No início, o governo tentou liquidar a mobilização de forma repressiva, causando a morte de vários manifestantes e dezenas de feridos. Entretanto, encurralado pelas crescentes mobilizações, Lasso teve que ceder a algumas das demandas.

Por Renzo Fabb

Já se passaram quinze dias desde que uma nova onda de protestos abalou o Equador. Mobilizados pela fome, pela pobreza e pelo aumento do custo de vida, dezenas de milhares de indígenas estão se mobilizando em todo o Equador contra o governo do Lasso.

São mais de mil poços de petróleo ocupados pelos indígenas agrupados na Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) e dezenas de bloqueios de estradas estão paralisando o país, e em particular a atividade petrolífera, a principal exportação do país equatoriano. De acordo com o governo, a produção de petróleo do país poderia ser interrompida em questão de dias.

No início, o governo tentou liquidar a mobilização de forma repressiva, causando a morte de vários manifestantes e dezenas de feridos. Entretanto, encurralado pelo crescimento das manifestações, Lasso teve que ceder a algumas das exigências.

Uma das exigências centrais da Conaie diz respeito aos preços dos combustíveis. Após a eclosão da guerra na Ucrânia e a alta dos preços internacionais do petróleo, o aumento dos preços dos combustíveis afeta particularmente a economia equatoriana dolarizada, que é severamente limitada em sua capacidade de estabelecer uma barreira protecionista contra os altos e baixos dos preços internacionais porque não tem moeda própria.

Com o aumento dos preços do petróleo, os preços dos combustíveis também aumentaram, e com eles, o custo de vida para as classes trabalhadoras, particularmente a população indígena. O governo tentou apaziguar a mobilização, decretando neste domingo uma redução irrisória de 10 centavos (5%) no preço de um galão de diesel e nafta. Apenas um quarto da redução de preços exigida pelas organizações indígenas.

A manobra foi rapidamente interpretada como uma tentativa de desmantelar a mobilização sem fornecer respostas reais para os problemas econômicos. As manifestações continuaram a crescer, agora sob o slogan “Não queremos dez centavos, queremos resultados“.

Ao mesmo tempo, o governo também anunciou que estava levantando o estado de emergência que havia imposto em seis das províncias do país. O objetivo daquela medida era desarmar os piquetes e as ocupações através da repressão estatal. A Conaie havia advertido que não se sentaria em nenhuma mesa de negociações até que o estado de emergência fosse levantado, o que finalmente foi conseguido no domingo à noite.

Com a mesquinha redução nos preços dos combustíveis e o fim do estado de emergência, o governo Lasso estava confiante de que abriria uma porta de “diálogo institucional” em detrimento das mobilizações, levando as demandas ao caminho pantanoso das instituições do regime.

Entretanto, pressionada pela genuína raiva das suas bases contra seu governo e pela deterioração da situação econômica, a liderança da Conaie qualificou as medidas da Lasso como “insuficientes e apelou para que as mobilizações continuassem.

As ruas e o palácio

Como se estes não fossem problemas suficientes para o banqueiro Guillermo Lasso a menos de um ano em seu governo, ao mesmo tempo enfrentava um pedido de impeachment no parlamento.

Pressionada pela bancada da oposição União pela Esperança, que responde ao ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), a Assembleia Nacional debateu por cinco dias consecutivos a proposta de impeachment do presidente, acusado de ser responsável pela “grave crise política e comoção interna” que está abalando o país.

O Congresso precisava de 92 dos 137 votos para forçar a Lasso a sair. Mas embora a oposição tenha uma maioria na câmara, no final o número não foi suficiente.

O movimento parlamentar de impeachment do presidente em paralelo às mobilizações expressou, por um lado, a tentativa do correísmo de capitalizar politicamente a insatisfação contra o governo. Por outro lado, a manobra procurou dar contenção institucional a ela. Ao levantar a possibilidade de uma “saída institucional” do Presidente, os partidos capitalistas buscam gerar mecanismos para que o processo político não saia dos trilhos do regime, quando a continuidade do Lasso é realmente questionada não no palácio, mas nas ruas.

A “via parlamentar” foi de curta duração e a possibilidade de impeachment foi cortada. No entanto, e apesar da demanda popular crescente dos de baixo para a saída da Lasso, é verdade que a Conaie não está exigindo a demissão do presidente, mas está permanecendo estritamente no reino das exigências, estabelecendo expectativas na mesa de negociações. Uma eventual partida da Lasso significaria um enorme triunfo para a mobilização, o que colocaria as maiorias populares do país em uma posição muito melhor para continuar lutando por seus interesses.

Nas últimas horas, Lasso anunciou em rede nacional que estava interrompendo todo o diálogo com o líder do Conaie Leónidas Iza, acusando a organização do assassinato de um soldado em uma estrada na região amazônica do país. Ao mesmo tempo, ele afirmou que Iza “é um anarquista que persegue interesses políticos“. A Conaie exige o restabelecimento da mesa de negociações.

O “endurecimento” da Lasso mostra o fracasso da tentativa de desmantelar a mobilização através de concessões mínimas, retornando a uma abordagem principalmente repressiva quando o governo está mais do que nunca na corda bamba.

Mas há outro elemento que explica o endurecimento da postura do governo: a tentativa de encontrar um ponto de apoio na classe média urbana reacionária que tomou as ruas de Quito na segunda-feira para protestar contra os bloqueios e as manifestações indígenas. Uma dinâmica de polarização política que, se imposta, pode transformar a rebelião em um confronto de classes.

Tradução: José Roberto Silva