de extrema direita, que foi o principal responsável pela morte de mais de 600 mil pessoas na pandemia. Além disso, o atual governo executou um programa sem precedentes de destruição econômica, social, ambiental e de direitos trabalhistas e democráticos. Temos hoje um país massacrado, com 20 milhões de pessoas passando fome.”

Em relação à necessidade de derrotar Bolsonaro como prioridade política, temos total acordo com os companheiros. O neofascista atenta diariamente e pode se tornar cada vez mais perigoso – vide a recente medida diretamente bonapartista de indulto inconstitucional ao deputado condenado pelo STF a perda de mandato e prisão, Daniel Silveira – para os direitos democráticos dos trabalhadores e oprimidos. Bolsonaro tem crescido nas pesquisas de intenção de voto, tem apoio de setores da classe média e do empresariado, tem peso nas forças repressivas e base social leal de um terço do eleitorado. Ou seja, longe de ser cachorro morto, pode em determinadas circunstâncias políticas acumular condições para aventuras golpistas de extrema direita. Em todo golpe de direita, os primeiros direitos atacados são os das massas trabalhadoras, sua soberania e direito de organização e luta. Contudo, a partir da consideração correta de que a principal tarefa é derrotar Bolsonaro, todo o primeiro argumento apresentado pelos companheiros traça uma linha extremamente equivocada e perigosa politicamente. Em primeiro lugar, porque a linha de entrar na chapa Lula-Alckmin é um total desarme para o enfrentamento real a Bolsonaro e, em segundo, elimina a construção do PSOL como partido independente do lulismo.

Avaliam que como “não foi possível derrubar Bolsonaro nas ruas”, a “candidatura de Lula é aquela que se apresenta como a única com condições de derrotar o candidato da extrema direita” e “o fascismo buscará também mostrar suas forças nas ruas, com possíveis ameaças golpistas. Diante do cenário de polarização numa eleição histórica, o PSOL tem que ser um instrumento útil para ajudar a derrotar Bolsonaro, sendo parte ativa da campanha pelo voto em Lula.”  

Levando-se em consideração que tudo indica que Bolsonaro vai intensificar cada vez mais a mobilização de rua e as forças extraparlamentares de que dispõe dentro e fora do governo, combinado com o seu crescimento eleitoral, forma-se um caldo político extremamente perigoso, que só pode ser repelido efetivamente com mobilização de rua. Dentro desse contexto, no texto citado acima, que pode ser lido na íntegra no site dos companheiros, encontramos dois grandes problemas. O primeiro é que a não derrota de Bolsonaro nas ruas se deve em grande medida à postura de Lula e de toda a burocracia sindical e política. Entretanto, essa caracterização, a partir de elementos parciais da realidade, esconde – sempre na elaboração da Resistência – o papel desmobilizador da burocracia em todos os processos. Temos uma leitura conjuntural unilateral da realidade que desconsidera o papel nefasto da burocracia para a mobilização direta, por um lado, e o potencial de mobilização que vem crescendo, por outro, combinada com o abandono da aposta estratégica na mobilização direta como elemento político fundamental para derrotar Bolsonaro. Então, o que fica da elaboração da Resistência é uma combinação de falência não apenas analítica, mas de análise e estratégia revolucionária que acaba desarmando para a principal tarefa hoje, que não é apenas derrotar Bolsonaro, mas derrotar Bolsonaro nas ruas.

A rendição ao campismo estalinista

Essa é somente a primeira parte do desarme princípio-estratégico-tático-organizativo patrocinado pelos companheiros. Ao adentrar mais em sua tática eleitoral vemos que não se trata apenas de um erro na hierarquização da luta para derrotar política e eleitoralmente Bolsonaro.   

Criticam Lula por tentar passar Alckmin por “companheiro” e de que a aliança com o ex-tucano é necessária para derrotar Bolsonaro. Denunciam que Alckmin é um grande representante da burguesia – um neoliberal e reacionário que foi a favor do impeachment de Dilma, da prisão de Lula e atacou diretamente o movimento social durante os 14 anos que esteve à frente do governo paulista -, que não é verdade ser Alckmin necessário para derrotar Bolsonaro nas eleições pela sua incapacidade de atrair eleitorado para Lula e, finalmente, que tudo isso enfraquece a luta contra Bolsonaro.

O argumento dos companheiros, apenas parece razoável, mas não é, pois tira da equação que se não fosse Alckmin vice, Lula e o PT iriam inventar qualquer outra figura burguesa para substituí-lo. Lula e o PT vêm fazendo governos de conciliação de classes desde a década de 80, o que apenas foi agravado com os seus governos federais a partir de 2002. Então, a questão aqui não é apenas Alckmin, mas que o PT deixou de ser um partido operário e transitou para um partido burguês-operário já há algum tempo. Assim, com ou sem Alckmin, esse partido faria uma aliança eleitoral com a burguesia devido à sua natureza política, perfil, programa e composição. Por essa razão, a linha para essas eleições deve ser constituir uma frente político-eleitoral independente do PT e da burguesia que dialogue a partir daí com a base petista, e não a linha da exigir que o PT faça uma frente de esquerda sem uma retaguarda, com o “Lula sim, Alckmin não”, como defendeu a Resistência para agora engolir com argumentos mentirosos o “Lula sim e Alckmin também”.

A segunda parte desse argumento leva totalmente à rendição ao lulismo e à conciliação de classes como consequência inevitável. Afirmam, falsamente, que “como não é possível, por restrições e riscos jurídico-legais, fazer a campanha pelo voto em Lula por fora da coligação formal, o partido está obrigado a entrar nela, apesar da discordância pública (que deve seguir sendo pautada) com a aliança do PT com Alckmin e outras lideranças e partidos ligados à classe dominante.” Esse é um posicionamento dramático! Com isso a Resistência não apenas se submete, mas defende abertamente – já vinham anunciando de forma subliminar isso – o ingresso em uma frente política com a grande burguesia. Já vimos no passado capitulações históricas – como entre setores revolucionários na década de 30 na França e na Espanha – com o argumento de “obrigação” porque as massas querem a unidade ou porque sem frente com a “burguesia progressista” não se pode derrotar o fascismo, mas obrigação por “riscos jurídicos-legais” é uma nova modalidade de justificação totalmente mentirosa inventada pela Resistência, uma vergonha política sem tamanho. A Resistência, de maneira que não podemos considerar senão como covardia política e falsificação, afirma que é uma obrigação jurídica estar na chapa Lula-Alckmin para poder chamar o voto em Lula sem a menor fundamentação. Entendendo quão grave é a sua posição – trata-se de uma ruptura de princípios -, tentam mascarar a sua falência não apenas tática, mas enquanto corrente revolucionária histórica, mentindo. Não poderia haver pior fim para uma corrente marxista revolucionária.   

Esse não é um gesto apenas de equívoco tático, metodológico ou de estratégia. A partir de uma falsificação vergonhosa aparece cristalizada a ruptura com um princípio fundamental do marxismo revolucionário, aquele que sustenta todo edifício político – as estratégias e as táticas – que é o da independência de classes. É evidente que se pode ter a tática de chamar o voto em Lula no primeiro turno, um voto crítico obviamente, a depender da evolução de uma conjuntura em que Bolsonaro avance nas pesquisas eleitorais – isso seria uma escolha meramente no campo tático. Outra coisa totalmente diferente, como já dissemos mais de mil vezes, é entrar em uma frente político-eleitoral com a burguesia, como estão propondo os companheiros – isso é uma ruptura injustificável com o princípio da independência de classes que significa liquidar o PSOL como partido independente. 

Em que pese todas as pressões que sofremos da realidade, todas as experiências de ruptura com a independência de classes, a participação em frentes político-eleitorais com a burguesia sempre levaram a desastres políticos profundos. Foi assim na capitulação à burguesia na revolução chinesa de 20, no apoio à frente popular na França e no ingresso no governo frentepopulista da Espanha em 30 e, mais recentemente, no apoio ao governo de Mitterrand na década de 80. Desde confusão, passando por desmoralização e desagregação, todas as organizações que romperam com o princípio da independência de classe sofreram com desmoralização ou não se recuperaram mais para a linha revolucionária. Podem até continuar a existir, mas acabam como cascas vazias para a política revolucionária. Vide correntes como a antiga DS ou O Trabalho (PT) que, de capitulação em capitulação, desapareceram do cenário político ou não passam de corpos parasitários sem expressão direta na luta de classes e sem nenhuma razão histórica que vivem do aparato petista/custista. 

Com perda de princípios históricos não se pode ter táticas eficientes

Sabedores da gravidade que é o anúncio dessa linha, tentam argumentar no sentido de que “o PSOL precisa manter sua independência política nessas eleições, assim como apresentar um programa de esquerda com coragem de enfrentar os privilégios das elites dominantes, posto que o programa da aliança com Alckmin terá muitos limites e problemas”, que a “Resistência atuará, em primeiro lugar, para que o partido esteja empenhado, sem nenhuma vacilação, na campanha pelo voto em Lula. É preciso uma campanha combativa com mobilização e organização pela base. Afinal, Bolsonaro ainda não foi derrotado e o mais importante é tirá-lo do poder.” e que “somos contra a entrada do PSOL em um possível governo Lula-Alckmin. Desde já, afirmamos que estamos taxativamente contra o PSOL governar junto com Alckmin e outros setores burgueses. Seria um erro fatal para um partido que nasceu e se construiu opondo-se à estratégia da conciliação de classes.”

Entrar nessa chapa Lula-Alckmin não passa de rendição ao campismo (ingresso no “campo progressista da burguesia” contra o “campo reacionário da burguesia”) que fracassou mil vezes na história da luta de classes e vai totalmente na contramão do que alega a Resistência ser o seu objetivo: a derrota de Bolsonaro. Uma vez que o PSOL ingressar definitivamente na chapa Lula-Alckmin, será diluído o partido, sua bandeira, seu programa, suas táticas e suas figuras públicas no “campo burguês progressivo” em vez de construir um campo independente dos trabalhadores. Essa linha, além de uma falsa sinalização para os setores que dirigimos e influenciamos de que um governo Lula-Alckmin não será um governo burguês de conciliação de classes como todos os demais – um funcionário para os negócios burgueses, meio político para manter e aprofundar a exploração, que diante de qualquer crise a jogará nas nossas costas e usará a repressão do estado contra nosso movimento e que teremos que combater duramente -, nos desarmará estratégica e taticamente enquanto partido para dar a batalha para levar a luta para as ruas. 

Temos que dizer para as pessoas que o voto em Lula – no segundo ou primeiro turno – tem o objetivo tático fundamental de derrotar Bolsonaro porque este é um ultra reacionário que quer fechar o regime, esse é o única perspectiva independente que podemos ter ao chamar o voto crítico em Lula. Bolsonaro é nosso principal inimigo e para ser abatido nas urnas, simples assim. Mas, um governo de conciliação de classes (Lula-Alckmin) também não nos representa em sua composição, programa e métodos. Uma vez derrotado nas ruas e nas urnas, temos que continuar lutando nas ruas de forma independente, por nossos direitos e contra os ataques que virão do governo Lula-Alckmin.

A derrota de Bolsonaro e sua saída do poder só se pode garantir através da mobilização direta. Por isso, entrar na chapa Lula-Alckmin é perder todo o fio da navalha tático, estratégico e de princípio. Além do nefasto poder pedagógico de gerar confiança em um governo burguês de conciliação de classes, desmobiliza e faz com que nossas táticas, que devem ter como centro levar a luta para as ruas (o que deveria ser encarado como prioridade pela Resistência) percam totalmente a sua efetividade. Pois uma vez dentro dessa frente, ao contrário do que está sendo pregado por eles, perderemos em muito a capacidade de dialogar com as massas no sentido das exigências de que Lula, PT cia mobilizem para derrotar Bolsonaro. 

Mesmo que a Resistência defenda realmente não entrar em um governo Lula-Alckmin – o que pela deriva totalmente oportunista dessa corrente precisa de fato ser confirmado em janeiro de 2023 – o ingresso na chapa Lula-Alckmin já configura em sua plenitude a capitulação ao campismo de origem reformista/estalinista. Campismo que uma vez assimilado por organizações de origem revolucionárias leva, invariavelmente, a perda de seu caráter revolucionário. Essa decadência, essa perda terrível de princípio que faz desabar todo o edifício político revolucionário dessa corrente tem um fundo mais objetivo: a pressão política que significa Bolsonaro e as pressões materiais. O aparato do partido, do PT, da CUT e do Estado burguês vão exercendo pressões muito fortes sobre a direção das organizações. Pressões essas que só podem ser suportadas com a militância prática na base, com uma orientação política correta e com um balanço crítico da experiência revolucionária do século passado. Elementos que faltam não apenas à Resistência, mas quase que à totalidade das correntes que atuam dentro e fora do PSOL.   

Quando se perde a independência de classe, nada na armação revolucionária se pode manter: estratégias e táticas – necessariamente interligadas – se diluem e perdem a sua efetividade. No caso especifico da conjuntura brasileira, desarmando-nos para a luta central que é derrotar Bolsonaro nas ruas. Essa lição básica parece que a direção da Resistência esqueceu totalmente. Mas, o que é ainda pior é que não se trata apenas da falência da Resistência como organização revolucionária, mas a falência política de toda a direção do PSOL, pois sua política campista de conciliação de classes faz com que o partido deixe de se construir de forma independente e perca a capacidade de cumprir o papel de agente político mobilizador de setores de massas, isso em uma conjuntura em que essa é a tarefa central. O que pode acabar com a reeleição de Bolsonaro e/ou mais uma manobra golpista de estrema direita, caminhando-se assim no fechamento do regime. Esses são os principais crimes políticos – destruir o PSOL como partido independe e não apostar na mobilização direta para derrotar Bolsonaro – que estamos diante de assistir se a linha de ingressar na chapa burguesa Lula-Alckmin for aprovada na Conferência Eleitoral do PSOL. 

Nós, do Socialismo ou Barbárie, junto com outras correntes, militantes e figuras públicas apostamos na reversão dessa tendência destrutiva e continuaremos até a Conferência Eleitoral (30/4) a dar a dura batalha contra esses dois crimes históricos que são o de liquidar o PSOL como partido independente da burocracia e da burguesia e o de não ter como prioridade a luta nas ruas para derrotar Bolsonaro. Continuaremos assim com vários companheiros na luta pela construção de agrupamentos e reagrupamentos que não abrem mão da independência de classes e da, consequente, orientação revolucionária para nossas estratégias e táticas, condições fundamentais para construir partidos revolucionários que de fato contribuam com as lutas imediatas e históricas da classe trabalhadora e dos oprimidos.

*https://esquerdaonline.com.br/2022/04/21/eleger-lula-para-derrotar-bolsonaro-apesar-de-alckmin/